“Sempre Vivemos no Castelo” e a genialidade de Shirley Jackson

“Sempre Vivemos no Castelo” e a genialidade de Shirley Jackson

Shirley Jackson inspira de Neil Gaiman, Stephen King e Richard Matheson, porém, como acontece com diversas mulheres, sua obra é menos reconhecida do que a dos homens que seguem seu caminho para escrever. Dos livros traduzidos em português temos acesso à Sempre Vivemos no Castelo, lançado em 2017; A Assombração da Casa na Colina, com nova edição  publicada em 2021; e O Homem da Forca, também lançado em 2021.

Uma breve biografia de Shirley Jackson 

Shirley Hardie Jackson nasceu em São Francisco em 14 de dezembro de 1916 e faleceu em 8 de agosto de 1965. É uma das escritoras mais importantes do gênero de horror e durante sua carreira, com duração de duas décadas, escreveu seis romances, dois livros de memórias e diversos contos.

Uma breve biografia de Shirley Jackson 
A escritora Shirley Jackson | Foto: reprodução

Jackson sempre usou a literatura como forma de lidar com a vida. Desde pequena costumava escrever, já que tinha alguns problemas para se socializar. Shirley foi casada com Stanley Edgar Hyman, quem conheceu depois de ter vencido um concurso de poesia na Universidade de Syracuse, onde estudavam. Eles costumavam organizar reuniões com outras pessoas interessadas por literatura e juntos tiveram quatro filhos.

O primeiro destaque de sua carreira foi o conto “A Loteria”, publicado em 1948 na revista New Yorker. O sucesso veio devido as reclamações dos leitores que se revoltaram com o final da história e assim a revista chegou a receber mais de 300 cartas furiosas. Shirley, por outro lado, não costumava comentar sobre suas histórias.

Stanley se pronunciou sobre o assunto dizendo que “ela se recusava, consistentemente, a ser entrevistada para explicar ou promover sua obra de qualquer maneira, ou tomar posições públicas e ser uma comentarista de suplementos de domingo. Ela acreditava que seus livros falariam por ela de forma suficientemente clara ao longo dos anos”. Parte disso também pode ser vista como uma consequência da misoginia que a escritora sofria vindo de seus pares, sempre críticos e pouco crentes da qualidade de seu trabalho.

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Shirley Jackson
A escritora Shirley Jackson | Foto: reprodução

Assim como Constance de Sempre Vivemos no Castelo, Shirley também sofria de agorafobia e outras questões como ansiedade e problemas cardíacos. Acabou falecendo de modo prematuro com apenas 48 anos devido à uma insuficiência cardíaca. E como Merricat, a escritora tinha profundo interesse no ocultismo e bruxaria, chegando a se declarar uma “praticante amadora de bruxaria”.

Por ter uma escrita refinada e temáticas que giravam em torno de assombrações e outros elementos sobrenaturais, Shirley também ficou conhecida como Virginia Werewoolf, um trocadilho que brinca misturando o nome de Virginia Woolf com “werewolf” (lobisomem). 

Um filme sobre sua vida foi feito em 2020, (Shirley) tendo como base o livro “Shirley: A Novel” (2014), de Susan Scarf Merrel, dirigido por Josephine Decker, com roteiro de Sarah Gubbins e protagonizado por Elisabeth Moss como Shirley Jackson.

Elizabeth Moss interpretando Shirley Jackson em "Shirley" (2020)
Elizabeth Moss interpretando Shirley Jackson em “Shirley” (2020) | Foto: reprodução

O poder da narrativa em Sempre Vivemos no Castelo

Se o que você busca em um livro é emergir em uma história narrada em primeira pessoa por uma personagem que te deixa sempre em dúvida, Sempre Vivemos no Castelo é pra você! Fugindo de spoilers, a trama de Jackson nos leva a conhecer duas irmãs e um tio que moram em uma casa bem afastada do centro de um vilarejo.

A descrição hierárquica das famílias, profissões e o estilo de vida das Blackwood nos colocam em dúvida até sobre a época em que a história se passa. Merricat, a mais nova das irmãs, é quem nos guia por esse universo desconhecido e peculiar. Seu jeito único de narrar o dia a dia, afazeres e pensamentos macabros nos envolve de um modo assustador.

O poder da narrativa em Sempre Vivemos no Castelo
Imagem: Suma de Letras (reprodução)

O horror é lançado em cada dúvida e em cada passo inesperado de aproximação de pessoas ao redor da casa, protegida por Merricat por seus amuletos supersticiosos de magia, além da intromissão de outros adultos para checarem se estão se virando bem, já que seus pais, tia e primo estão mortos. Uma visita inesperada coloca todas as proteções, seguranças e organização da casa em jogo.

De forma genial, Shirley utiliza a possibilidade de narrar pela perspectiva de uma pessoa de 18 anos, que passou por muitas perdas e sofrimento. A obra de Jackson, escrita em 1962, aborda problemas e desconfianças familiares e leva o horror para uma história narrada de forma mais infantilizada e questionável, colocando sempre em dúvida o real, o imaginário e as supostas certezas de quem lê. 

A adaptação feita por Stacie Passon 

O trabalho de adaptação da obra de Shirley foi feito por Stacie Passon, com roteiro de Mark Kruger, protagonizado por Alexandra Daddario (Constance Blackwood) e Taissa Farmiga (Merricat Blackwood). O longa é extremamente respeitoso com o trabalho de Shirley e embora tenha feito uma alteração no final ambos os desfechos representam, de certa forma, grandes vitórias para as irmãs.

Constance Blackwood (Alexandra Daddario) e Merricat Blackwood (Taissa Farmiga) no filme "We Have Always Lived in the Castle"
Constance Blackwood (Alexandra Daddario) e Merricat Blackwood (Taissa Farmiga) no filme “We Have Always Lived in the Castle” | Foto: reprodução

Mesmo que tenha sido pouco divulgado, o filme conta com uma ótima produção, cenários, figurino e atuações. Tudo parece ser igualmente respeitoso com a escrita de Shirley: as dúvidas, a narrativa obscura de Merricat, a paciência de Constance e a ambição de Charles (Sebastian Stan) – a tal visita inesperada que citei acima e que gera uma mudança brutal na rotina rígida das irmãs. 

Shirley Jackson é envolvente e genial, cria camadas e atmosferas de suspense e terror de um modo único e, mesmo que você desconfie de algumas coisas, suas palavras de revelação e desfecho causam espanto de qualquer forma. Uma das mulheres mais importantes para o terror que precisa ser apreciada como tal. 

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Psicóloga, mestranda e pesquisadora na área de gênero e representação feminina. Riot grrrl, amante de terror, sci-fi e quadrinhos, baterista e antifascista.
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