[LIVROS] O Livro do Riso e do Esquecimento: A ligação entre o esquecimento natural e o imposto

[LIVROS] O Livro do Riso e do Esquecimento: A ligação entre o esquecimento natural e o imposto

Em O Livro do Riso e do Esquecimento Kundera junta algumas histórias repletas de drama e as coloca satiricamente frente a um período totalitário onde a liberdade individual é ditada exteriormente por uma coletividade não representativa. O livro foi escrito em 1979, quando o autor se mudara para a França, fugindo do governo ditatorial da República Tcheca. Apesar de sempre recorrer à questão política e criticar o dito regime “comunista”, Milan Kundera se considera um romancista.

Sinopse oficial:

“Primeiro romance escrito na França por Milan Kundera, O livro do riso e do esquecimento é uma narrativa entrecortada de erotismo e imagens oníricas. Em sete partes aparentemente autônomas o autor lança um olhar agudo e amargo sobre o cotidiano da República Tcheca após a invasão russa de 1968: as desilusões da juventude, a desorientação dos intelectuais, a prepotência dos líderes políticos, tudo converge para o esquecimento, imposto ou voluntário, individual ou coletivo. Como em A insustentável leveza do ser, Kundera articula de forma admirável, muitas vezes invisível, o destino individual dos personagens e o destino coletivo de um povo, a vida ordinária de pessoas comuns e a vida extraordinária da História. Para não esquecer Praga e sua primavera, escolhe o caminho da ironia, da ternura, da emoção, da fantasia; do romance. ”

O Livro do Riso e do Esquecimento

O livro

Falar sobre O Livro do Riso e do Esquecimento não é fácil, ou como escreve o próprio autor: “é um romance sobre o riso e o esquecimento, sobre o esquecimento e sobre Praga, sobre Praga e sobre os anjos.”. Assim como as demais obras de Milan Kundera, o livro é uma mistura de filosofia, política, drama (muito drama) e psicologia. O livro é dividido em algumas partes, onde alguns títulos se repetem, sendo elas: As cartas perdidas, mamãe, os anjos, as cartas perdidas, litost, os anjos e a fronteira.

A divisão presente no livro apresenta uma imagem de histórias independentes, porém ao serem lidas percebemos uma conexão. Resolvemos falar um pouco sobre duas das histórias presentes no livro, para vocês ficarem com aquele gostinho de “quero ler mais”!

O Livro do Riso e do Esquecimento

Primeira parte: As cartas perdidas (sem spoilers)

A primeira história presente no livro é um relato sobre um acontecimento, onde acompanhamos um homem chamado Mirek, que vive em Praga no ano de 1971. Mirek é uma das pessoas que após a ocupação russa na Tchecoslováquia começou a viver sobre o constante olhar do poder local. O protagonista afirma que a luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento. Mas o que quer dizer isso? Nessa parte inicial de seu livro, Kundera mescla o romance com governos totalitários onde faz uma incrível metáfora.

Mirek, já não era mais jovem e via diante de si toda a sua vida indo embora. Em seus anos de juventude participara do partido “comunista” (com muitas aspas, pois as experiências levadas com o nome de socialistas e comunistas não representam a teoria crítica elaborada por Marx e Engels) no qual, assim como diversas pessoas, fora logo expulso por apresentar “ideias contrárias ao partido”. Com sua expulsão do partido, o protagonista começa a viver uma vida vigiada, monitorada e proibida, vendo todos os ideais que outrora defendeu traindo a si próprio. Então, em uma última tentativa de não esquecer sua própria memória, sua própria vida, Mirek recorre a um amor antigo, Zdena.

“A constituição, é verdade, garante a liberdade de palavra, mas as leis punem tudo que pode ser qualificado de atentado à segurança do Estado. Nunca se sabe quando o Estado vai começar a gritar que essa palavra ou aquela atentam contra a sua segurança.”

Zdena fora responsável por anos atrás ter cativado o jovem Mirek, este que aos poucos ia se esquecendo de toda sua história e dele próprio. Em sua juventude de paixão, Mirek escrevera muitas e muitas cartas para Zdena, onde declarava seu amor sem medo. A história é uma analogia entre a memória se esforçando para lembrar e o esquecimento imposto ou voluntário encontrando em ditaduras. Acompanhamos como a restrição de liberdade implica em uma auto negação da existência de uma pessoa.

“ O acontecimento histórico, esquecido numa noite, cintila a partir do dia seguinte, com o orvalho do novo e não é mais, portanto, um pano de fundo no relato do narrador, mas sim uma surpreendente aventura que se desenrola no segundo plano da banalidade, demasiadamente familiar da vida privada.”

Terceira parte: Os anjos

Gabrielle e Michèle são duas estudantes americanas que se dedicam a estudar uma peça teatral para sua professora preferida, mme. Raphaël. As estudantes dedicam-se arduamente a interpretar uma peça, e com suas discussões e compreensões mútuas chegam à conclusão do efeito cômico presente na obra estudada. Nessa história, ao mesmo tempo em que acompanhamos  Gabrielle e Michèle tentando impressionar mm. Raphaël com sua atuação, acompanhamos Milan Kundera relatando sua expulsão de seu próprio país.

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Kundera apropria-se do conceito do riso e modifica sua função, especificando que existe o riso diabólico e o angelical, onde esses dois risos se entrelaçam e não distinguimos qual é qual. Na trajetória das estudantes de apresentarem a peça utilizando o efeito cômico, o autor entrecorta a história e mescla com os próprios acontecimentos de sua vida após a invasão russa. Os anjos traz a reflexão sobre o riso e como o riso se manifesta não só em sua maneira cômica. O riso forçado, o riso sincero e o riso trágico, aquele sempre presente na vida cotidiana.

“As coisas, se privadas subitamente de seu suposto sentido, do lugar que lhes é destinado na ordem esperada das coisas (um marxista formado em Moscou acreditar em horóscopos), provocam em nós o riso. Em sua origem, o riso pertence portanto ao domínio do diabo. Existe alguma coisa de mau (as coisas de repente se revelam diferentes daquilo que pareciam ser), mas existe nele também uma parte de alívio salutar (as coisas são mais leves do que pareciam, elas nos deixam viver mais livremente, deixam de nos oprimir sob sua austera seriedade).”

Ponto negativo de O Livro do Riso e do Esquecimento

Possivelmente qualquer mulher ao ler O Livro do Riso e do Esquecimento ficará incomodada com o não protagonismo feminino, ou em como em algumas histórias observa-se mulheres relacionando-se com os personagens somente no envolvimento afetivo-sexual. Mesmo o livro tendo sido escrito em 1978, vale a crítica da escrita ser voltada majoritariamente para homens, visto que alguns dos personagens masculinos possuem posturas misóginas. O livro vale a leitura por todo o seu caráter sensível e político, mas não deixando de fora o olhar crítico feminista que deve estar presente ao se realizar a leitura da obra, onde consideramos todo o aporte machista presente na literatura, a qual ainda é (em sua grande maioria) escrita por homens.

Sobre o autor

O Livro do Riso e do Esquecimento
Imagem: Reprodução

Milan Kundera nasceu na República Tcheca em 1929 e vivenciou o período de totalitarismo do “regime comunista” e a invasão russa. Antes de começar a ler qualquer uma de suas obras, é importante conhecer a biografia do autor para entender o período em que escreveu e em como o regime político vigente da época influenciou em toda a sua carreira. Em 1950 Kundera foi expulso do Partido Comunista Tcheco por “ter dito e feito o que não devia” (em suas palavras) e logo teve que buscar exílio em outro país. O autor é mais conhecido por sua obra “A insustentável leveza do ser“.


O Livro do Riso e do EsquecimentoO Livro do Riso e do Esquecimento

Autor: Milan Kundera

Companhia de Bolso

272 páginas

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Escrito por:

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Feminista e estudante de serviço social. Ama Star Wars e é viciada em gatos. Adora conversar sobre gênero e brinca de ser gamer nas horas vagas. Nunca superou o fim de The Smiths.
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