Cassandra de Troia, uma personagem da mitologia grega, é conhecida por sua imensa beleza e, acima de tudo, pelo seu dom amaldiçoado da profecia. Ela aparece pela primeira vez na Ilíada de Homero como uma princesa que recebeu o dom da previsão do deus Apolo. No entanto, Apolo a amaldiçoou, fazendo com que ninguém acreditasse em suas previsões.
Filha do rei Príamo e da rainha Hécuba de Troia, Cassandra teve a capacidade de antever eventos significativos, como a queda de Tróia e a morte de Agamenon. Sua história é permeada por temas comuns na literatura antiga: guerra, oráculos, maldições familiares e as trágicas consequências de previsões ignoradas.
Esses temas ainda são muito atuais para a mulher contemporânea. Eles incluem assédio sexual, a situação da mulher em períodos de guerra e conflito, além da descrença na palavra das mulheres. Isso se aplica tanto às suas próprias experiências quanto em ambientes políticos e acadêmicos.

Quem é Cassandra de Troia?
O termo “Cassandra” se tornou sinônimo de “indivíduo cujos avisos e previsões corretos são ignorados“. Embora aplicado em diversos contextos, é impossível negar que grande parte das Cassandras do mundo são mulheres. O silenciamento dessas mulheres, como o de Cassandra, reflete implicações sociais e culturais mais amplas, afetando não apenas elas, mas frequentemente a sociedade como um todo.
As discussões sobre o papel das mulheres na mitologia grega continuam, conectando-se através de inúmeros trabalhos acadêmicos e de ficção com debates sobre a condição da mulher na contemporaneidade. Cassandra de Troia se torna cada dia mais uma figura monumental na exploração das dinâmicas de credibilidade, crença, poder e a tragédia daqueles que não são ouvidos.
O mito de Cassandra começa quando a princesa chama a atenção do deus Apolo, deus da profecia entre outras coisas. Apolo a deseja como amante e a presenteia com o dom da previsão. Quando ela o rejeita, Apolo lança uma maldição sobre ela.
Cassandra, então, consegue ver que todas as escolhas feitas pelas pessoas ao seu redor levarão à destruição de Troia e à morte ou escravização de seu povo, sua família e dela própria. No entanto, nenhum de seus avisos é ouvido. Assim, resta à princesa a tragédia de observar os horrores do futuro se desenrolarem diante dela, sabendo seu destino e sendo incapaz de fazer qualquer coisa para evitá-lo.
Após a queda de Tróia, Cassandra busca refúgio no templo de Atena, onde é brutalmente violada por Ajax. Depois, ela é feita escrava e concubina do rei grego Agamenon. Este relacionamento acaba resultando em sua morte: Cassandra é assassinada junto com Agamenon pela esposa dele, Clitemnestra. Clitemnestra mata o marido para vingar sua filha, Ifigênia, sacrificada para garantir o sucesso da campanha grega contra Troia.
O seu legado
O fim de Cassandra evidencia as terríveis consequências da guerra para as mulheres. No contexto em que foi escrito, também serve como comentário sobre a vulnerabilidade das mulheres na Antiguidade. Discutir Cassandra como uma representação das mulheres cujas versões da história são silenciadas em casos de estupro e assédio sexual é essencial.
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O legado de Cassandra, entretanto, não pode ser resumido ao seu fim trágico. Ela serve como um símbolo marcante da invisibilidade das mulheres e da falta de credibilidade dada às suas opiniões e vivências, sobretudo em relação ao assédio sexual, do qual é vítima em mais de uma ocasião.
O complexo de Cassandra
Cassandra deu origem ao termo “Complexo de Cassandra”, que descreve cenários onde avisos válidos são ignorados, particularmente em contextos de disparidades de poder e descrença por motivos identitários.
Sua história, ricamente contada na arte e literatura da Antiguidade, é recuperada por diversos autores, acadêmicos e artistas contemporâneos.
Ela continua a ilustrar a relevância atemporal de suas experiências como representação das vozes daqueles que são deixados à margem de discussões importantes, descreditados em função de seu gênero, etnia, sexualidade ou passado. Portanto, Cassandra figura de maneira proeminente em discussões culturais e psicológicas.
Melanie Klein, famosa psicanalista austríaca na primeira metade do século XX, e Laurie Layton Schapira, psicanalista, professora, escritora, produtora e diretora, fascinada por mitologia grega e criadora de uma série de filmes, livros e palestras sobre psicologia feminina, exploraram profundamente a metáfora de Cassandra.
Klein viu Cassandra como uma representação da consciência moral humana, avisando sobre as repercussões de violações morais. Enquanto isso, Schapira identifica um “complexo de Cassandra” em relações disfuncionais, caracterizadas por sofrimento emocional ou físico e descrença.
O Complexo de Cassandra tem relevância em uma série de espaços, incluindo movimentos sociais, ambientes corporativos, discussões políticas e experiências diárias de mulheres cujas palavras pouco valem frente às de um homem. Ele se aplica, enfim, a qualquer ocasião onde os avisos de indivíduos com conhecimento técnico ou que estão “do lado certo” da história são ignorados até que seja tarde demais.
Essa metáfora também permeou a cultura pop, influenciando músicas, filmes e livros. Em exemplos recentes, os livros O Silêncio das Mulheres e Mulheres de Troia de Pat Barker, Mil navios para Troia, de Natalie Haynes, o filme Tróia (2004), a série Tróia: Queda de Uma Cidade, e músicas de Florence + The Machine e Taylor Swift, ambas intituladas “Cassandra”, atestam sua relevância duradoura como maneira de expressar as frustrações e consequências de ser desacreditada.