Asterix e o Segredo da Poção Mágica: mais do mesmo no clássico francês

Asterix e o Segredo da Poção Mágica: mais do mesmo no clássico francês

A única animação em cartaz no Festival Varilux de Cinema Francês é a mais nova adaptação da odisseia clássica de Albert Uderzo e René Goscinny, que vem encantando gerações desde seu lançamento, em 1959. Agora, após a queda do poderoso druida Panoramix de uma árvore, este resolve que é hora de buscar um sucessor, deixando Asterix, Obelix e o restante do povo gaulês com a tarefa de se proteger dos ataques dos romanos – liderados por Cesar.

Em “Asterix e o Segredo da Poção Mágica” um novo vilão nos é apresentado, havendo mais um obstáculo aos conhecidos heróis. Em pouco menos de uma hora e meia de filme, entretanto, vemos como as mentalidades dos personagens – ou da equipe de produção por trás do filme, visto que a trama é uma história original desenvolvida ao cinema – permanecem retrógradas e contínuas a uma reprodução de conceitos discriminatórios.

Uma nova aventura para o povo gaulês

Diferentemente dos episódios aventureiros anteriores, os dois protagonistas de “Asterix e o Segredo da Poção Mágica” – junto com Panoramix e a jovem Pectine – precisam se deslocar por todo o território da Gália em busca do sucessor do velho druida.

Asterix e o Segredo da Poção Mágica
Imagem: Asterix e o Segredo da Poção Mágica/divulgação

A conhecida veia cômica da série é intensamente mostrada ao longo de “Asterix e o Segredo da Poção Mágica”, dividindo-se entre piadas diretas e indiretas ou mesmo com algumas curiosas reinterpretações que, talvez, sejam de mais fácil entendimento aos adultos, como uma divertida analogia com a figura do Jesus europeu judaico-cristão. Além do mais, os pequenos porcos selvagens presentes por toda a Gália – e curiosamente capazes de se comunicar com os druidas – são um show a parte, nunca falhando em nos propor boas risadas e, acredite ou não, atuarem para o desenvolvimento da história.

A história, inclusive, embora rápida, é um entretenimento certo. Dentro da simples e recorrente questão de “bem contra o mal”, criou-se uma narrativa complexa e envolvente, capaz de manter o interesse da telespectadora até o fim e de nos distrair com sucesso da descoberta final, isto é, do segredo da poção mágica. Não podemos dizer, entretanto, que a trama apresente algo de novo em termos de narrativa, limitando-se às novidades aos novos druidas e repetindo elementos e clichês de narrativa há muito conhecidos.

Asterix e o Segredo da Poção Mágica
Imagem: Asterix e o Segredo da Poção Mágica/divulgação

Os velhos machismo e racismo de sempre

Inclusive, alguns dos clichês de narrativa repetidos na trama são o machismo e o racismo presentes na animação, embora já defasados. 

Aparentemente existem apenas quatro mulheres em toda a Gália – e se erramos a conta, é porque as demais são ainda mais imperceptíveis -, sendo que elas estiveram em, no máximo, 10 minutos de cena, sendo estes ainda divididos entre si. A série, contudo, não possui um histórico de representação igualitária entre as personagens masculinas e femininas; mesmo assim, com as recentes manifestações favoráveis à maior representação feminina, esperávamos uma atuação melhor da equipe de produção nesse sentido. Nem mesmo a pequena Pectine escapa.

Asterix e o Segredo da Poção Mágica
Imagem: Asterix e o Segredo da Poção Mágica/divulgação

A magia dos druidas – e a própria entrada na Floresta – é proibida às mulheres, sendo apenas mais um exemplo de claro machismo e exclusão misógina do feminino. A ideia de superioridade masculina é repetida ao longo da trama, sendo Pectine utilizada como instrumento de disfarce, já que sua primorosa engenharia é, majoritariamente, ignorada. Na verdade, em uma tentativa superficial e, para nós, insuficiente de reparação ao fim do desenho, aparentando finalmente dar atenção à Pectine, o druida Panaromix parece considerá-la como possível sucessora. 

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O racismo, por sua vez, não necessitou de sequer uma fala excludente para se mostrar presente na narrativa de “Asterix e o Segredo da Poção Mágica” . Uma personagem negra – que, pelo o que lembramos, não foi sequer reconhecida com um nome – foi desenhada por Louis Clichy de maneira perturbadoramente semelhante às representações de afrodescendentes realizadas nos históricos Shows de Minstrel, famosos nos Estados Unidos no início do século 20. A personagem não possui nenhum papel no desenho a não ser servir ao capitão gaulês, mantendo, portanto, a filosofia de servidão constante e esperada dos indivíduos da etnia. 

Imagem: divulgação

Em conclusão, “Asterix e o Segredo da Poção Mágica” nos propõe uma história divertida e possível de nos fazer aproveitar uma tarde no cinema. As questões, entretanto, do tratamento dado às personagens femininas e à única negra reiteram filosofias de homens brancos e cis gêneros que agem como se apenas fosse necessário haver uma plena representação de si próprios e nunca das demais existências do planeta. Embora uma única animação não consiga com que tais representações criem raízes, é certo que a constante má representação o faz – e cremos que esse é o caso.


Edição realizada por Gabriela Prado.

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