My Lady Jane, nova série da Amazon, disponível no Prime Video, se baseia no livro homônimo de 2016 das autoras Brodi Ashton, Jodi Meadows e Cynthia Hand. A série se passa em uma versão alternativa da Inglaterra do século XVI, seguindo a jornada de Lady Jane Grey (Emily Bader), uma dama rebelde que não aceita os desígnios da mãe sobre a própria vida, até se tornar rainha da Inglaterra, lidando com uma crise política, um reino dividido, um noivo que se transforma em cavalo e tentando não perder a cabeça… literalmente.
My Lady Jane: uma heroína conhecida
My Lady Jane se inspira em personagens históricos de um dos períodos mais retratados da história inglesa, a Era Tudor. Mais especificamente, a produção se debruça sobre os anos de instabilidade que seguiram a morte do rei Henrique VIII, no que dizia respeito à sucessão do trono da Inglaterra.
No entanto, o contexto histórico é apenas uma inspiração para a criação do mundo da série, que tem como principal proposta o distanciamento de uma representação fiel da História.
Leia mais >> A Rainha Branca – um olhar feminino sobre a Guerra das Rosas
A série constrói personalidades fortes e marcantes para cada personagem, com destaque para a protagonista, Lady Jane Grey. Jane é a típica heroína feminina que povoou os romances e narrativas da década de 2010. Ela carrega um espírito rebelde, inconformado com as normas da sociedade à sua volta, mas que, no momento certo, terá sua visão de mundo desafiada por uma paixão.
Nesse ponto, a série não oferece nada muito novo, mas surpreende o espectador com os elementos fantásticos presentes na história. Além de subverter os eventos históricos, criando reviravoltas dentro da narrativa. Vemos personalidades históricas como uma versão jovem de Elizabeth I (Abbie Hern) como uma personagem coadjuvante, enquanto Mary Tudor (Kate O’Flynn) ganha um maior destaque como a vilã que diz ter puxado a megalomania do pai.
My Lady Jane conta com um narrador (Oliver Chris), muito parecido com a forma de narração utilizada na série adolescente da Netflix, Eu Nunca…, que funciona como um personagem da série, fazendo comentários sobre as ações das personagens e provendo os contextos necessários para situar o espectador no mundo de Jane.
Leia mais >> Duas Rainhas: Um conto histórico sobre sororidade
Como My Lady Jane mexe com a história
Na nossa realidade, Jane Grey foi rainha da Inglaterra por um curto período de apenas alguns dias, após a morte de seu primo o rei Edward VI. A sucessão de Edward para Jane foi contestada pela filha mais velha de Henrique VIII, que deu um golpe, condenando Jane a morte e assumindo o trono.
Em seu reinado, Mary I reinstaurou o catolicismo como religião oficial do Império e ordenou a perseguição de protestantes, o que lhe rendeu o apelido de Bloody Mary.
Na série, Jane é uma jovem que prefere passar tempo com seus livros, estudando botânica e medicina, a se preparar para ocupar seu lugar como uma dama. Ela vive com a mãe (Anna Chancellor) e as duas irmãs mais novas. As três precisam encontrar formas de manter o estilo de vida da nobreza depois que o pai de Jane morre.
Tendo apenas filhas mulheres, a herança fica para o parente masculino mais próximo. Por isso, a mãe de Jane arranja um casamento entre sua primogênita e o filho do Lord Dudley (Rob Brydon), um dos conselheiros do rei.
Para a Jane da série, além dos desafios apresentados pela sociedade, ser obrigada a se casar com um desconhecido e se tornar rainha da Inglaterra, ela também precisa escapar do carrasco. Esse elemento de aventura invoca séries populares como Outlander, Nossa bandeira é a morte e algumas mais recentes como Nell, A Renegada.
Outro destaque dentro da narrativa é a comédia que assume o tom principal da produção, com um humor rápido e sarcástico, reforçando ainda mais a personalidade das personagens, que são caricatas, explorando os arquétipos de romances de época. A protagonista rebelde, o par romântico mal-humorado e a vilã com um minion incompetente são alguns deles.
Os elementos fantásticos que fazem a série
Na questão fantástica, My Lady Jane faz uso de um artifício já conhecido: a introdução de uma sociedade dividida entre seres com e sem habilidades mágicas.
Na Inglaterra da série, algumas pessoas, conhecidas como Ethianos, podem se transformar em animais. A coroa os persegue, assim como quem os ajuda, criando uma sociedade de apartheid, negando direitos aos Ethianos. Desse modo, a produção pode tocar em problemas e contextos sociais reais, mas sem nomeá-los abertamente, endereçando-os por meio da fantasia.
Esses elementos fantásticos são também os norteadores da construção de Jane como personagem. Ao utilizar tais artifícios fantásticos em uma série histórica, o elenco pode ser construído de maneira diversificada, enquanto utiliza elementos da atualidade, como a intolerância, mas sem cair em embates entre ficção e realidade.
Isso, porém, pode ser visto como um ponto que enfraquece a narrativa, ao se esquivar do confronto de temas difíceis, mas importantes para o espectador que a assiste.
Lady Jane Gray ouviria Led Zeppelin
Como é proposto desde o princípio, My Lady Jane não tem como objetivo ser historicamente correta. A série utiliza isso da melhor forma em sua construção. A trilha sonora repleta de músicas pop contemporâneas faz parte da construção de mundo. Quanto mais se distancia da realidade, mais se aproxima do seu espectador. Esse objetivo também permite maior liberdade na exploração das ideias das personagens, sem a necessidade de mantê-las minimamente historicizadas.
Algo que acontece, por exemplo, na adaptação de Bridgerton, que está a todo tempo lutando com a ambientação romântica da Era Regencial (Inglaterra nas primeiras décadas do século XIX) e a atualização dos temas e construção de mundo para um olhar contemporâneo. Quando debates como machismo, racismo e colonialismo estão presentes no pano de fundo da série, mas são mal explorados ou nem mesmo reconhecidos.
A trilha sonora das séries acaba sendo um dos principais exemplos da diferença entre abordagens, onde em Bridgerton o uso de músicas contemporâneas em arranjos românticos e instrumentais marca essa dicotomia que a série tenta fazer entre a idealização do passado e uma tentativa de atualização desse mesmo passado que está sendo romantizado. Enquanto My Lady Jane deixa claro que esse passado que está sendo retratado nunca existiu e não será romantizado, ao misturar Led Zeppelin e Wet Leg em toda a sua glória.
Uma estrutura conhecida, mas que não decepciona
A série tem a maior parte dos seus episódios dirigidos por Jamie Babbit, cineasta conhecida pelo clássico coming of age queer Nunca Fui Santa (1999). A direção de Babbit encaixa perfeitamente com o tom de comédia e sátira da série, além de trazer uma visualidade pop muito próxima dos clipes musicais dos anos 2000, o que também funciona como um elemento de construção de mundo de My Lady Jane.
O visual da série é um dos pontos altos, com figurinos e cenários que remetem ao período da Inglaterra Tudor, momento referenciado como de riqueza para as elites, que vai culminar na era de ouro durante o reinado da Rainha Elizabeth I. Ainda assim, a série não abandona sua relação com a atualidade, tomando algumas licenças quanto à caracterização, mas faz isso utilizando o próprio tom cômico, ao adotar elementos históricos de forma satírica.
Leia mais >> A Rainha Verde: Alicent Hightower, a Ana Bolena de Westeros
Contando com uma temporada de 8 episódios, a série é rápida e facilmente maratonável, com seu ritmo acelerado e personagens, incluindo os secundários, cativantes que prendem o espectador em suas histórias. A série é claramente uma produção que não tenta ser séria ou revolucionar a TV, mas cumpre tudo o que propõe, nos deixando com uma personagem cativante enquanto salva uma mulher injustiçada pela história.