Mulheres nos Quadrinhos: Ilustralu

Mulheres nos Quadrinhos: Ilustralu

Luiza de Souza, ou Ilustralu na internet, nasceu em Currais Novos (RN), em 1992. Graduada em publicidade pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, trabalha como ilustradora e faz quadrinhos. Dentre eles está Arlindo, sua criação em cores vivas e repleta de referências aos anos 2000, em que o protagonista que dá nome à HQ tenta descobrir sua identidade em meio ao turbilhão de sentimentos da adolescência vivida no interior do Rio Grande do Norte.

Mais do que uma campanha de histórias em quadrinhos brilhante no Catarse e sucesso entre arlinders na internet, Arlindo é sobre referências e sobre se enxergar — até pela primeira vez — em personagens que não costumam existir – e quando existem não passam tanta verdade.

Trecho de "Arlindo", de Ilustralu
Arlindo é sobre se permitir existir, mesmo quando isso dá tanto medo | Imagem: reprodução

Em entrevista ao Delirium Nerd, Ilustralu compartilha os processos, desafios e alegrias de Arlindo, cuja pré-venda via Catarse bateu 455% da meta de financiamento com diversas recompensas para os apoiadores. A publicação sairá pela Seguinte, selo jovem do Grupo Companhia das Letras, e também chegará a instituições que acolhem pessoas LGBTQIA+ e bibliotecas pelo Brasil através da doação de 350 exemplares físicos graças às metas estendidas.

DN – Lu, conta pra gente a história de como você começou a desenhar, teve até um acidente no meio, né?

(risos) Sim! Em 2013, eu tinha uma vida bem agitada (dois empregos, projetos de escrita, faculdade – ocupadíssima) e de repente eu atropelei um carro no meio do caminho e precisei ficar um bom tempo fora dessa agitação toda. Foi quando eu aproveitei um caderno e algumas canetas que tinha comprado semanas antes pra começar a desenrolar esse lado do desenho e não parei mais desde então.

Luiza de Souza (Ilustralu)) e seus autorretratos
Lu e seus autorretratos | Imagens: reprodução

DN – Quais são suas influências, inspirações ou artistas preferidos? Como isso se reflete em suas criações?

Nossa, tem muita gente, mas acho que no momento as minhas maiores influências são Noelle Stevenson  – autora de Nimona e showrunner de She-ra e as princesas do Poder, Jefferson Costa  – autor de Roseira Medalha Engenho, desenhista de Jeremias das Graphic MSP, e Maria Carvalho, que tem pra mim um dos traços mais bonitos da ilustração brasileira hoje e umas ideias que, meu deus, quando eu crescer quero muito ser que nem eles. Acho que se reflete na maneira como eu olho pro meu trabalho e penso em como trazê-lo mais pra perto de mim, como esses artistas que eu admiro tanto fazem nos trabalhos deles.

As referências de Ilustralu
As referências de Ilustralu: Noelle Stevenson (acima); Jefferson Costa (esquerda) e Maria Carvalho (direita) | Imagens: reprodução

DN – Houve algum acontecimento marcante que te fez colocar Arlindo no papel ou foi mais um acúmulo de experiências e observações que levaram à criação do personagem?

Eu tinha feito algumas tirinhas, na intenção de mostrar como o discurso de ódio que rondou a campanha eleitoral (e que está entre nós até hoje) era nocivo pras crianças que ouviam. Essas tirinhas se tornaram um estudo de personagem para o que seria o Arlindo que chegou no Twitter, com uma história que precisava ser mais do que o reflexo desse discurso de ódio. Parafraseando o Emicida: “Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes“.

Foi um primeiro passo para construir espelhos e conversas, sabe? Eu senti que precisava fazer alguma coisa depois do resultado das eleições de 2018 e contar essas histórias era o que eu podia fazer para tentar enfrentar os tempos esquisitos que estamos vivendo. 

Tirinha de Arlindo
Uma das tirinhas de Arlindo antes mesmo da webcomic existir | Imagem: reprodução
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DN –  Você não trabalha com roteiros em Arlindo, mas com cinco acontecimentos determinantes na narrativa. Como você chegou a essa dinâmica e como se organizou para toda semana entregar o conteúdo?

Eu não conseguia lidar muito bem com a ideia de um projeto tão longo sem ter a mesma sensação de surpresa que o leitor tinha a cada página. Foi a melhor maneira de me manter interessada no projeto e poder dar sempre o gás que era necessário. A criação dessa rotina (ter que sair a página com horário marcado) me ajudou a manter a frequência e a me desafiar ao mesmo tempo.

DN – A interação dos arlinders com você nas redes sociais é frequente. Você já chegou a mudar algo após alguma conversa com fãs ou depois de ler comentários? Como é pra você criar em meio às redes sociais?

Nossa, mudei bastante! Na maioria das vezes, onde eu queria que a próxima página fosse surpresa e alguém adivinhava, eu trocava o jeito que a coisa toda ia acontecer. Foi um ótimo exercício de improviso que contribuiu bem com a fluidez da história. Eu sempre li todos os comentários, ri com todos os memes e chorei com os depoimentos da galera que se sentia tão parte, que me mandavam suas próprias histórias. Gerar essas conversas foi o maior presente que Arlindo me deu. 

DN – “Arlindo, o filme” vem aí e quais atores você escolheria para o elenco?

Nossa, eu só consigo pensar em um único ator possível: Max Petterson, o mais Arlindo de todos os Arlindos.

Se Arlindo ganhasse uma versão live-action, Lu colocaria Max Petterson como o protagonista
Se Arlindo ganhasse uma versão live-action, Lu colocaria Max Petterson como o protagonista | Imagens: reprodução

DN – Arlindo é muito mais que uma campanha de grande sucesso no Catarse, mas sim um movimento de identificação que mostra que não estamos sós. Quando e como foi que você percebeu a proporção do impacto das suas histórias nas vidas das pessoas? Tem algum relato de arlinder que te marca bastante?

Tem um discurso de Junot Diaz, escritor e ganhador do Pulitzer de ficção, em que ele fala “Sabe, nas histórias, quando os vampiros não têm reflexo? Se eles não têm reflexo, só podem ser monstros. Então, se você quiser fazer qualquer pessoa ser vista como um monstro, é só fazer com que ela (em termos de cultura e entretenimento) não possa ser vista. Eu fui crescendo e me sentindo um desses monstros. Eu nunca conseguia me enxergar, me ver refletido em lugar nenhum e ficava pensando ‘Caramba, tem algo errado comigo? Será que não tem ninguém como eu por aí?’ E alguma coisa nessa sensação me inspirou e eu resolvi que era minha missão criar alguns espelhos para crianças, como a que eu fui por aí, não se sintam monstruosas como eu me senti.

As pessoas tiveram a chance de se enxergar em Arlindo como um espelho. Para algumas isso aconteceu pela primeira vez e acho que isso explica todo o carinho dessa comunidade que cresceu junto com o quadrinho. Todas as mensagens do público me quebravam inteira e me colavam tudo de volta.

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DN – O que vem aí para a nação arlinder que te acompanha nas redes e para a parte que irá receber as recompensas do Catarse? 

Todo mundo que garantiu essa pré-venda vai receber em casa um material de encher os olhos. Fruto de muito trabalho, meu e do pessoal da Seguinte e com todo o carinho do mundo. Vários conteúdos extras, reflexões intensas e muito amor também!

Algumas das recompensas da campanha de Arlindo no Catarse
Algumas das recompensas fofas da campanha de Arlindo no Catarse | Imagens: reprodução

Para acompanhar as aventuras de Arlindo e outros trabalhos da @ilustralu, basta ficar de olho no Twitter e no Instagram da artista.


Revisão por Gabriela Prado.

 
 
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Escrito por:

Rafaella Rodinistzky é graduada em Comunicação Social (Jornalismo) pela PUC Minas e atualmente cursa Edição na Faculdade de Letras da UFMG. Participou do "Zine XXX", contribuiu com a "Revista Farpa" e foi assistente de produção da "Faísca - Mercado Gráfico". Você tem um momento para ouvir a palavra dos fanzines?
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