[OPINIÃO] Por onde andará a Trillian Mcmillan negra nas adaptações de O Guia do Mochileiro das Galáxias?

[OPINIÃO] Por onde andará a Trillian Mcmillan negra nas adaptações de O Guia do Mochileiro das Galáxias?

Uma coisa que sempre intrigou no universo midiático é porque alguns personagens não são interpretados por atores com as características que eles tem nos livros que os inspiraram. Talvez pelo orçamento que não deu pra maquiagem criar uma super cicatriz, ou porque ninguém suportaria uma determinada tinta na pele por muito tempo. Ok, esse tipo de coisa é aceitável, mas outras não. Douglas Addams fez questão de colocar uma variedade interessante de personagens em sua história, até brasileiro tem no livro. Mas uma que dói o peito é Trillian, sim, ela mesma, a Trillian Mcmillan, o crush do Arthur no “Guia do Mochileiro das Galáxias”, a matemática e astrofísica.

Quando se lê o “Guia do Mochileiro das Galáxias” antes de ver qualquer filme ou série dele, uma detalhe que Adams fez questão de expor é que Trish é negra. Negra sim, de olhos castanhos e vagamente árabe (seria uma referência ao fato dos árabes serem grandes matemáticos e astrônomos?). Assim a gente acaba de achar uma personagem negra, inteligente, corajosa, decidida, que opera uma nave e viaja pelo espaço e por vários mundos, que qualquer menina negra poderia se fantasiar (não só de Tempestade ou Diana, da “Caverna do Dragão”) se quisesse e ser fiel ao personagem, afinal ela, como ela, é negra.

Trillian Mcmillan
Zooey Deschanel, na adaptação de 2005, e Sandra Dickinson, série de 1981.

Mas parece que as reproduções cinematográficas não leram direito o livro ou leram e ignoraram descaradamente. Trillian, tanto na série da BBC de 1981, dirigida por Alan Bell, quanto no filme de 2005, dirigido por Hammer & Tongs, é interpretada por uma atriz branca. Será que ninguém estava disponível? Será que não tinha atriz negra pra interpretar a Trish? Difícil de acreditar. Mais difícil ainda é ver o interesse de grandes produtoras em colocar pessoas negras atuando em suas produções de caráter nerd.

Parece que é muito difícil deslocarem os negros de uma posição que eles acostumaram a colocá-los e que é silenciosamente aceito e mantido. Esse é o mesmo silêncio que restringe atores e atrizes negras a personagens secundários, empregados, traficantes, usuários e dependentes de drogas, angry fat black woman (mulheres negras gordas irritadas). Tem algum problema em colocar personagens negros como poderosos e protagonistas como em “Deuses do Egito”, a franquia da Múmia e “As Sufragistas”‘, que não mostra uma feminista negra durante o sufrágio na década de 1920 na Inglaterra.

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“Mas colocaram alguém famoso para dar bilheteria”

Com o renome que os livros do Guia do Mochileiro tem, é pouco provável que escolher uma atriz negra fosse dar prejuízo a bilheteria. A produção por parte de pessoas negras usando apenas (ou em maioria) pessoas negras nos elencos foram de suma importância para nossa entrada no mundo televisivo e cinematográfico (‘Todo mundo odeia o Chris”, “Eu a patroa e as crianças”, “As visões da Raven”, “Um Maluco no Pedaço”), mas já é hora de entrar no mundo, esse que não é composto de gente branca de um lado e negra do outro. As pessoas coexistem e ocupam os mesmos espaços; brancos, negros, mulheres, crianças, idosos, latinos, asiáticos, russos, ruivos, louros…

Trillian Mcmillan
Trillian. (Arte por 5kidsentertainment e Lord Phillock)

A arte imita a vida. Então ver um pessoa diferente não pode mais ser motivo de espanto, surpresa e ultraje, pois é assim que funciona na vida real. Colocar uma Trillian negra ajuda a mudar essa imagem, e a incluir a mulher negra no cenário e na big picture (que na cultura nerd ainda aparece numa quantidade ínfima).

Ajuda ver a mulher negra como capaz, inteligente e competente. Ajuda a lembrar que ela não está numa bolha excluída do mundo e que ela interage com outras pessoas assim como qualquer uma. Além disso, inspira meninas negras ao almejarem profissões que elas podem ter e se sentirem confiantes que, como a Trillian, sabem que pode ocupar esse lugar.

“Julho é o mês da celebração da luta e da resistência da mulher negra. Marcadamente, o dia 25 representa o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Durante todo o mês, núcleos e coletivos articulam entre si campanhas de cultura, identidade e empoderamento dessas mulheres.” #JulhodasPretas

Arte da imagem de capa: Sara 


Autora convidada: Raveni Silva é estudante de psicologia, artesã, dona d’O Condado Ateliê. Apaixonada por animes, pelo universo tolkieniano e por tudo do Studio Ghibli. Queria aprender alquimia como Edward Elric, mas como não dá fica vendo filmes alternativos, lendo hqs e escrevendo sobre o mundo.

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