O Homem do Saco (título original: Bagman) é uma das primeiras adições ao gênero de terror do ano, e o faz de maneira bastante interessante, se ligeiramente clichê.
Dirigido por Colm McCarthy, conhecido por sua habilidade em criar narrativas tensas e atmosferas marcantes (Peaky Blinders e The Girl with All the Gifts), o filme reinterpreta de forma original um dos mitos mais universais: a figura sombria do “homem do saco”, que assombra crianças há gerações.
Combinando horror psicológico, drama familiar e suspense, O Homem do Saco entrega uma experiência cinematográfica que não apenas entretém, mas também provoca reflexões.
O Homem do Saco é uma história enraizada no medo coletivo
A trama acompanha Patrick McKee (Sam Claflin), um homem que retorna à sua cidade natal após anos afastado. Ao lado da esposa, Karina (Antonia Thomas), e do filho pequeno, Jake (Caréll Vincent Rhoden), ele busca um recomeço em meio às memórias sombrias de sua infância.
No entanto, o que deveria ser uma nova fase rapidamente se transforma em um pesadelo. Patrick começa a perceber sinais de que o Homem do Saco — uma figura mitológica associada ao desaparecimento de crianças, que o aterrorizava na infância — pode ser mais real do que se imaginava.
A força do filme está na forma como transforma uma lenda urbana presente em diversas culturas em uma história intimista e aterrorizante. O Homem do Saco transcende fronteiras, aparecendo em mitos europeus, asiáticos e até mesmo no folclore brasileiro.
McCarthy usa essa familiaridade universal para criar um terror tanto psicológico quanto palpável, explorando medos enraizados na infância e no instinto de proteção paternal.
A narrativa carrega uma forte influência da experiência pessoal do roteirista John Hulme, que se inspirou em seus próprios pesadelos de infância, os quais se intensificaram após ele se tornar pai.
O medo irracional de que uma entidade estivesse à espreita, esperando para levar seu filho, tornou-se a base emocional da narrativa. Esse elemento adiciona um peso extra à história, pois o terror não surge apenas do sobrenatural, mas também de ansiedades profundamente humanas e reais.
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Atuações que sustentam a tensão
Sam Claflin lidera o elenco com uma performance que equilibra perfeitamente intensidade emocional e vulnerabilidade, um tipo de papel no qual ele sempre se destaca. Patrick é um personagem complexo, dividido entre o desejo de proteger sua família e os traumas que carrega.
Claflin transmite com convicção o medo e a culpa que consomem seu personagem, especialmente à medida que os mistérios do passado começam a emergir. É um papel no qual ele está totalmente à vontade.
Antonia Thomas, como Karina, vai além do arquétipo da figura de apoio comum em muitos filmes de terror. Sua atuação adiciona uma profundidade emocional que complementa a de Claflin, criando uma dinâmica familiar genuína e envolvente.
Karina é racional e cética, mas sua força emocional se torna uma âncora quando os acontecimentos tomam um rumo mais sombrio. O jovem Caréll Vincent Rhoden também merece elogios; sua interpretação de Jake é natural e comovente, fugindo dos estereótipos comuns de crianças no gênero de terror.
O elenco secundário adiciona nuances à narrativa. Personagens da pequena cidade, como o xerife local e o misterioso historiador, ajudam a construir o mundo ao redor da trama principal, intensificando a tensão e o mistério.
Mais que um simples terror
Embora seja um filme de terror, ele vai além do gênero ao abordar temas universais como trauma, culpa e o impacto do passado no presente. A lenda funciona como uma metáfora para os medos transmitidos entre gerações, bem como para a luta interna de Patrick ao lidar com os fantasmas de sua infância.
O longa se sustenta sobre um medo primordial: o desaparecimento de crianças. Ele ressignifica a clássica ameaça do “bicho-papão” – tradicionalmente um monstro criado para assustar crianças – ao colocá-la sob a perspectiva dos pais, transformando-se em uma metáfora para a ansiedade paterna diante da possibilidade de sequestros e desaparecimentos.
A forma como o monstro é retratado também reforça essa metáfora. No universo do filme, ele se manifesta de maneira quase imperceptível no início, deixando pequenos sinais e pistas de sua existência antes de atacar de forma definitiva. Essa abordagem ecoa o modo como predadores reais agem, tornando a ameaça ainda mais perturbadora.
Além disso, o filme evita cair em explicações expositivas demais, confiando na inteligência do espectador para juntar as peças do mistério.
Aspectos técnicos do filme
A cinematografia de Natasha Braier (Demônio de Neon) captura a beleza e o terror do cenário rural com precisão. Paletas de cores frias dominam o filme, refletindo o tom sombrio da narrativa, enquanto o uso criativo de luz e sombra aumenta a sensação de ameaça constante. Os efeitos visuais são sutis, mas eficazes.
O Homem do Saco é retratado de forma que nunca revela completamente sua natureza, mantendo o mistério e o medo em alta. Essa abordagem é uma prova de que, muitas vezes, o que não é mostrado é mais aterrorizante do que o que é explicitamente visualizado.
Design
O design do Homem do Saco é especialmente notável: sua silhueta remete a uma boneca de pano deformada, enquanto seus movimentos – interpretados pelo acrobata Will Davis – possuem uma qualidade quase aracnídea, provocando uma sensação de desconforto sempre que ele surge na tela.
A ambientação de sua caverna também reforça a natureza perturbadora da criatura. O espaço sombrio, repleto de brinquedos abandonados e vestígios de suas vítimas, sugere que ele não apenas mata, mas coleciona fragmentos das infâncias que destruiu.
Direção
A direção de Colm McCarthy é um dos pontos altos do filme, explorando com maestria o ambiente rural para criar um senso de isolamento e vulnerabilidade.
As cenas ao ar livre destacam a vastidão do cenário e a ameaça invisível que o permeia, enquanto os interiores – especialmente a casa da família McKee – são claustrofóbicos e repletos de sombras, refletindo a crescente paranoia dos personagens.
McCarthy equilibra sustos pontuais com uma construção de tensão mais lenta. Embora utilize alguns clichês do gênero e cenas clássicas de jump scare, o verdadeiro terror reside na atmosfera opressiva que domina cada quadro.
Trilha sonora
A trilha sonora, assinada por Benjamin Wallfisch (It, Blade Runner 2049), desempenha um papel crucial ao misturar acordes suaves com crescendos perturbadores que refletem o estado emocional dos personagens.
O design de som também se destaca: cada rangido de porta, sussurro distante e passo sobre a madeira intensifica a imersão, fazendo com que o público se sinta parte do ambiente opressivo que envolve os personagens.
Nova abordagem para um mito antigo
O Homem do Saco explora com habilidade medos universais e emoções humanas. Ao transformar uma lenda infantil em um terror psicológico voltado para adultos, o filme capta tanto o medo irracional das crianças quanto o temor real dos pais.
Com atuações sólidas, direção atmosférica e uma narrativa que equilibra suspense e profundidade, a obra se destaca como uma das produções de terror mais marcantes dos últimos anos.
Para os fãs do gênero, o filme entrega não apenas os sustos esperados, mas também uma história que permanece na mente muito depois dos créditos finais. Já para aqueles menos inclinados ao terror, a carga emocional e a qualidade da produção fazem deste um excelente ponto de entrada.