O potencial das maravilhosas coadjuvantes em “The Marvelous Mrs. Maisel”

O potencial das maravilhosas coadjuvantes em “The Marvelous Mrs. Maisel”

Produzida e exibida pela Amazon Prime Video, depois de uma temporada estreante, aclamada e premiadíssima pela crítica, The Marvelous Mrs. Maisel retorna com a continuação da empreitada de Miriam “Midge” Maisel (Rachel Brosnahan) em se estabelecer como comediante, a vocação que foi despertada após a descoberta de traição do marido, quando Miriam enche a cara e se apresenta, sob improviso, no Gaslight, e chama atenção da sua futura agente, Susie (Alex Borstein).

AVISO: CONTÉM SPOILERS DA TEMPORADA

A retomada da trama é ambientada em Paris, através de uma acelerada investigação pelo paradeiro da mãe da protagonista, Rose Weissman (Marin Hinkle), já que a mesma decide abandonar a apática rotina de uma dona de casa nova iorquina da década de 50, onde não mais encontrava pertencimento sendo apenas mãe e esposa. Principalmente neste último papel, pois há uma notável falha de comunicação no casamento por parte de seu marido, Abe Weissman (Tony Shalhoub), o qual sequer ouviu o comunicado de sua esposa sobre a partida para Paris, destino este que será o contexto da busca da emancipação de Rose e de seu encontro em si mesma como mulher que anseia e se engaja.

Esse enfoque e desenvolvimento da personagem Rose se apresenta de forma riquíssima, visto que serve de paralelo para Midge quando confronta sua mãe sobre a tomada de decisão em abandonar o lar, o marido e a vida em Nova York, sendo que Midge também já havia tomada uma decisão tão subversiva quanto esta da mãe, na primeira temporada.

The Marvelous Mrs. Maisel

Esse enfrentamento e questionamento é carregado de julgamento, porque Midge já apresenta uma carga de culpa e responsabilidade no processo de retomada e reconciliação de seu relacionamento com Joel (Michael Zegen). Ou seja, ela cobra uma estabilidade matrimonial e subjetiva da mãe, julgando que seria esse o ingrediente para ter Joel de volta – considerando o final do último episódio da primeira temporada, quando Joel flagra na íntegra o stand up de Midge e condena inadmissível sua conduta.

O repertório machista e falocêntrico de Joel não para por aí, embora considera-se (e muito) o contexto histórico desses personagens, não se deixa de observar comportamentos que se encaixam em repressões no âmbito profissional e que são enfrentadas por mulheres em seus relacionamentos ainda nos dias atuais. Durante a ligação que Midge faz a Joel, em uma belíssima noite parisiense, o discurso do ex-companheiro é repleto de pedidos de concessões para que ele sinta-se confortável como homem, na relação com uma mulher que empodera-se e busca suas quebras de paradigmas, em uma sociedade que constantemente castra as potencialidade femininas em favorecimento da manutenção falocêntrica.

Porque para nós ficarmos juntos, você precisa desistir. (…) Eu entendo completamente, eu sei que você tem que falar sobre a sua vida [no stand up], é por isso que você é boa, porque é honesta. É real, é autêntica. É tudo o que eu não era. Eu só não consigo viver com isso. Gostaria de conseguir, talvez outro homem consiga, mas eu não aceito ser uma piada.

Midge depara-se com essa condição não só em seu casamento, mas principalmente nos ambientes que ocupa para exercer sua atividade profissional de stand up. Durante a segunda temporada, o establishment sexista é apresentado com mais frequência para Midge, visto que o comprometimento à sua carreira está sendo mais elaborado com o auxílio de sua manager, Susie Myerson. Portanto, ela começa a frequentar outros bares além do Gaslight para se apresentar, e seus concorrentes, homens, não facilitam de maneira alguma. Desde ser expulsa no meio de uma apresentação por tratar de um proibido e censurado “assunto de mulher” (gravidez), até não receber seu cachê e precisar recorrer a ajuda de um homem para consegui-lo, são alguns dos exemplos sobre os entraves enfrentados por uma mulher no exercício de sua profissão, ainda mais quando é uma área dominada por homens.

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Diferentemente de Midge, Rose consegue encontrar uma resolução positiva e construtiva para o seu casamento, que lhe favoreça e lhe permita satisfazer suas ambições. Dessa forma, ao voltar para Nova York, ingressa na universidade para estudar Artes. É interessante valorizar o empenho de Abe em considerar e ouvir a sua esposa, enxergando-a além do espaço familiar e contribuindo para que ela ocupe outros, como o da academia. Assim, somos agraciadas com as observações e os comentários ácidos de Rose sobre o ambiente acadêmico, elaborados em uma excelente crítica quando questiona um grupo de colegas de classe sobre o que iriam fazer com tanto conhecimento depois da graduação e, no caso de algumas, do mestrado.

Não havia perspectiva de sucesso no futuro de uma mulher que intencionasse lecionar ou ser uma artista, considerando que na década de 50 o contexto acadêmico era predominantemente masculino, além de não abrir oportunidades e tampouco instigar o interesse de mulheres a compô-lo. Neste sentido, quando Rose instiga o questionamento crítico para aquelas jovens mulheres, o desamparo é o que acontece.

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O grande acerto nessa segunda temporada é o destaque aos personagens coadjuvantes, principalmente os femininos, embora o destaque exacerbado para a perspectiva de Joel seja como um castigo, se pensar ao maior screen time que poderia ter sido distribuído, por exemplo, para Susie. Os interesses da personagem ainda giram ao redor de Midge e não há nenhum aprofundamento na vida de Susie enquanto pessoa, enquanto mulher.

Nos primeiros episódios da atual temporada somos apresentadas à sua família, mas pouco se sabe sobre sua subjetividade. Considerando como a personagem é retratada, não se encaixando em NENHUM dos padrões estabelecidos para as mulheres da sociedade da época, Susie é a única personagem que não é explicitamente heteronormativa, que não estabelece como meta para a vida a companhia de um homem ou uma mulher; ou será que estabelece, mas a falha em explicitar seu aprofundamento é que a silencia? Certamente é complicado falar da personagem sem cair em estereótipos de papéis de gênero, mas considerando a dinâmica dos demais personagens, Susie foge da norma e seria interessante ter um plot que a explorasse dessa forma, inserindo mais diversidade ao leque da trama.

É compreensível que, a princípio, Susie tenha visto em Midge apenas uma ponte para alcançar seu sonho em se tornar agente, pois já se encontrava no meio do show business, e ao decorrer da segunda temporada conhecemos de fato suas habilidades em articular redes de contatos para providenciar os gigs para Midge. Mas com a aproximação das duas é observado o crescimento de uma parceria, uma amizade, o suficiente para que a exploração da personagem Susie possa ser mais completa e não a deixem apenas na categoria de sidekick. O cliffhanger no final da temporada deixa sugestivo a possibilidade de Susie trilhar sua própria carreira sem Midge, e, ainda, traindo sua confiança e parceria ao se juntar com Sophie Lennon (Jane Lynch). Será que Susie optará por essa escolha?

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Finalmente, sobre Midge, é válido constatar que ela realmente consegue se desvencilhar de sua bolha social, engrenando em outros contextos, aperfeiçoando suas habilidade como comediante e sendo perspicaz o suficiente para acrescentar piadas regadas de críticas ao sexismo vigente da época. Ainda, decreta a sua carreira como foco e prioridade em sua vida, após aceitar entrar em turnê com Shy Baldwin, e, portanto, o casamento com Benjamin fica inviável, sem sombra de dúvidas, anulando-o automaticamente como em uma equação matemática. Isso é ainda mais reforçado após Midge partir para os braços de Joel em busca do encontro casual de uma noite. O que decorrerá a partir disso? Muitos neurônios fervilhando e tentando não só acompanhar o ritmo de seus gigs, mas também o ritmo de suas escolhas, como uma mulher autônoma, ambiciosa e moderna.

Autora convidada: Nathália Paz é graduanda em Psicologia, gosto de fangirlar tudo que envolve o audiovisual, principalmente os papéis das mulheres em seus mais variados espaços. Finjo que sou crítica nas minhas reflexões no filmow (natwar).

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