American Gods: 02×05 – Os Caminhos dos Mortos (resenha)

American Gods: 02×05 – Os Caminhos dos Mortos (resenha)

O quinto episódio de “American Gods” aprofundou questões raciais do povo negro através de passagens extremamente pertinentes e importantes acerca da violência institucionalizada e banalizada nas sociedades desde o início dos tempos. Ao fazê-lo, a série volta a cumprir sua função social de informar e analisar, por meio de comentários aguçados, aspectos infelizmente pertencentes ao nosso cotidiano e que chocam os espectadores pela verossimilhança com o mundo em que vivemos. 

[AVISO DE GATILHO: O EPISÓDIO CONTÉM CENAS FORTES DE VIOLÊNCIA GRÁFICA]

Ainda pernoitando na funerária de Mr. Ibis (Demore Barnes), Shadow (Ricky Whittle) passa a ser atormentado pela visão de um homem negro sendo linchado e trucidado por diversas pessoas. Sem entender muito bem o que estava sentindo, justamente por sua vida ter tomado um rumo cheio de estranhezas desde o momento em que cruzou o caminho de Mr. Wednesday (Ian McShane), Shadow, que também é negro, vê-se literalmente refletido na imagem do homem de seu pesadelo. Podemos fazer um paralelo com o episódio em que o personagem relembra o momento, durante a adolescência, em que fora agredido pela polícia (02X02, O Homem Sedutor) e, também, quando fora quase enforcado pelos capangas do Technical Boy (Bruce Langley), logo após o funeral de Laura (01×01, The Bone Orchard).  

Logo mais, ao conversar com Mr. Ibis, Shadow descobre que o homem, chamado Will “Froggy” James (Warren Belle), viveu em Cairo há séculos e, ao ser associado ao assassinato de uma jovem, foi morto e barbarizado de várias formas pelos habitantes da região (nota: o episódio mostra-se muito gráfico e deve ser evitado pela espectadora ou espectador mais sensível a este tipo de conteúdo). Voltando várias vezes para assombrar o local que findou sua vida, no intuito de deixar a memória da crueldade da supremacia branca viva, Will James serve de exemplo sobre as narrativas trágicas do povo negro que habita o território dos Estados Unidos.

Em certa passagem, após outro devaneio de Shadow, o personagem lembra que o homem não conhece a história de como o país foi construído, não sabendo também as tantas – e tamanhas – cicatrizes que seus pares carregam na alma e no próprio corpo. A questão da ancestralidade já abordada na série aprofunda-se neste episódio, uma vez que fica evidente que até mesmo as mazelas existentes em séculos passados também são passadas para as gerações posteriores.

American Gods
Mr. Ibis (Demore Barnes) em cena de “American Gods” (Imagem: reprodução)

O episódio é guiado pela expressão em latim memento mori, dita por Will James a Shadow, e que significa “lembre-se que irá morrer”. Em qualquer outro contexto, os espectadores poderiam associar a frase à outra expressão latina, carpe diem, frase presente em um poema de Horácio, que é traduzida como “aproveite o dia”, algo como relembrar a brevidade das coisas terrenas, mas de modo positivo; porém, se tratando do contexto social e cultural da luta do povo negro, memento mori possui uma mensagem ainda mais soturna, um alerta: a morte, para quem é negro, espreita nos espaços sociais mais improváveis, transformando o simples ato de viver em sobrevivência diária – situação que se repete em nosso país a todo instante.

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É neste episódio de “American Gods” que também conhecemos Jamarr Goodchild (Percy Anane-Dwumfour), parente de Ruby Goodchild (Mouna Iraoré), personagem que no episódio anterior estava na funerária de Mr. Ibis para velar a própria avó. Jamarr é perseguido pela polícia ao sair de um fornecedor de drogas e acaba morrendo. O estado do corpo, ao ser levado à funerária, apresenta marcas de violências diversas, mas Mr. Ibis garante a Shadow que tratava-se de overdose de opiáceos, ao passo que comenta que a suposta morte há anos acometia jovens negros, uma dura crítica ao tratamento dado pelos representantes da polícia.

American Gods
Bilquis (Yetide Badaki) e Ruby Goodchild (Mouna Traoré), ao fundo (Imagem: reprodução)

Sozinha, sem sequer um membro vivo da família, Ruby comenta com o reverendo Hutchins (Glynn Turman) sobre sua vontade de sair de Cairo. Durante o velório de Jamarr, todos os deuses de origem africana aparecem na capela e ouvem Hutchins contar, em um discurso emocionado, que, por mais doloroso que tenha sido a vida em Cairo, os moradores negros da cidade recorriam com frequência à igreja para, além de conectarem-se ao divino, resistirem e lutarem pelo direito de existirem. Assim, ele incentiva Ruby a sair da cidade e a encontrar um lugar melhor para viver.

Ainda em “Os Caminhos dos Mortos”, Salim (Omid Abtahi) e Jinn (Mousa Kraish) conversam sobre as fés monoteístas e politeístas que nutrem, Mr. Wednesday tenta convencer Salim a venerá-lo, o qual se nega por ser fiel a apenas um deus, Mad Sweeney (Pablo Schreiber) e Laura (Emily Browning) vão à Nova Orleans encontrar Baron Samedi (Mustafa Shakir) e Maman Brigitte (Hani Furstenberg) para, de alguma forma, devolverem a vida ao corpo de Laura.

De fato, a segunda temporada de “American Gods” anda acertando o tom de seu texto, levando-o para além do teor fantástico corriqueiro. Através de recortes raciais muito importantes, a série demonstra cada vez mais sua relevância ao promover nos espectadores um olhar mais aguçado e crítico para com a sociedade, por vezes hostil, que os cerca.

Confira, abaixo, o teaser do próximo episódio, “Donar, the Great”:


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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