Haydée de Janina: a princesa vingativa de “O Conde de Monte Cristo”

Haydée de Janina: a princesa vingativa de “O Conde de Monte Cristo”

Haydée de Janina é uma das mais importantes e ignoradas personagens de O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas. Uma princesa grega – filha de Ali Tebelen, Paxá de Janina – Haydée passa por uma tragédia na infância: seu pai é brutalmente assassinado diante de seus olhos, e ela e sua mãe são relegadas à escravidão. Adquirida pelo Conde de Monte Cristo quando adolescente, Haydée o acompanha em suas muitas viagens e se torna uma jovem culta e belíssima.

Ela causa profunda curiosidade nas “boas sociedades” de Roma e Paris, aparecendo em teatros, vestida em trajes típicos de seu país natal e coberta de diamantes, contribuindo para a reputação de mistério, extravagância e estranheza do homem a quem acompanha.

Monte Cristo dá respostas diferentes para todos que perguntam sobre Haydée, aumentando a confusão: em uma ocasião, a garota é sua amante, em outra sua escrava, em outra a filha de um amigo falecido, que é sua pupila. Em Roma, as rodas de conversa teorizam que é uma feiticeira do Oriente. Ninguém adivinha a verdade.

A Princesa de Janina – só uma distração?

É fácil pensar em Haydée como um mero acessório, um detalhe a mais na calculada identidade criada por Edmond Dantès para encantar Paris como um aristocrata milionário, excêntrico e orientalista – ledo engano.

Haydée de Janina não só tem um papel importante na trama de vingança que o Conde concebeu por uma década, mas a vingança em questão também é dela: um dos homens que acusou injustamente Dantès, levando-o à prisão no Château d’If para casar-se com sua então noiva, Mercedes, é o mesmo que traiu a confiança de seu pai, o matou e vendeu Haydée e sua mãe como escravas – Fernand Mondego, o Conde de Morcerf.

Haydée (Nadira Mirzayeva) na adaptação russa do livro, The Prisoner of Château d’If, uma minissérie de TV que estreou em 1988 | Reprodução

É necessário frisar também que, apesar do entendimento geral, Haydée não é uma escrava. Edmond lhe diz que ela é livre para viver como quiser quando chegam em Paris, e, em resposta, Haydée confirma que está fazendo exatamente o que quer. Alexandre Dumas faz questão de incluir diálogos que tornam a situação de Haydée como uma mulher livre irrevogavelmente clara.

Haydée é tão vingativa quanto Monte Cristo. Ela tem raiva, quer retribuição, é dissimulada e é um par à altura do Conde em todos os sentidos. Parte de uma dupla maquiavélica que passou anos planejando vingança, Haydée não é simplesmente um joguete no tabuleiro de Monte Cristo: por tudo o que sabemos, ela é sua sócia no jogo.

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Haydée de Janina na trama de vingança

Em nenhum momento a importância de Haydée é tão evidente quanto no julgamento de Fernand Mondego, a primeira vingança do Conde.

Monte Cristo garante que a informação sobre a participação de Morcerf no assassinato de Ali Paxá seja vazada e, então, deixa Paris para não ser implicado, deixando a segunda e mais importante parte do plano para Haydée. Ela é a verdadeira autora do golpe de misericórdia, revelando sua identidade no julgamento e, assim, confirmando a história e a condenação de Morcerf, que pouco depois comete suicídio.

Haydée de Janina também não é uma menina assustada e apaixonada, como muitas vezes é interpretada. Ela é corajosa, enfrentando Fernand sozinha frente a dezenas de homens que têm todos os motivos para apoiá-lo contra ela, e ela o faz, destruindo a vida inteira dele apenas com sua palavra. É ela, no cerne de tudo, que o leva ao suicídio.

Haydée na minissérie russa The Prisoner of Château d’If (1988) | Reprodução

Até mesmo sua posição como par romântico costuma ser mal compreendida. O relacionamento tem seu lado polêmico – sobretudo em função das diferenças de idade e circunstâncias – mas é inegável que quem está correndo atrás da relação é ela.

Que Haydée está apaixonada por Monte Cristo, está óbvio desde o início – e ela não faz a menor questão de escondê-lo, repetindo-o tantas vezes que a cegueira de Dantès chega a ser risível. Ele também tem sentimentos por ela, embora demore a admiti-lo. Chega a essa conclusão, definitivamente, quando pensa em Haydée, e não em Mercedes, sua antiga noiva, ao passar por Marselha, a cidade onde viveu com ela.

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Haydée de Janina, a princesa esquecida de Dumas

Apesar de sua fundamental importância na obra de Dumas, as representações de Haydée em adaptações de O Conde de Monte Cristo são trágicas: na maioria das vezes, ela é completamente excluída e, quando aparece, permanece nas sombras como uma personagem de importância marginal.

Essa exclusão tem razões óbvias: Haydée, por quem Monte Cristo se apaixona, é um obstáculo para o absolutamente sem sentido, porém profundamente amado por diretores, produtores e roteiristas, romance entre Edmond e Mercedes. Muitas adaptações tentam fazer esse romance acontecer, uma escolha tragicamente deficiente de qualquer noção do que Dumas tentou dizer com sua obra.

Haydée na minissérie russa The Prisoner of Château d’If (1988) | Reprodução

O sumiço de Haydée costuma ser o grande defeito de todas as adaptações. Quando presente, Haydée, com suas poucas aparições e papel relativamente pequeno, parece secundária; porém, quando ausente, sua falta é sentida em cada segundo do processo.

Sem ela, não há acusações de corrupção, assassinato e escravização a serem feitas contra Morcerf, que precisam ser feitas odiosas por outros meios — resultando em um personagem caricaturesco e totalmente descaracterizado. Haydée é muito mais do que um par romântico facilmente descartável: sem ela, a história não funciona, e alguns dos principais eventos descritos por Dumas jamais são postos em andamento.

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A péssima adaptação cinematográfica de 2002

O famoso filme de 2002 é o exemplo mais célebre desse fenômeno: Fernand é retratado não mais que um vilão de desenho animado, quase sendo possível vê-lo cofiando os bigodes e dando risadas malignas.

De rival amoroso de Edmond, um pescador pobre de Marselha, homem apaixonado por Mercedes, pai e marido perfeitamente razoável, faz-se de Fernand um mimado e desleal rapaz rico que trai seu melhor amigo de infância por desejo pela mulher que se casaria com ele, começando a traí-la e tratá-la com violência e desrespeito no minuto em que a consegue.

Fernand (Guy Pearce) e Mercedes (Dagmara Dominczyk) no filme O Conde de Monte Cristo (2002)
Fernand (Guy Pearce) e Mercedes (Dagmara Dominczyk) no filme O Conde de Monte Cristo (2002)

O Fernand realista e cheio de nuances de Alexandre Dumas — um homem que ama sua mulher e sua família, mas é covarde, corrupto e ambicioso demais, com seus piores impulsos sendo alimentados por ciúme, inveja, dinheiro e glória — é sacrificado no altar do culto ao relacionamento de Mercedes e Edmond, sendo despido de qualquer característica redentora ou sombra de humanidade.

Sem Haydée e seu passado conjunto, a queda de Morcerf precisa ocorrer em termos totalmente distintos. Assim, algumas das mais brilhantes cenas de Dumas — o julgamento de Morcerf, o duelo de Edmond e Albert, a súplica de Mercedes, o suicídio de Fernand e tudo o que ocorre depois entre a família Mondego e o Conde de Monte Cristo — são apagadas, alteradas ou substituídas, resultando em uma versão onde todo o brilhantismo dramático do autor é desperdiçado, transformando a história em uma corruptela de baixa qualidade do magnífico original.

Mercedes e Monte Cristo, o romance que nunca existiu

A ênfase no romance inexistente entre Mercedes e Edmond é uma tragédia por si só quando se trata da compreensão da história que Dumas desejava contar. Não é à toa que Mercedes e Haydée de Janina compartilham tantas similaridades físicas e de personalidade. Elas são dois lados da mesma moeda em muitos aspectos, mas uma diferença fundamental define o papel de Haydée, não de Mercedes, como a mulher com quem Monte Cristo encontra felicidade no final da narrativa: o papel da dor.

As três pessoas neste suposto triângulo passaram por muito sofrimento em suas vidas. Edmond é mudado de maneira irreversível pelos catorze anos que passa em If. Embora tenha aprendido a viver bem com sua fortuna praticamente ilimitada e frequentemente declare a importância do sofrimento para alcançar plena felicidade, ele permanece um homem com certo amargor e melancolia ao seu redor — uma tristeza e dor que não o abandonam mesmo após o sucesso de sua vingança.

No fim do livro, Edmond é livre, rico, culto e pretende desfrutar da vida com seus recursos magníficos. Ele busca ser feliz como pode. No entanto, ele está exausto. Ele se sente culpado. Seus sofrimentos não desaparecem como talvez ele esperasse com a desgraça de seus inimigos. Mas há uma mulher.

Edmond Dantès e Mercedes

Fernand e Mercedes no filme O Conde de Monte Cristo (2002)
Fernand e Mercedes no filme O Conde de Monte Cristo (2002)

O grande amor de Edmond Dantès foi Mercedes. No entanto, Dantès não é Monte Cristo; é um marinheiro simples e pobre de Marselha. Ele tem como ambição máxima comandar um navio. Mas, acima de tudo, Dantès está morto. Monte Cristo é um homem completamente diferente, e para ele, Mercedes não é suficiente.

Mercedes, por outro lado, carrega suas próprias dores profundas, ligadas a Edmond e ainda mais a Monte Cristo. O retorno do homem com quem ela pretendia se casar 25 anos antes — um homem por quem ela já chorou, por quem já lamentou, e que já havia deixado para trás — não é um evento feliz ou fonte de consolo: é a reabertura de mil feridas que já tinham sido fechadas na alma de uma mulher que, casada, mãe e feliz, não tem mais espaço para o noivo adolescente em sua vida.

Além disso, a chegada de Monte Cristo a Paris marca o início do fim para Mercedes: em poucos meses, ela se torna viúva de um homem desonrado e suicida, mãe de um filho que agora se alista para servir ao exército francês na África, e é uma pobre interna em um convento.

A vingança de Edmond é justificada, mas não deixa de ser a destruição de tudo o que um dia compôs a felicidade de Mercedes. Ela compreende isso. Mas seria insensato esperar que ela não se ressentisse.

O verdadeiro final feliz em O Conde de Monte Cristo

Haydée é um caso totalmente distinto. Ela é jovem, romântica e está apaixonada. Vê Monte Cristo como um herói. Além disso, não há nenhuma história negativa entre os dois, nenhum tipo de peso ou dor que os afaste.

O relacionamento dos dois é leve, uma paz que não existe em mais nada na vida do Conde desde sua prisão. É perfeitamente esperado que um homem cujos sofrimentos foram tantos e o cansaço tão intenso, a amargura tão profunda, se interesse por uma mulher como Haydée.

Entretanto, dizer que não há dores entre Haydée e Monte Cristo não significa que Haydée tenha um quinhão de sofrimento menor que seus pares. Sua infância foi um pesadelo, e Haydée, assim como o Conde, nutria um profundo desejo de vingança. Uma vingança que, com ele, ela conseguiu.

Haydée de Janina merece mais reconhecimento

Haydée na minissérie russa The Prisoner of Château d’If (1988) | Reprodução

Existe, porém, uma diferença fundamental entre os dois: ao contrário de Edmond, Haydée parece imune a qualquer tipo de remorso. Essa talvez seja a chave do relacionamento dos dois — um aspecto tristemente subdesenvolvido na dinâmica entre o Conde e a Princesa.

Haydée pode ser uma fonte de paz para Monte Cristo, mas não é um entorpecente. Ela não o ajuda a esquecer dos demônios que o assombram, pois sua presença na vida dele está condicionada à existência desses demônios. Além disso, ele jamais a teria conhecido se não estivesse buscando maneiras de desgraçar o homem que o colocou na prisão.

A personagem não deve ser esquecida: ela é um lembrete dos horrores cometidos por aqueles a quem Edmond destruiu e de que ele foi justificado em sua ira. Ao contrário dele, Haydée parece estar plenamente em paz e feliz com tudo o que se passou. Ela não tem dúvidas — e talvez isso ajude Edmond a sentir-se em paz. No fim das contas, é bem provável que Haydée seja também a única pessoa em toda a narrativa de Dumas que consegue tudo o que quer.

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Cursando História na Universidade Federal do Estado do Amazonas (UFAM), com um interesse de pesquisa particular em Primeira Guerra Mundial. Criadora do instagram @behindherglasses_, uma comunidade de estilo e lifestyle vintage, moda e costumes históricos, livros, teatro e fotografia com mais de 100.000 seguidores Criadora de conteúdo sobre literatura, cinema, televisão, teatro e história no Instagram @ClarissaDesterro
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