O Teste de Bechdel-Wallace parece simples demais, e é: para ser aprovado, o filme ou a série precisa ter duas mulheres com nomes próprios e que conversem entre si sobre algum assunto que não seja homem. Simples? Pense no seu filme ou série favorita. Aprovou? Muitas produções audiovisuais clássicas, modernas, exitosas e/ou consideradas obras-primas não passam no teste. Quer ver?
Não passam: nenhum filme da trilogia O Senhor do Anéis (Peter Jackson, 2001; 2002; 2003), dois da saga Harry Porter: Harry Porter e o Cálice de Fogo (Mike Newell, 2005) e Harry Porter e as Relíquias da Morte 2 (David Yates, 2011), Avatar (James Cameron, 2009), Cidadão Kane (Orson Welles, 1941) e a trilogia original de Guerra nas Estrelas (George Lucas, 1977), O Império Contra-Ataca (Irvin Kershner, 1980) e O Retorno de Jedi (Richard Marquand, 1983). E como exemplos de séries que não passam: The Big Bang Theory (2007-presente) e Narcos (2015-presente).
A reprovação no teste não significa que a série e/ou o filme não deve ser vista(o) ou cultuada(o). Significa que devemos pensar em como as mulheres são representadas no audiovisual e como podemos melhorar a qualidade dessa representação porque, convenhamos, deveria ser fácil passar nessa prova. Por outro lado, o teste pode nos dar pistas de produções que mostram personagens femininos fortes, independentes e protagonistas. Dessa forma, temos opções de escolha direcionadas ao que queremos ver ou promover.
O teste de Bechdel-Wallace foi criado em 1985, pela cartunista norte-americana Alison Bechdel e sua amiga Liz Wallace para indicar a desigualdade de gênero em obras artísticas, como cinema, teatro e quadrinhos. A seguir, uma lista com algumas séries que passam com nota máxima no teste e que merecem ser vistas, especialmente por nós mulheres.
1- The Handmaid’s Tale (2017-)
A série acompanha a vida de June Osborne/Offred (Elisabeth Moss), uma das aias da casa do líder da República de Gilead, Fred Waterford (Joseph Fiennes), um local fictício que ocupa o território dos Estados Unidos e de onde ela tenta escapar. A história se passa em uma sociedade autoritária, com base em fundamentos religiosos, surgida após uma catástrofe ambiental e com o avanço da baixa natalidade, onde as mulheres são proibidas de serem alfabetizadas e são consideradas propriedade do governo.
Offred é uma das poucas mulheres férteis, o que a leva a ser utilizada como escrava sexual, com o objetivo de ajudar a repopular o planeta devastado. A primeira temporada é baseada no livro O Conto da Aia, da escritora Margaret Atwood (1985), e chamado pela autora como ficção social. Por certo, a autora, de 78 anos, acompanha a adaptação, inclusive da segunda temporada, que já não tem mais o livro como guia.
A nova temporada provoca reflexões atuais, especialmente com relação ao que pode passar quando profissionais que trabalham com informação, jornalistas e professores/as sofrem perseguições. Nessa série, as mulheres são as protagonistas e lutam para se livrar da submissão.
2 – The Golden Girls (1985-1992)
Nesta série que foi criada, dirigida e co-produzida por Susan Harris, quatro senhoras moram em um chalé, em Miami, Estados Unidos. São elas: Beatrice Arthur (Dorothy Zbornak), Betty White (Rose Nylund), Rue McClanahan (Blanche Devereaux) e Estelle Getty (Sophia Petrillo). As personalidades delas são, ao mesmo tempo, complementárias e opostas, o que provoca uma série de situações divertidas e emotivas, que mostram como a sororidade (amizade entre mulheres) pode funcionar em toda a sua plenitude.
É considerada uma das primeiras séries feministas da televisão. O sucesso da série criou uma espécie de regra de roteiro, considerada infalível e que foi várias vezes aplicada: ficções protagonizadas por quatro mulheres e seguindo os mesmos arquétipos.
Foi assim, por exemplo, com Sex and the City (1998-2004) e Desperate Housewives (2004-2012). As quatro senhoras não tinham papas na língua e falavam sobre todos os temas, incluindo temas polêmicos, como homossexualidade, AIDS, assuntos próprios da terceira idade e outro considerados tabus na época dos anos 80, como menopausa, eutanásia e sexo depois dos 60. Eram as poderosas do tempo delas!
3 – Scandal (2012-2018)
Olivia Pope (Kerry Washington) é a protagonista da série e seu trabalho é “limpar” os escândalos que poderiam destruir a elite política de Washington D.C. Pope trabalha ao lado de Abbey Whalen (Darby Stanchfield) e tem inúmeros conflitos com a primeira dama e depois, presidenta dos Estados Unidos, Mellie Grant (Bellamy Young), após deixar o posto de consultora de comunicação da presidência dos Estados Unidos para criar sua própria empresa.
A série, que foi criada por Shonda Rhimes, tem como um dos grandes pontos positivos ser a primeira série da TV aberta americana com uma protagonista negra em 35 anos. Na trama, ninguém é representado como totalmente bom ou totalmente mau. Mesmo a protagonista é marcada por uma ambiguidade moral que a coloca em confronto contra os próprios seus próprios valores. Somente nos últimos episódios, essa névoa envolvendo os personagens começa a dissipar-se e a essência de Pope aparece com mais clareza. Rhimes garante que Escândalo não volta mais e as fãs ficam com um final que deixa no ar uma pregunta que não quer calar: qual é o futuro de Pope? Chapéu branco?
4 – The Good Wife
The Good Wife – Pelo Direito de Recomeçar (2008-2016). O nome pode até confundir e as cenas do primeiro episódio também. Mas a série não é sobre uma mulher submissa; muito pelo contrário. A protagonista da história é Alicia Florrick (Julianna Margulies) e é ela quem sustenta a trama, por assim dizer. Ela decide voltar a atuar como advogada depois de 13 anos fora do mercado de trabalho, período em que se dedicou ao casamento e à maternidade.
Florick é uma mulher forte que já passou dos 40 anos, mas que é extremamente experiente, madura, com diferentes nuances e complexidades, o que faz com que seu personagem ganhe força episódio após episódio e nos possibilita observar essa mudança durante as sete temporadas.
Temos ainda outras duas mulheres que também são poderosas na série: a detetive particular Kalinda Sharma (Archie Panjabi) e Diane Lockhart (Christine Baranski), a sócia da firma para a qual Alicia vai trabalhar. Diane é uma advogada renomada que ignorou as regras sociais para viver sua própria vida, mesmo depois do casamento. É o tal empoderamento feminino. Outro ponto interessante da série é que ela aprofunda na vida dos personagens e não se limita a apenas aos casos resolvidos em cada episódio. A série rendeu um spin-off: The Good Fight.
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5 – Big Little Lies (2017-)
Produzida e protagonizada por Nicole Kidman (Celeste Wright) e Reese Whiterspoon (Madeline Mackenzie) e também com Shailene Woodley (Jane Chapman), Zoë Kravitz (Bonnie Carlson) e Laura Dern (Renata Klein) à frente do elenco, Big Little Lies é considerada a série mais feminista da HBO.
A história é baseada na livro homônimo de Liane Moriarty (leia aqui a resenha) sobre a vida, aparentemente perfeita, de cinco mulheres ricas, na Califórnia, Estados Unidos. O sucesso mundial de público de crítica da trama reside, principalmente, na sua estrutura narrativa original, na forma como mostra a violência de gênero e a sororidade, ou seja, o fato de que as mulheres unidas são mais fortes.
Outros detalhes interessantes da produção são que a segunda temporada será dirigida por uma mulher, Andrea Arnold e terá Meryl Streep no elenco, como a mãe de Perry Wright (Alexander Skarsgård), Mary Louise Wright. A segunda temporada, que deve ir ao ar em 2019, e vai além do livro que originou a série, mostrará mentiras, falará sobre a amizade, a fragilidade do casamento e sobre como a paternidade pode ser feroz. A expectativa é grande, já que, como diz Nicole Kidman: elas são as chefas.