Os elementos mágicos de “Duna” e sua construção científica

Os elementos mágicos de “Duna” e sua construção científica

Duna trouxe consigo uma discussão sobre os elementos construídos na trama. No entanto, tais elementos são sobrenaturais ou explicados pela ciência? O livro de Frank Herbert adota diversas explicações, sendo algumas alinhadas no conceito da física, da expansão do corpo humano, além de outras com o vício em especiarias.

Contudo, todas essas explicações resultam em habilidades que vão além do que a capacidade humana consegue sustentar nos dias atuais. Cabe, portanto, uma análise dos maiores evocadores de mistério sobre-humanos durante a narrativa de Duna.

As Bene Gesserit e o condicionamento humano

Podemos começar com as Bene Gesserit, as quais detém os grandes mistérios do corpo e da mente, sendo usualmente chamadas de bruxas ou feiticeiras. O treinamento de uma Bene Gesserit envolve o condicionamento.

Elas são mestras no prana-bindu; prana faz referência aos músculos do corpo quando considerados como unidades para o treinamento supremo, e bindu se relaciona com o sistema nervoso humano, ou seja, o treino dos nervos. Pode ainda ser chamada de inervação-bindu. Quando submetidas e sobreviventes, as Bene Gesserit ganham condições que outros chegaram a abominar, associando com a bruxaria.

As Bene Gesserit em Duna (1984), filme dirigido por David Lynch
As Bene Gesserit em Duna (1984), filme dirigido por David Lynch | reprodução
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Tais personagens conseguem realizar uma análise oral, onde ao provar algo são capazes de decompor tal alimento e todos os seus ingredientes no palato e até mesmo conhecer suas propriedades químicas. O prana-bindu, já mencionado, altera o fluxo do sangue, sua temperatura corporal, nível de consciência, além da frequência cardíaca.

Mas qual objetivo por trás do prana-bindu? O da sobrevivência. Caso uma Bene Gesserit se encontre em posição de refém, ela pode facilmente se livrar dessas amarras utilizando artifícios tanto da mente quanto dos arredores.

Além disso, elas também conseguem manipular o controle orgânico químico interno, transformando seu metabolismo de modo que venenos tornam-se inofensivos. Isso pode ser visto, por exemplo, em um episódio da obra quando certa personagem se torna Reverenda Madre e usa de tal controle para tomar a Água da Vida; algo com veneno em potencial. Caso ela sobrevivesse, seria consequentemente nomeada.

Outros elementos incomuns em Duna

Cena de Duna, de Denis Villeneuve
Cena de Duna, de Denis Villeneuve | Fonte: Warner

Algumas das figuras principais na mitologia de Duna são os Mentats. Eles parecem alertar todos que encontram algum, pois sabem da capacidade deles. Apesar do misticismo que os cerca, um Mentat é, em teoria, uma profissão. Uma disciplina. Portanto, tais personagens foram desenvolvidos para substituir as máquinas pensantes, ou seja, computadores e inteligências artificiais.

O Jihad Butleriano foi um grande período de caos chamado de “A Grande Revolta”, que durou cerca de 200 anos antes da Guilda Espacial. Durante tal conflito a lógica de endeusar máquinas foi deixada para trás e o homem passou a exercer funções outrora mecânicas e de inteligências artificiais. Tais mecanismos foram banidos e então grupos como os Mentats, as Bene Gesserit e a Guilda Espacial substituíram as máquinas. Em decorrência, leis contra inteligências artificiais também foram criadas e seguidas.

Seguindo em frente, os Mentats são regularmente usados pelas Grandes Casas como Conselheiros Políticos. Isso graças ao vasto conhecimento adquirido e preservado em suas mentes, somados com a capacidade de acumular informações em tempo real para a computação natural de dados precisos. Alguns Mentats também são utilizados para fins militares. Até mesmo as Bene Gesserit, em menores doses, fazem uso dos dons de um Mentat.

Afinal, quem são os Tleilaxus e Gholas?

Em Duna também temos os Tleilaxus. Trata-se de um grupo de humanos alterados geneticamente em segredo. Sua população vive em Tleilax, no planeta solo da estrela Thalim. Tais seres são responsáveis por criações como os Dançarinos Faciais, seres capazes de transformar sua composição corporal. Uma comparação mais específica seria com a mitologia dos metamorfos. O dançarino facial mais famoso na saga é conhecido por Scytale, uma peça-chave do segundo livro de Frank Herbert.

Lado a lado com Scytale, conhecemos um ghola. Gholas nada mais são do que indivíduos criados em laboratório, réplicas de um alguém morto. Eles são criados em tanques Axlotl e podem ser reconstruídos até mesmo de uma pequena célula do ser, cujo intuito é replicar.

filme de Denis Villeneuve
Cena de Duna, de Denis Villeneuve | Fonte: Warner

Um ghola, porém, não é um clone. Enquanto os Tleilaxus precisam de material genético original do corpo falecido, os Gholas provém de células crescidas em laboratório e coletadas enquanto a pessoa ainda mantém seus batimentos cardíacos no lugar.

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Entretanto, tais clones não possuem a memória daquele que o originou, pois os gholas retém algo chamado “memória morta” ou “memória fantasma”. E o que é isso? Trata-se de uma coletânea da maioria das memórias do ser que lhes concedeu a vida. Tudo graças a uma combinação de condicionamento e memória genética.

Adentrando aos mecanismos orgânicos e inorgânicos de um ghola, eles possuem olhos geneticamente modificados, metálicos. Isso no princípio da existência desses seres, mas cujo detalhe foi contornado após conceder olhos naturais para “os mortos que voltam”.

Entre o misticismo e o futuro de Duna

Parte da ficção científica de Duna se desenrola em um futuro muito distante, onde a humanidade conseguiu dominar certas partes do cérebro. Partindo desse ponto e dos avanços tecnológicos, as explicações “mágicas” se misturam com a ciência. Ou melhor, fazem parte da ciência que contorna a mitologia de Frank Herbert. Portanto, mesmo quando algo parece inexplicável, existe ali um fundamento. E se tal fundamento não parece crível, ele irá ser explicado dentro do próprio universo.

São 24 mil anos. É possível acreditar nos avanços da humanidade e seu potencial, principalmente quando levamos em conta o tempo em que a obra foi escrita: um período onde as pessoas acreditavam na potência exponencial.

Duna, Denis Villeneuve
Cena de Duna, de Denis Villeneuve | Fonte: Warner

Em Duna a verdade de que o ser humano não utiliza todo o poder contido no cérebro é levada para o lado oposto: o que aconteceria com a humanidade se ela fosse capaz de controlar seu organismo? As possibilidades são infinitas. E esse é um dos pilares que sustentam a ciência durante toda a saga: são estudiosos com milhares de anos à nossa frente e substâncias especiais capazes de redefinir o que é, ou não, o ser humano. Todavia, as inteligências artificiais pereceram, tornando-se carne, ossos e água.

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Dessa forma, a magia cede lugar ao físico, ao humano, ainda que as Bene Gesserit possuam habilidades tamanhas ao ponto de ganharem a alcunha de bruxas. Todavia, o que elas fazem não é nada muito distante do místico da presciência: a habilidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, seja no passado, presente ou no futuro.

Paul Atreides é um dos usuários da presciência e de outras habilidades, pois foi o único homem sobrevivente ao treinamento final das Bene Gesserit; onde, basicamente, aceitou a dor. Antes dele, protótipo masculino algum tinha passado na provação. Portanto, Paul faz história na obra de Frank Herbert, pois é o grande nome que reverbera no Império e levanta a bandeira dos Atreides.

A saga de Duna cria mitologia, mistura ciência, antropologia, arqueologia, culturas e futuro, tudo isso com apenas um fim: analisar a fundo a verdadeira extensão e vulnerabilidade da humanidade.

Glossário:
  • Mentats: “Homens computadores”, capazes de acumular e processar informações em tempo real. Eles substituíram as máquinas após uma guerra contra o culto ao Deus Machina.
  • Tleilaxus: Moradores de Tleilax, do planeta solo da estrela Thalim.
  • Gholas: Indivíduos criados em laboratório, réplicas de um alguém morto. Só podem ser construídos após a morte.
  • Bene Gesserit: Irmandade que movimenta tramas políticas e promove o aperfeiçoamento do corpo e da mente.

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Arte em destaque e revisão por Isabelle Simões.

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Escrevo onde meu coração me leva. Apaixonada pelo poder das palavras, tentando conquistar meu espaço nesse mundo, uma frase de cada vez.
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