Mulheres nos Quadrinhos: Margaret Atwood

Mulheres nos Quadrinhos: Margaret Atwood

Por esta altura, o nome Margaret Atwood deve soar familiar aos seus ouvidos. Tal familiaridade se deve, provavelmente, ao sucesso da adaptação para a TV do livro “The Handmaid’s Tale” (1985), “O conto da Aia” em português, que foi transmitida nos anos de 2017 e 2018 pela empresa de entretenimento Hulu – você pode ler mais sobre a série aqui!

Margaret Eleanor Atwood (1939), como você deve igualmente ter lido aqui, é uma escritora canadense, natural de Ottawa. Ela é autora de aproximadamente 50 livros, entre eles: “Alias Grace” (1996), que também ganhou uma adaptação no formato série na Netflixvocê pode ler sobre a série aqui, e, um dos mais recentes, “The heart goes last” (2016).

Ao longo dos seus 79 anos, a prolífica escritora canadense publicou romances, contos, poesias, produziu roteiros para TV, “Snowbird” (1981), e rádio, “The Trumpets of Summer” (1964), livros para crianças, etc. Em virtude de suas realizações, recebeu em torno de 10 premiações. Interessante destacar que ela foi a criadora da LongPen (2006), uma invenção tecnológica que permite que documentos sejam assinados e livros autografados a distância. A nova tecnologia foi pensada por Margaret Atwood a partir da necessidade de exaustivas participações em Book Tours geograficamente distantes.

Margaret Atwood
LongPen – criação de Margaret Atwood

Filha de pais de mente progressista, Atwood não teve uma trajetória educacional convencional. Essa condição foi potencializada pela profissão do pai que exigia constantes temporadas no norte do Canadá, o que dificultava a frequência dos filhos numa escola tradicional. A mencionada dificuldade levou os próprios pais a cuidarem da educação das crianças. Graças ao apoio intelectual dos pais e sua disposição pessoal, Atwood, em seus primeiros anos, enveredou por caminhos formativos cuja ênfase era a literatura. A literatura, incluindo a imagética, foi a primeira “escola” da autora canadense.

Segundo observações da própria Atwood (CBC Learning), ter uma educação conduzida basicamente a partir da literatura parece ter contribuído para sua trajetória de sucesso, uma vez que ela escapou das pressões naturalizantes e castradoras sofridas pelas meninas no contexto escolar da sua época. Vale relembrar que as mulheres daquele período não eram incentivadas a perseguirem uma carreira profissional e/ou intelectual, o caminho considerado desejado e natural para as mulheres era o da constituição familiar. Em certo sentido, ficar longe da instrução escolar daquela época garantiu a Atwood possibilidades pouco comuns às mulheres.

Aos 16 anos, enquanto ainda cursava o ensino médio, agora numa escola convencional, Atwood já havia decidido ser escritora, conforme podemos ler na obra “Margaret Atwood: A Biography”, de Nathalie Cooke. Na faculdade, a aspirante a escritora foi fortemente influenciada pelo professor e crítico literário Northrop Frye (1912–1991). Segundo Heidi Macphersons, em “The Cambridge introduction to Margaret Atwood” (2010), as marcas da influência de Frye podem ser observadas principalmente na primeira (auto)publicação do seu livro de poesia Double Persephone(1961), aos 22 anos.  

Em 1964, foi publicado o livro de poesia “The Circle Game” e, em 1966, aos 27 anos, Atwood recebeu o Governor General’s Award, concebido como o prêmio literário mais importante do Canadá, pelo livro supracitado. Atwood se consagrou como escritora profícua. No entanto, talvez cause surpresa sua outra faceta: Margaret Atwood também é quadrinista. Seu contato com as histórias em quadrinhos recontam a sua juventude. Como lemos em “Engendering the genre: the Works of Margaret Atwood” (2009), ela era uma leitora ávida cuja experiência lhe permitiu criar cartuns e roteiros para HQs.

Segundo Nathalie Cooke, Margaret Atwood aprendeu a ler para que pudesse conferir histórias em quadrinhos e foi ao lado do irmão que se aventurou a escrever os primeiros roteiros para quadrinhos – eles escreviam e liam em voz alta um para o outro. Não seria exagero dizer que a vida de Atwood como literata é uma realização que foi possível também em virtude do contato com as histórias em quadrinhos e, talvez, para a escritora, o fazer literário e a quadrinística sejam inseparáveis.

Segunda ela, em entrevista concedida a Reingard Nischik, suas primeiras publicações quadrinísticas aconteceram na década de 1950. Na década de 1970, ela publicou em torno de 25 tirinhas sob o pseudônimo de “Bart Gerrard” – em referência ao primeiro cartunista canadense que assinava seus quadrinhos como B. G. A maioria dessas tirinhas foi publicada na This Magazine, uma revista política alternativa de esquerda canadense que surgiu em 1966. Atwood também teve dois de seus trabalhos publicados num jornal chamado Weekend.

Em This Magazine, que circulou entre 1975 e 1980, foi publicada a série política “Kanadian Kultchur Komix” – esta é apenas uma das quatro formas de grafar o título da série de tirinhas. Na referida série, Atwood criou uma super-heroína, Survivalwoman (1975) que reapareceu em pelo menos 17 fascículos. Satiricamente, a personagem foi criada para ser duplamente desempoderada: primeiro por ser canadense e depois por ser uma mulher super-heroína sem poderes. Sobre essa questão, Atwood, em entrevista concedida a Ingersool (1990, p. 94), explica que sua inspiração se deve ao fato de que “Mulheres assim como os canadenses foram colonizadas ou vítimas do imperialismo cultural”.

Kanadian Kultchur Komix – Survivalwoman

Ainda sobre a personagem Survivalwoman, Nischik chama atenção para a criação de arcos em que a personagem principal, Survivalwoman, é uma mulher que frequentemente está cercada por outras mulheres, como Amphibianwoman, uma francesa com traços que se assemelham aos de um sapo, e Womanwoman, feminista radical, por exemplo, o que era incomum na época. A veia satírica dessas publicações marcaram posições políticas da autora.  

No jornal Weekend foi publicado “Portrait of the Artist as a Young Cipher” (1977) e “Hairdo” (1978). Ambas tratam de produções autoficcionais. O primeiro, também chamado pela autora de The story of my life, apresenta a jovem Atwood caloura, com suas experiências universitárias. Nele, podemos ler sobre o primeiro conto aceito pelo jornal literário na University of Toronto, sua primeira participação no recital de poesia na Bohemian Embassy até o momento em que se torna mãe.

Hairdo” trata dos códigos de beleza culturalmente atrelados às mulheres. Códigos estes que recebem, não raras vezes, muito mais atenção que a inteligência delas. Por não se identificar amplamente com a “ditadura da moda e da beleza”, Margaret Atwood se refugia na literatura, primeiramente como leitora e, posteriormente, como escritora e quadrinista.

Estas não foram as únicas tirinhas autoficcionais da escritora canadense. Em seu site, ela também publicou “The television interview” (1993), “The radio interview” (1994), “The blind Assassim” (2001) e “Negociating with the dead” (2002). Em todas elas, encontramos uma Margaret Atwood sendo entrevistada por profissionais inaptos que são, por sua vez, rebatidos com o humor mordaz.

The radio interview

Mais recentemente, em “The Secret Loves of Geek Girls: Expanded Edition” (2016), Atwood publicou outras tirinhas autoficcionais que tratam, entre outras coisas, da sua experiência com quadrinhos, como lemos em “Comics” (p.14), e do seu relacionamento com meninas cujas experiências culturais foram diferentes da sua, como em “Paper Dolls” (p. 15). Também, em 2016, foi publicada a história em quadrinhos de super-heróis “Angel Catbird” em parceria com o ilustrador Johnnie Christmas.

Em 2019, será lançada a adaptação “The Handmaid’s Tale” no formato graphic novel, com a colaboração de Renee Nault, e do quadrinho “War Bears“, em parceria com o ilustrador Ken Steacy. Este último trata-se de uma metaficção – neste caso, a narrativa gira em torno do processo criativo de uma super-heroína – cuja história é ambientada na década de 1940, período da Segunda Guerra e era de ouro dos quadrinhos. Review em inglês de “War Bears” aqui.

Abaixo, algumas imagens divulgadas da adaptação em formato de quadrinho de “The Handmaid’s Tale”. A obra já encontra-se disponível em português para pré-venda no site da Amazon – veja aqui!

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Sobre seu desempenho como cartunista, Atwood se reconhece como uma amadora e admite suas limitações no que toca à ilustração. No entanto, Nischik atesta que, diferente do que acontece com a produção de quadrinhos considerados comerciais, todas as ilustrações realizadas por Atwood são feitas à mão. Além do mais, embora suas ilustrações não estejam em sintonia com a qualidade das produções consideradas mainstream, no que se refere à habilidade narrativa o seu trabalho é considerado promissor, principalmente no que diz respeito às produções com pegadas culturais e políticas, como as produzidas em “Kanadian Kultchur Komix”.

Para conhecer um pouco mais sobre a trajetória intelectual de Margaret Atwood não deixe de ler “Margaret Atwood: A Biography” (1998), de Nathalie Cooke, “The red shoes: Margaret Atwood starting out” (1998), de Rosemary Sullivan, e “Engendereing genre: the Works of Margaret Atwood” (2009), de Reingard M. Nischik. Visite também seu site http://margaretatwood.ca

 

Escrito por:

Jaqueline Cunha é Pesquisadora de Histórias em Quadrinhos de autoria feminina, Mestra em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Goiás, graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás e membro da Associação de Pesquisadores de Arte Sequencial (ASPAS). Jaqueline também se interessa por temas relacionados a Literatura, cinema e estudos acerca dos feminismos, identidades de gênero e sexualidade.
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