Outlander: choque cultural, viagem no tempo e a força da mulher

Outlander: choque cultural, viagem no tempo e a força da mulher

Outlander conta a história de uma viajante no tempo chamada Claire. A série foge do convencional, não se passa nos dias atuais, e sim em 1945, quando a viagem no tempo acontece e a protagonista para no ano de 1743. O que Claire tem como exemplo ou modelo é o que ela tinha acesso em 1945, ou seja, o espectador não tem a mesma referência de vida que ela, já que vivemos em anos diferentes, mas também em um século diferente do dela. Mas não só isso torna Outlander uma série peculiar. 

Outlander foi criada por Ronald D. Moore e baseada na obra de Diana Gabaldon. A série é exibida pelo canal Starz e conta com duas temporadas completas, ambas estão disponíveis na Netflix

Contexto histórico de Outlander

Os levantes jacobitas foram uma série de insurreições, rebeliões e batalhas nos reinos da Inglaterra, Escócia e Irlanda, ocorridas entre 1688 e 1746. As insurreições tinham o objetivo de reconduzir Jaime II de Inglaterra, e mais tarde os descendentes da Casa de Stuart para o trono, após este ter sido deposto pelo Parlamento durante a Revolução Gloriosa. A origem do nome da série de conflitos está em Jacobus, a forma latina do nome inglês James.

Os maiores levantes jacobitas foram chamados de “rebeliões jacobitas” pelos governos da época. A Primeira Rebelião Jacobita e a Segunda Rebelião Jacobita ficaram conhecidas respectivamente como “A Quinze” e “A Quarenta e Cinco”, devido aos anos nos quais elas ocorreram (1715 e 1745). Apesar de cada levante jacobita ter características únicas, eles foram parte de uma série maior de campanhas militares dos jacobitas, a chamada Guerra Jacobita, na tentativa de reconduzir os reis Stuart aos tronos da Escócia e Inglaterra (e após 1707, a Grã-Bretanha).

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Jaime II de Inglaterra (Jaime VII da Escócia) foi deposto em 1688, e os tronos foram reclamados por sua filha Maria II de Inglaterra conjuntamente com seu marido, o neerlandês Guilherme III de Inglaterra. Após a Casa de Hanôver ter sucedido ao trono britânico em 1714, os levantes prosseguiram e se intensificaram até a última rebelião jacobita (“a quarenta e cinco”), conduzida por Carlos Eduardo Stuart, que foi incontestavelmente derrotado na Batalha de Culloden em 1746, o que acabou com qualquer esperança realística de uma restauração Stuart. 

A Batalha de Culloden de 1746, entre as tropas do governo britânico e os rebeldes jacobitas, ocorreu no pântano de Culloden (Culloden Muir, também conhecido como Drummossie Muir) perto de Inverness, na Escócia, e terminou com uma vitória para as tropas do governo inglês. Os jacobitas, fiéis ao jovem pretendente ao trono, foram derrotados por cerca de 9 mil soldados, fiéis à casa de Hanôver, comandados pelo Duque de Cumberland. A causa jacobita foi aniquilada, e a constituição de clans e o uso do tartan foram proibidos por mais de 100 anos.

A série (contém spoilers da 1ª temporada)

Outlander conta a história de Claire Beauchamp Randall/Fraser (Caitriona Balfe), uma enfermeira no período da Segunda Guerra em 1945. Após ficar longe do marido Frank (Tobias Menzies) por causa da guerra, os dois resolvem fazer uma segunda lua de mel na Escócia, e Frank aproveita também para levantar mais informações naquele país sobre seu antepassado, o capitão Jonathan “Black Jack” Randall (Tobias Menzies). Após assistir escondido um ritual, Claire resolve voltar ao local, e por meio de magia, viaja 200 anos no tempo e cai no ano de 1743 – o período que a série começa.

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Outlander é uma série que traz grande destaque na representação e força feminina. Liderada pela protagonista Claire, uma mulher sagaz, inteligente e muito segura de si, trata de assuntos complexos como o estupro, mas com uma abordagem totalmente diferente de como estamos acostumados a ver. Claire foge dos padrões para quem vivia na década de 1940. Era independente (o que não era comum) e do tipo que expõe sua opinião, decisões e seus desejos de forma bem incisiva.

A história é contada sob o ponto de vista de Claire, mas ela não é apresentada como fraca ou frágil, mas apenas vulnerável à cultura e época, pois conhecia o período somente através de pesquisas e estudos. Algumas coisas apresentadas na série fogem do padrão machista que conhecemos e vemos em séries, filmes e livros, principalmente sobre sexo. Claire é do tipo de mulher que se impõe, e logo adiante citaremos alguns exemplos:

– No começo da série Claire e Frank estão em um castelo abandonado, e após um tour no local, chegam a uma espécie de porão na parte de baixo dele. Ela senta em uma mesa, olha para Frank e ele entende que ela está afim de transar ali mesmo. Já imaginamos uma clássica cena de sexo, porém, para nossa surpresa, ele resolve fazer sexo oral nela;

– Saindo um pouco do campo do sexo, Claire não é tratada e nem tem vida donzela em perigo no castelo. Ela mostra que tem conhecimentos de medicina e acaba se tornando curandeira dos moradores da região, ou seja, tem uma função muito importante naquela sociedade;

– Claire não se intimida na presença dos homens na série. Independente da hierarquia e do poder dos homens, se ela pretende argumentar e se posicionar sobre algo, ela o faz; e se for necessário, os enfrenta independentemente de quais sejam as consequências de seus atos.

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No elenco feminino, além de Claire, duas outras personagens merecem destaque por sua força e pelo talento das atrizes que as interpretam: Geillis Duncan (Lotte Verbeek) que também é uma curandeira e acaba se tornando amiga de Claire e Jenny Fraser (Laura Donnelly) irmã de Jamie, que cuida de todos os negócios da família desde que o irmão foi obrigado a fugir de Lallybroch.

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Jenny Fraser (Laura Donnelly)
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Geillis Duncan (Lotte Verbeek)

A série coloca em evidência mais para o final da temporada uma situação um tanto quanto incomum de se ver em filmes e seriados: o estupro sofrido por um homem. É uma inversão de papéis, já que sabemos que em obras tanto para TV ou cinema o estupro de mulheres ainda é extremamente explorado, e na maioria das vezes de uma forma bem abusiva, como o caso das discussões que a série Game of Thrones trouxe nos últimos anos.

Jamie Fraser (Sam Heughan) é condenado à forca, mas minutos antes disso acontecer Black Jack Randall aparece e impede o ocorrido. Randall pede que Jamie seja enviado a uma das masmorras e consegue o que queria, mantendo Jamie preso e com livre acesso ao rapaz. Jamie então passa a ser torturado fisicamente e psicologicamente, assediado e depois estuprado. Claro, isso traz consequências horríveis para o emocional de Jamie, as lembranças, a dor, até chegar no desejo de tirar a própria vida por não conseguir lidar com tamanho sofrimento.

Black Jack Randall (Tobias Menzies), Claire Fraser (Caitriona Balfe) e Jamie Fraser (Sam Heughan)

Sabemos que as mulheres são as grandes vítimas de estupro e os dados a respeito continuam assustadores, mas a ideia de colocar um homem vivenciando uma situação tão traumática e cruel, que muitas mulheres vivem e que é tão frequentemente apresentada em obras de ficção, é uma espécie de inversão de papéis e faz com que a espectadora observe aquela situação com um outro olhar, e, assim, analise o quão horrível é tudo aquilo que ele está vivendo.

Jamie não mereceu passar por tamanha violência, ele não fez nada e não pediu por aquilo; ele foi forçado, mas recebeu apoio, cuidados e não foi questionado pelos companheiros sobre o que de fato aconteceu na masmorra. Mas e se tivesse sido com Claire? Se Randall tivesse estuprado ela na floresta, os companheiros teriam sido tão complacentes? Não teriam culpado a moça por estar sozinha naquele local, sendo que ela estava perdida; ou dito que estava quase sem roupa, só porque estava com um vestido que para eles em 1743 parecia uma roupa de baixo?

Hoje discutimos o porquê da mulher sempre ser questionada quando sofre algum tipo de violência. A culpa é sempre dela e não do agressor. Na sequência entre Jamie e Black Jack sabemos que a culpa do que aconteceu não é de Jamie, porque temos certeza que Black Jack é um homem sem escrúpulos e que faz o que bem entender para ter o que quer e como quer; ele não enxerga o sofrimento da outra pessoa, apenas o seu próprio prazer em realizar o que deseja. Trazendo isso para os dias atuais, é assim que casos de estupro de mulheres deveria ser tratado, mas infelizmente não é o que vemos.

Escrito por:

Formada em Rádio e TV, maratonista e viciada em séries, eterna amante de um bom filme, escreve desde quando só conseguia usar desenhos para contar suas histórias, apaixonada por “Titanic” e uma quase bailarina que aprendeu muita coreografia em clipe da MTV. Sonha em morar no Canadá, escrever um livro, ter filhos, ser doula e conseguir colocar suas séries em dia.
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