[SÉRIE] American Gods – 1×01: The Bone Orchard (Resenha)

[SÉRIE] American Gods – 1×01: The Bone Orchard (Resenha)

Ontem, dia 30 de abril, estreou a série American Gods, baseada na aclamada obra de Neil Gaiman. Com produção de Bryan Fuller (Hannibal) e Michael Green (Logan), está sendo exibida pelo canal estadunidense Starz (o mesmo de Outlander) e, no Brasil, pelo serviço de streaming Amazon Prime Video. Nesta resenha haverá spoilers sinalizados comparando pontos importantes do livro e do primeiro episódio, The Bone Orchard. Mas, primeiramente, seguem algumas considerações gerais sobre clima que a trama, já nos primeiros minutos, soube transparecer ao espectador.

Depois de muitos anos de espera, os fãs de Neil Gaiman poderão desfrutar desta obra cheia de camadas e nuances, agora na tela da TV. A mitologia sempre serviu de acalento para os corações curiosos em busca de respostas para fenômenos incompreendidos e paz interior. Por mais que a sociedade atual tenha perdido muito da magia da ancestralidade no ato de cultuar deuses e rituais de inícios e términos de ciclos, Gaiman expõe que as adorações agora vivem camufladas na forma como o indivíduo se comporta, no que assiste, lê e ama. A sociedade respira o mito, dança com ele em seu cotidiano e, com ele e por ele ele, forma seu caráter.

American Gods cativa à primeira vista já pela abertura. Uma mistura caleidoscópica de espírito ancestral dos deuses do Velho Mundo com uma visão das tecnologias presentes na contemporaneidade entrega à espectadora o tom do que está por vir. Junto a uma música de fundo, uma versão de Immigrant Song (Led Zeppelin) que ora remete a cânticos tribais, ora parte para o lado techno, com sintetizadores, o espectador não sabe onde começam e onde terminam as duas ramificações das deidades abordadas na série: os Velhos Deuses e os Novos Deuses. A estética da abertura é muito rica em detalhes e a paleta de cores é de encher os olhos:

Série American Gods

Série American Gods

Série American Gods
Ao final da abertura, todas as vertentes mitológicas formam um totem que culmina na águia, símbolo dos Estados Unidos, uma metáfora para a construção cultural do país.

O primeiro episódio, The Bone Orchard (“O Pomar de Ossos”, em tradução livre) introduz a maneira como os imigrantes trouxeram para o Ocidente suas crenças e ritos de adoração, em uma sequência de tirar o fôlego. A produção da série não poupa sangue e dilacerações nas cenas de batalha, transpassando o ar cômico e caricato do ato e transformando-o em arte.

Fora este fator, que serve para nortear a espectadora na importância da mitologia, tanto para os humanos, quanto para os próprios deuses que sobrevivem de suas adorações, introduz-se também as personagens principais e fundamentais para a trama: Shadow Moon (Ricky Whittle) está incomodado com a sensação de uma tempestade à caminho.

O clima na prisão anda pesado e, em seu coração, o protagonista sente que algo ruim está para acontecer (o que é corroborado por uma série de sonhos incompreensíveis, com uma floresta de ossos, uma árvore frondosa e um búfalo de olhos flamejantes). E, de fato, acontece: Shadow, que passara três anos preso e está a cinco dias de voltar à sua vida antiga, recebe a tão sonhada liberdade após descobrir uma tragédia ocorrida em casa. Sua esposa, Laura Moon (Emily Browning), havia falecido em um acidente de carro.

Ainda em choque com a notícia, Shadow arruma sua pouca bagagem e parte para Eagle Point, cidade em que vivera, a fim de se despedir da amada. No voo para casa, conhece o misterioso Mr. Wednesday (Ian McShane), que trata logo de saber um pouco sobre a vida do homem e oferecer-lhe um emprego, o qual Shadow não aceita, por já ter se comprometido a trabalhar para o amigo, Robbie (Dane Cook). Ian McShane e Ricky Whittle possuem química desde as primeiras interações. Fica fácil perceber que, mesmo muito opostos, as personagens se complementarão ao longo da série. Shadow, que no livro é calado e mais apático à morte da esposa, na série mostra-se incomodado e em pânico com a falta de perspectiva que o futuro estava lhe prometendo.

Série American Gods
Mr. Wednesday (Ian McShane) e Shadow Moon (Ricky Whittle).

Outras personagens importantes são apresentadas rapidamente: Mr. Íbis (Demore Barnes), Mad Sweeney (Pablo Schreiber), Bilquis (Yetide Badaki), Low Key Lyesmith (Jonathan Tucker) e o Technical Boy (Bruce Langley). Mesmo com aparições curtas, todos eles estão muito bem em seus papéis (até mesmo o Technical Boy que, no livro, é uma personagem deveras irritante).

A série seguirá o padrão estrutural do livro. Entre alguns capítulos protagonizados por Shadow há alguns relatos intitulados “Vinda à América” e “Algum Lugar nos Estados Unidos”. No primeiro, mostram-se flashbacks de imigrantes chegando ao território do Estados Unidos, trazendo consigo seus deuses e rituais e, no segundo, os deuses milenares são introduzidos como sobreviventes de uma sociedade que já não os adora como antigamente e, para adquirirem poder, têm de assumir empregos como qualquer outro ser humano. Estes excertos servem de pausa para a trama central, instigando a leitora a continuar desbravando o mundo de Shadow e os ganchos deixados nos capítulos anteriores da obra. Já no primeiro episódio, pode-se ter um vislumbre de como será a mecânica dos “respiros” no núcleo de Shadow.

Série American Gods
Shadow e Mad Sweeney (Pablo Schreiber).
Série American Gods
Bilquis (Yetide Badaki).

Série American Gods

American Gods é uma série que promete diversas surpresas e emoções e, numa visão panorâmica, observa-se que a trama será entregue aos poucos; o livro dará muito material para que se chegue, pelo menos, até a metade da história nesta primeira temporada, se o ritmo continuar como o do primeiro episódio. Os recursos de roteiro não deixarão os episódios lentos (alguns capítulos do livro são arrastados), pelo contrário: há dinâmica e, mesmo os diálogos, prendem as espectadoras do início ao fim (as interações, até mesmo de personagens secundárias, estão formidáveis).

Os produtores e Gaiman prometeram que a representatividade feminina aparecerá com muita força ao longo da série. As mulheres, mortais ou deusas, possuem papel fundamental no livro e será extraordinário enxergá-las com destaque também na adaptação para a TV. Bilquis abre o time de personagens fixas arrebatadoras. Alguns aspectos importantes que abrilhantaram a série devem ser mencionados. Para tanto, constarão muitos spoilers abaixo:

[SPOILERS DE THE BONE ORCHARD]

Mr. Íbis, o deus egípcio Thot (deus da sabedoria e da escrita), abre a série escrevendo em um grande livro acerca da chegada de guerreiros vikings em território estadunidense (no livro, o deus conta a Shadow que a escrita é um de seus hobbies). Pensando encontrar uma terra farta, foram recebido por moscas, fome e morte. Logo, decidiram voltar, mas sem vento para velejarem, iniciam uma série de rituais e sacrifícios ao Pai de Todos, Odin, a fim de conseguirem o que queriam. Para tanto, esculpem um totem do deus, mas o deixam na praia e essa é a história de como Odin chegou aos Estados Unidos.

Muito se questionou acerca da cena em que Bilquis, a deusa africana do amor, “devora” um homem pela vagina durante a relação sexual. Essa cena aconteceu. Mudou-se apenas o contexto de como a deusa e o homem se encontram (no livro, Bilquis trabalha como prostituta e o homem é um de seus clientes; já na série colocaram-na em um encontro às cegas com um pretendente de aplicativos de relacionamento). A beleza da cena, não apenas o cenário, um quarto vermelho estruturado como um altar, encanta: Bilquis conduz o ato, em que pede para o homem venerá-la, de maneira muito poética. Yetide Badaki transpassa sensualidade e desespero pelo sacrifício apenas pelo olhar. Ao engoli-lo, fica gigantesca em presença, o que torna a cena surreal e magnífica, mostrando todo o potencial que, tanto a personagem quanto a atriz possuem.

Mad Sweeney também é uma das personagens mais cativantes da série. O leprechaun que, ao contrário da figura difundida oralmente, possui estatura gigantesca, incita Shadow para uma briga em um bar, em troco de ensiná-lo seu truque com moedas. Muito pacífico, Shadow recusa a proposta, mas acaba se envolvendo no combate quando Mad insulta Laura (e é no bar que o protagonista descobre que Robbie, seu amigo, também havia morrido no acidente de carro). O envolvimento de Shadow na briga serve de válvula de escape para todo o sofrimento acumulado, o qual o homem não sabia como extravasar.

Assim que Shadow sai do enterro de Laura, após uma discussão pesada com a esposa de Robbie, Audrey (Bett Gilpin), é pego pelo Technical Boy e seus capangas. Após afirmar que passou a trabalhar para Wednesday, inimigo do garoto, o mesmo pede para que seus capangas espanquem Shadow. A cena recria o início de Laranja Mecânica, na qual a gangue de Alex mata a pontapés um senhor que dorme embaixo da ponte. O visual do Technical Boy da série difere do mostrado no livro, uma vez que a obra foi escrita na virada do século e os computadores ainda possuíam telas pretas e letras verdes – isso foi trocado por um visual mais hipster, diferente do ar soturno do Technical Boy do livro.

A série segue muito bem o realismo fantástico da escrita de Gaiman. Em dado momento, quando Shadow se recolhe na cela para dormir, vê uma das paredes desmoronar e deseja bons sonhos a Laura. Onírico e real andam de mãos dadas, assim como no livro.

Leia Também:

>> Deuses Americanos: A mitologia como berço fantástico das civilizações

>> Sherlock: Como NÃO criar Personagens Femininas

>> Big Little Lies: 7 razões para ver a adaptação

[FIM DOS SPOILERS DE THE BONE ORCHARD

Como veredicto, a série, sendo analisada e elencada pela crítica como uma das mais importantes do ano, mostra-se envolvente e empolgante em 1H do primeiro capítulo (que passa voando, diga-se de passagem). Quais surpresas deuses, deusas e mortais ainda trarão ao público? A série será exibida todos os domingos no canal Starz e, do domingo para a segunda, pela Amazon Prime Video, no Brasil, nas opções dublado e legendado. Acompanhe nossas análises, capítulo por capítulo, semanalmente.


Deuses AmericanosDeuses Americanos

Editora Intrínseca

Ano de publicação: 2011.

574 páginas

Onde comprar: Amazon

 


Mês Geek na Amazon: Ofertas durante todo o mês de maio na categoria nerd/geek

American Gods e 50% de desconto em eBooks do Neil Gaiman

Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
Veja todos os textos
Follow Me :