This is Us –  6ª temporada: estamos presos no carrossel do tempo

This is Us – 6ª temporada: estamos presos no carrossel do tempo

Assistir This is Us é sempre uma experiência intensa, provavelmente porque poucas séries conseguem despertar no público uma conexão tão profunda quanto a que sentimos com a família Pearson. A vulnerabilidade de uma família passando por tantos altos e baixos nos deixa vulneráveis, como o faz toda boa obra. As dores e alegrias dos Pearson nos deixam completamente despidos diante das tragédias e triunfos da vida, não apenas as deles, como também as nossas. 

Em 2022, a série encerrou sua jornada após seis anos no ar, tratando dos mais diversos temas de maneira sensível e responsável, tendo a família, a vida e o tempo como principais elementos na condução dessas histórias. Seis anos que certamente foram um deleite aos fãs da série, quase na mesma medida em que foram difíceis de digerir muitas vezes, ora pelos sofrimentos e tragédias dos personagens, ora pelas reflexões intensas que a série provocava. 

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This is Us: diversa como a vida

Talvez uma das características mais marcantes de This is Us ao longo dos anos foi a capacidade da série de abordar, com profundidade, os mais variados temas aos quais a história se debruçava. Se tratava sobre racismo, o fazia com responsabilidade, o mesmo com gordofobia, ou maternidade, ou saúde mental, ou envelhecimento. Dificilmente a série abriria uma porta para explorá-la de forma superficial. 

Ainda assim, o espectador nunca tinha a sensação de que a história havia perdido o rumo. Afinal, como falar sobre vida, família, conexões e relações entre pessoas sem falar sobre todos os recortes que permeiam cada indivíduo? Como contar histórias sobre as subjetividades de cada coração sem compor uma narrativa com tanta diversidade como é na vida real? 

This is Us: diversa como a vida
Milo Ventimiglia, Kaz Womack, Isabella Rose Landau, Ca’Ron Jaden Coleman e Mandy Moore em This is Us (Imagem: Ron Batzdorff/NBC)

Em uma era onde o tema “representatividade” se tornou comercial, e muitas lutas foram reduzidas a meros produtos no mundo do entretenimento, This is Us veio reforçar a importância de falar sobre causas sociais de forma sensível e, ao mesmo tempo, profunda e responsável. 

Essa sensibilidade para com a vida tornou This is Us uma série multifacetada, que inovou por, muitas vezes, nos maravilhar com o simples. Jack Pearson (Milo Ventimiglia) encantava a todos por ser um pai amoroso, que fazia de tudo por sua família. Aos olhos do público, ele se tornou um homem extraordinário, que inspirou a todos pela sua capacidade de amar, ensinar e proteger. 

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O quão especial é que This is Us tenha fascinado tantas pessoas ao falar de um pai que ama seus filhos? Especialmente em um mundo que nos bombardeia com excessos, com a angústia de produzir e conquistar sempre mais, que a série nos tenha feito olhar para nossas próprias jornadas, relações e famílias, e pensar que a aventura mais épica de todas é a vida, mesmo nos seus dias mais ordinários? This is Us conquistou seu público não pelo exagero dos exageros, mas pelo exagero da singeleza, pelo espetáculo do amor. 

Em uma era de ansiedade, superficialidade e produtividade desesperada, o sucesso de This is Us é a prova de que clamamos por conexões, por experiências mais humanas, mais singelas e, na mesma medida, mais complexas. 

Essa singeleza foi reforçada nas duas últimas temporadas, onde, à medida em que algumas tragédias pessoais dos Pearson iam se desvelando e, de certa forma, alguns arcos eram encerrados, angústias mais sutis iam tomando o lugar das antigas. Com o adendo da pandemia, as preocupações da família ficaram cada vez mais semelhantes às de seu público. 

Cada tema em que a série tocou era inesgotável, porque o potencial da vida é inesgotável. E ainda assim, tal como a vida, cada tema foi vivido na maior intensidade possível. E tal como a vida, uma hora This is Us encontrou seu fim.

Presos no carrossel do tempo, sem poder voltar atrás

Enquanto muitas tramas da história foram se fechando ao longo das duas últimas temporadas, o ato final de This is Us é a despedida de Rebecca (Mandy Moore). A personagem, que foi diagnosticada com Alzheimer, juntamente do restante da família, precisa passar por mudanças e adaptações para lidar com a doença. 

É uma escolha brutal a de encerrar uma série que se fundamentou na construção de memórias familiares ao mostrar a matriarca encarando justamente um diagnóstico de Alzheimer. Se, em um primeiro momento, sentimos que são as memórias felizes que nos impulsionam através do tempo, como lidar com o desaparecimento gradativo dessas memórias? E não apenas dessas memórias, mas de toda a autonomia e independência?

O diagnóstico de Alzheimer de Rebecca é, possivelmente, um dos conflitos mais intensos de This is Us. Os Pearson são uma família de memórias, uma família de eventos especiais e únicos, cheios de autorreferências sentimentais, constantemente permeados pela nostalgia. Tudo isso precisa ir embora e dar lugar a um único e longo dia, enquanto todos os outros parecem se dissipar no tempo.

Nos últimos episódios da série, vemos Rebecca passar pela sua vida como em vagões de um trem, revivendo momentos e encontrando pessoas, caminhando inevitavelmente em direção ao fim. Enquanto assistimos Rebecca se despedir da família e da vida em si, somos lembrados de que o tempo nunca volta atrás. Para uma família que vive tanto de memórias, a vida bate o martelo: o único caminho é para frente. A passagem do tempo não pode ser revertida. O final não pode ser evitado. 

Mandy Moore na temporada final de This is Us.
Mandy Moore em This is Us (Imagem: Ron Batzdorff/NBC)
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A verdade é que, ao longo de toda a série, a família Pearson está presa ao passado, ou aos muitos passados que construíram. A ausência de ordem cronológica em cada episódio demonstra muito bem como está a mente e o coração dessa família. Os personagens estão tão presos ao passado quanto a própria estrutura dos episódios.

Em This is Us, vemos todas as fases da vida da família Pearson misturadas, pois é assim que eles vivem. O passado é vívido demais para eles. E mesmo sendo assim tão intenso, tão cotidiano, ele fica para trás, onde é o seu lugar.

Assim, faz sentido que o último inimigo a ser enfrentado seja justamente o tempo e sua consequência inevitável – a morte. Na verdade, o tempo é o antagonista que a família Pearson passou a série inteira tentando derrotar. E, sem conseguir controlar sua passagem, impedir que os dias se esvaiam, os Pearson são nocauteados todas as vezes.

Na temporada final, aparece a canção The Circle Game, de Joni Mitchell, onde a artista canta “Estamos presos no carrossel do tempo/Não podemos voltar atrás”. Não somos diferentes dos Pearson. Também estamos presos no carrossel do tempo. Também giramos sem poder voltar. Como Joni canta, podemos apenas olhar para trás e continuar a girar. 

Justin Hartley, Sterling K. Brown e Mandy Moore na sexta temporada de This is Us.
Justin Hartley, Sterling K. Brown e Mandy Moore em This is Us (Imagem: reprodução)
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Mas, se assim como a família Pearson, sentimos tanta vontade de olhar para trás e relembrar bons momentos, é porque construímos algo de que vale a pena sentir falta, e que torna bela a viagem pelo carrossel do tempo. 

É tão difícil ter paz com o fim, mas é apenas na totalidade da jornada que a mesma se completa. Quando esse jogo circular termina e o círculo se fecha, é que o inevitável pode ser abraçado com doçura. Se queremos reviver é porque viver valeu a pena. 

O amor é o nosso escudo diante da passagem imperdoável do tempo. E nem mesmo o amor pode nos blindar ou proteger contra essa passagem. Por vezes, é justamente o amor que torna o passar dos dias ainda mais brutal, pois intensifica a dor da perda. O que o amor faz por esse carrossel é dar sentido, é fazer valer a pena a viagem. O amor fez os dias de Rebecca e de toda a família Pearson valerem a pena. Fez a nossa viagem ao longo das seis temporadas de This is Us valer a pena também. 

We’re captive on the carousel of time

We can’t return, we can only look

Behind, from where we came

And go round and round and round, in the circle game

(Estamos presos no carrossel do tempo

Não podemos voltar, podemos só olhar

para trás, de onde nós viemos

e seguir girando e girando e girando, no carrossel)

– The Circle Game, Joni Mitchell

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Formada em Jornalismo. Gosta muito de cinema, literatura e fotografia. Embora ame escrever, é péssima com informações biográficas.
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