[LIVROS] De Amor Tenho Vivido: 50 poemas de Hilda Hilst para repensar o amor

[LIVROS] De Amor Tenho Vivido: 50 poemas de Hilda Hilst para repensar o amor

Nós, poetas e amantes/ o que sabemos do amor?“. O amor é tema constante na poesia. Abordado sobre vários vieses e vozes, permeia a sociedade. Mas o que se sabe do amor? Ou antes, qual seria o conceito de amor? Diante da vastidão de interpretações, a Companhia das Letras reúne 50 poemas de Hilda Hilst. De Amor Tenho Vivido aborda esse sentimento tão atrelado a dores. Revela a visão do eu lírico de Hilst, uma mulher situada num complexo mundo de relações. E, para acompanhar os poemas, lindas ilustrações de Ana Prata.

Como bem observado na resenha de Da Poesia, Hilda Hilst sofreu com a desvalorização de seu trabalho. Apesar de ter uma produção robusta, não chegou ao mesmo reconhecimento de poetas masculinos. E é preciso ressaltar que eles também exploraram o corpo feminino e o amor. A diferença, por óbvio, resiste no tom, na forma de olhar. Diferentemente deles, Hilda Hilst não deseja explorar o que não lhe pertence. Deseja, porém, dar voz e vida a esse corpo muitas vezes explorado. Muitas vezes entregue a conturbadas relações de amor e de dor.

HIlda Hilst publicou sua primeira obra em 1950. Presságio, assim, inaugurou o que a autora chamaria de sua fase de “literatura séria”. Nascida em São Paulo, em 1930, teve formação clássica e em Direito. Publicou poemas, obras de ficção e não ficção, além de peças de teatro. Todavia, sua carreira tomou um rumo diferente na década de 90. Insatisfeita com a ausência de reconhecimento, decidiu explorar a literatura pornográfica. Os títulos O Caderno Rosa de Lori Lamby, Contos D’escárnio – Textos GrotescosCartas de um Sedutor Bufólicas foram reunidos em sua “tetralogia obscena”. Agraciada com algumas premiações, Hilst faleceu em 2004. E deixou, por fim, sua vasta obra sobre amor, sexualidade e liberdade para o mundo.

Da relação com o outro

Gostaria de encontrar-te / falar das cousas / que já estão perdidas“. Grande parte dos poemas de De Amor Tenho Vivido abordam a relação com o outro. Exploram, portanto, o amor vivido entre partes, indivíduos a compartilhar de um sentimento. Contudo, a maioria aborda também as mágoas que restam, que se carregam na experiência. Amores não correspondidos, expectativas não alcançadas, dores infligidas, desse modo, tornam-se objeto da poesia de Hilst.

Trabalham, também, o desejo manifesto do eu lírico de buscar o equilíbrio. O eu lírico de Hilst não deseja o sofrimento que essa vida de amor lhe causa. O eu lírico quer poder ser ouvido, compreendido, na expectativa de ser amado. Como escreve, “quem sabe se amarias escutar-me“.

“Nós, poetas e amantes
O que sabemos do amor?
Temos o espanto na retina
Diante da morte e da beleza.
Somos humanos e frágeis
Mas antes de tudo somos sós.”

Hilst destaca que somos frágeis. Os seres humanos são consumidos por esses sentimentos multifacetados. Mas também são feras. São ferozes devoradores do amor. E também sujeitos de ciúmes, aflições, vontades e amores distintos. “Ai daqueles que nos amam / E que por amor de nós se perdem“. Acima de tudo, porém, são sonhadores e são amantes. E buscam eternamente refazer as asas da liberdade através do amor.

De Amor Tenho Vivido

Do sonho de liberdade

O tema da liberdade é recorrente não apenas em De Amor Tenho Vivido. É uma manifestação de Hilst em suas produções. Hilda Hilst recorre, sobretudo, ao uso da metáfora dos pássaros e das asas, para expressar seu desejo de libertação. Libertação do mundo, das convenções, e de tantas correntes que limitam o amor. Amor, enquanto concretização de sonhos e satisfação de desejos inquietos no peito.

“As asas não se concretizam.
Terríveis e pequenas circunstâncias
Transformam claridades, asas, grito,
Em labirinto de exígua ressonância.

Os solilóquios do amor não se eternizam.

E no entanto, refaço minhas asas,
Cada dia. E no entanto, invento amor
Como as crianças inventam alegria”

O amor, portanto, é prisão enquanto vivido através de relacionamentos conturbados. É também medo. É o temor da decepção, do abandono, da solidão. É, assim, o receio de se entregar em promessas vazias. De dar voz a um sentimento que, por vezes, nasce silencioso. De transformá-lo em verso e rima, sem ter meios de contê-lo. Mas é salvação, enquanto fuga do estereótipo distorcido do amor experimentado. O amor é, logo, força motriz para a liberdade. O amor cria as asas que Hilst refaz.

De Amor Tenho Vivido

Leia também:
>> [LIVROS] Perdida no mundo de “Justiça Ancilar”
>> [LIVROS] Em sua autobiografia, Maya Angelou nos dá uma lição de amor e resistência
>> [LIVROS] Coral e Outros Poemas: A natureza feminina e pagã na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen

Da descoberta do corpo individual e da sexualidade

Um das facetas do amor é que o sentimento anda atrelado com a ideia de satisfação das expectativas alheias. Em muitos momentos, o indivíduo – e o eu lírico – busca atender necessidades que não são suas originalmente. Disto nasce um conflito. De um lado, o desejo de preencher os requisitos impostos socialmente. De outro, o desejo de servir aos seus próprios anseios. E é, então, que o eu lírico de Hilst começa a se redescobrir em De Amor Tenho Vivido. E pede: “Olha-me de novo. Com menos altivez / E mais atento“.

Hilda Hilst oscila entre a análise da subjetividade e a sensualidade. Busca, com seus poemas, o amor como um sentimento transcendental. Mas também busca o amor como lascívia. É a exploração da sexualidade fora dos estigmas culturais, algo de humano que persiste em ser controlado. Busca a boca e os corpos dos amantes, na satisfação de seus próprios desejos. Do mesmo modo, almeja a consumação de seus sonhos.

Constantemente, a autora faz referência às flores. Menciona a rosa do amor e também as tulipas a serem perseguidas. Poetiza os sonhos, o dormir em conjunto na união dos corpos. E fala sobre o acordar ao lado. Acima de tudo, porém, fala de usar o amor para se redescobrir. E redescobre-se enquanto amante, enquanto mulher, enquanto poeta, enquanto ser humano.

“Eu te pareço louca?
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?

Ou é mesmo verdade
Que nunca me soubeste?”

De amor tenho vivido

Hilda Hilst escreve: “antes de ser mulher sou inteira poeta“. É poeta enquanto ser humano que disseca os sentimentos entre versos e rimas. No entanto, Hilst era, sim, uma mulher, ao lado de ser poeta. Isto porque é inegável que, em sua poesia, existe o tom de uma mulher que devora um mundo de castração. É uma mulher rompendo as barreiras da autoria e também do amor. É uma mulher se posicionando em face dos relacionamentos como ser humano ávido por satisfação, sexual e sentimental. É uma mulher, enfim, que revela seus medos e angústias, seus sonhos e liberdades, suas várias visões do amor.

“Me fizeram de pedra
Quando eu queria
Ser feita de amor”

A poesia de Hilda Hilst não é rebuscada. É natural. Preenche vazios gerados pela necessidade de um amor tão distorcido na realidade. Explora sentimentos crus e universais. Aborda a natureza de um sentimento tão primitivo e tão complexo. E as ilustrações de Ana Prata não poderiam ser mais coerentes. A arte abstrata remete ao corpo e ao mundo. E se conecta com as palavras de De Amor Tenho Vivido.


de amor tenho vivido Hilda HilstDe Amor Tenho Vivido

Autora: Hilda Hilst

96 páginas

Companhia das Letras

Se interessou pelo livro? Compre aqui!

Comprando através do link acima, você ajuda a manter o Delirium Nerd no ar, além de ganhar nossa eterna gratidão por apreciar e apoiar o nosso trabalho!

Escrito por:

136 Textos

Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
Veja todos os textos
Follow Me :