Eu falo porque posso: a irrequieta obra de Laura Marling

Eu falo porque posso: a irrequieta obra de Laura Marling

Laura Beatrice Marling é uma cantora e compositora britânica. Com apenas 27 anos, ela tem sete álbuns lançados e uma trajetória musical ímpar e elogiada. Graças aos seus pais e sua origem privilegiada, Laura cresceu em contato com o música. Ela aprendeu a tocar violão muito cedo, logo se apaixounou pelo ofício e, aos 16 anos, deixou a escola para viver por ele.

Seu disco de estreia, Alas, I cannot Swim, de 2008, conquistou o público e foi elogiado pela crítica. Desde então, Marling foi indicada a diversos prêmios: venceu como melhor artista solo feminina no Brit Awards de 2011 e tem construído uma sólida trajetória artística. Hoje, Laura Marling é uma das cantoras mais importantes do cenário do folk contemporâneo.

As perguntas inquietantes de Laura Marling

Reconhecida e elogiada pelas letras, sonoridade e consistência conceitual de seus trabalhos, alguns temas lhe seguem caros desde o primeiro disco. As canções de Laura Marling nos contam histórias através de narrativas porosas, com forte influência literária. Não raro, suas composições partem da tentativa sincrônica de entendimento e desconstrução de alguma questão mais ampla.

Laura, portanto, dialoga conosco. Ela nos questiona enquanto também questiona a si mesma, por vezes descobrindo respostas e não certezas. A cantora não abandona a ambiguidade de quem, como aconselha o poeta Rainer Maria Rilke, também ama as perguntas por elas mesmas.

De diferentes formas e em diferentes tempos, Laura Marling se pergunta o que é ser uma mulher. Quem é a voz que fala através dela? É mais importante de onde se fala? Todavia, a indefinição e a investigação que ela inspira são partes intrínsecas de sua obra.

O que é viver com esse lobo no peito? É possível encontrar uma nova inocência? É essa a minha vida, sem precisar explicá-la? Essas são algumas das questões que permeiam seus álbuns.

Laura
Laura Marling | Foto: Joy Elton

Nem musa, nem trágica

Em uma entrevista de 2017 ao The Guardian, falando sobre seu processo criativo e trajetória, Laura declarou: “Eu penso que, quando era uma adolescente, eu pensava que ou você era essa tragédia delicada, ou você era uma musa. E ambos são papéis terrivelmente subjulgados”.

Nem musa, nem a protagonista de uma tragédia. A voz de Laura busca aprofundar-se em si mesma enquanto fala cada vez mais de seu lugar, enquanto busca mais intensamente a sua voz criativa feminina. Ser mais de si mesma, distanciando-se da armadilha de ser uma metáfora, ou mesmo um conceito. Um lugar para onde, com frequência, são empurradas as mulheres artistas de nossa sociedade.

A comparação de Laura com artistas como Joni Mitchell e Joan Baez é uma constante, tanto na sonoridade quanto nos temas de suas composições, temas esses que ultrapassam o “universo doméstico” e falam de espaços, experiências e temáticas que ainda são vistas (e apreciadas) como masculinas.

Semper Femina, de Laura Marling

Semper Femina - Laura Marling
Foto: reprodução

O disco leva como título um trecho do poeta Ovídiovarium et mutabile semper femina” sobre o caráter ilimitado e sempre mutável da mulher. Laura traz as palavras do poeta latino para a própria voz e adota essa natureza como lugar de poder. É poderoso ser mutável, ser constante na própria natureza da mudança e sempre uma mulher.

Dessa maneira, Laura Marling expõe e reflete suas questões, investiga o olhar, a arte e a percepção dentro do gênero feminino. Ao se perguntar qual é o seu lugar, se é esse o seu lugar, a cantora ecoa nossos próprios questionamentos: A feminilidade é um lugar? Ela nos proporciona um olhar único? O que é possível ver daqui? Nas composições de Semper Femina há vida em tudo, e o que ela vê, interpreta e acolhe, é feito através do seu olhar feminino, agora conquistado por si e para si.

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Laura se pergunta se, afinal, só conseguiu escrever sobre ser mulher por ter vivido na época mais “masculina” de sua vida, quando estava na estrada, se sentindo mais livre do que é possível para a maioria das mulheres no cotidiano. O questionamento da violência do próprio olhar também é um componente importante do disco: Sou mais livre quando não sou tão mulher? Talvez olhar, conhecer e escrever verdadeiramente sobre mulheres seja uma tarefa que ela (e nós) ainda esteja(mos) aprendendo a desempenhar.

Escrever sobre mulheres é um desafio mesmo para uma mulher. Ainda buscamos encontrar e usar o nosso próprio olhar despido das influências, dos tabus e dos clichês que o olhar masculino nos faz adotar, mesmo que de forma inconsciente. Trajar esse olhar despidas das expectativas do “empoderamento” que a negação da feminilidade promete. Ou da necessidade de igualá-lo a um olhar masculino, como se esse fosse neutro, mais amplo ou mais livre.

Song for Our Daughter

Laura Marling - Song for our daughter
Foto: reprodução

Em seu álbum mais recente, Song for our daughter, Laura Marling explora suas esperanças e aflições sobre o futuro com a ternura e a firmeza de quem aconselha sem perder a empatia. Inspirado na obra Carta a minha filha, da poeta Maya Angelou, Laura canta a esperança vacilante de um mundo futuro, junto com a angústia do agora e a ambiguidade frente ao tempo que se desenrola rápido demais.

Ela nos embala com a ternura de uma carta de amor, escrita por quem conta do que viu e aprendeu, tentando balancear o pessimismo da experiência com a gentileza possível do porvir. A filha de Marling é também uma parte dela mesma, e todas nós.

“Eu acho que, à medida que fui envelhecendo… Eu aprendi mais sobre como a cultura e você mesmo, todos esses lugarem de onde você herda ideias e padrões, podem ser domadas e controladas; você pode fazer sua própria versão delas.

Você pode ‘controlar a narrativa’ como dizem agora. E isso abre todo um mundo, cheio de perspectivas diferentes. Então eu acho que mudei a direção da minha personagem na composição, de uma forma um pouco mais autoconfiante”.

– Laura em uma entrevista ao Npr Music

Laura Marling nos diz: ela não quer ser uma musa, nem uma tragédia, nem um estereótipo ou metáfora. Laura observa, ama, espera ou lamenta, mas sempre nos conta uma história. Sua trajetória musical combina maestria técnica, paixão e uma constante reinvenção do seu eu lírico. Para Marling, o mais importante é sempre falar porque é possível. Tantos discos depois, a mensagem mais forte da compositora ainda é: Sou uma mulher e falo porque posso.

cantora
Laura Marling | Foto: reprodução

No momento, Laura anunciou o lançamento de um disco em seu projeto paralelo com Mike Lindsay, o LUMP. A previsão de lançamento do álbum é de 30/07/2021.


Revisão por Isabelle Simões.

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Historiadora e escrevedora de frases longas. Entusiasta de diálogos. Fala de literatura e de história até na mesa do café.
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