The Boys: 2ª temporada traz a crítica que o feminismo branco precisava

The Boys: 2ª temporada traz a crítica que o feminismo branco precisava

No IMDB, a série The Boys do Amazon Prime Video é definida como uma comédia de ação e crime, apesar de sua quase uma hora de duração por episódio. Ao assistir o piloto encontramos uma situação típica do que acostumamos a ver depois de décadas de filmes de super heróis, além de toda a saga Marvel e principalmente Liga da Justiça.

No piloto, Homelander (Antony Starr), uma mistura de Super Homem e Ken da Barbie, junto com sua parceira Queen Maeve (Dominique McElligott), impedem a fuga de ladrões de um banco. A ação é rápida e absurda e os bandidos são sempre mortos ao mesmo tempo em que tudo é televisionado.

The Boys foi criada por Eric Kripke, o mesmo criador de Supernatural, e adaptada da HQ de Garth Ennis e Darick Roberson, com mesmo nome. Também tem como produtor Seth Rogen, que chega a fazer algumas participações especiais.

Aviso: este texto contém spoilers da 1ª temporada de The Boys
Os supes do The Seven - The Boys
Os supes do The Seven | Imagem: divulgação/Prime Video

Da visão desses heróis fantásticos vamos para o super ordinário Hughie (Jack Quaid) enquanto cria coragem para pedir um aumento ao seu chefe na loja de eletrônicos em que trabalha. Ele não é bem sucedido na tentativa e na sequência recebe sua namorada, Robin (Jess Salgueiro), que tenta encorajá-lo a ter mais atitude.

Eles conversam como todo casal, fazem planos de morarem juntos e entendemos que Hughie tem uma vida comum, porém boa. Logo em seguida, enquanto caminha pela rua, Robin é atropelada por A-train (Jessie T. Usher), outro parceiro de Homelander, a ponto dos pedaços e tripas de Robin espirrarem no rosto do pobre Hughie. Isso é The Boys

Hughie x a masculinidade tóxica de Butcher

Quase chegamos a pensar que Hughie é um desses personagens que apenas aparece para contextualizar a história e trazer informação de arco dos reais protagonistas, mas ele é, na verdade, o protagonista. Após a morte de Robin, ele é procurado por Butcher (Karl Urban), que também busca vingança, e os eventos escalonam até o ponto em que Hughie entra para o bando dos Boys. As cenas cada vez mais bizarras e sanguinárias nos fazem lembrar do tom de outra série saudosa, True Blood, da HBO.

A série de 2008, criada por Alan Boll (Six feet under), se passava na pacata Bon Temps Luisiana e era hilário o contraste dos red necks com os vampiros extremamente sexuais e mortíferos que frequentavam o bar do Sam Merotte, algumas vezes apenas para tomar o sangue artificial criado pelos japoneses e vendido em latinhas.

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The Boys é ainda mais bem sucedida não somente na clara sátira capitalista e ao mercado de celebridades, do início ao fim, mas também, diferente de True Blood, que acabou perpetuando estereótipos de raça, The Boys parte de uma base muito consolidada em seu posicionamento de minorias, inclusive fazendo sátira de como o mercado se aproveita do discurso superficial das minorias para ganhar mais dinheiro.

True Blood
Poster de True Blood | Imagem: divulgação/HBO

Hughie, ousamos dizer ser talvez o último branco hétero realmente bom da ficção atual e que cuida das pessoas a sua volta, é constante e consegue manter a sua pedra fundamental e moral ainda intacta, depois dos mais diversos revezes narrativos. Sua sombra é o amargurado Butcher, o líder desses vira latas e outsiders que pretendem, sozinhos e ferrados, derrubar a máquina da Vought Internacional, empresa que patrocina e reproduz os super heróis, ou supes, como são conhecidos.

Butcher é a personificação da masculinidade tóxica, sempre vingativo, fazendo uso da força e pronto para a briga, com a desculpa de que precisa descobrir o que aconteceu com sua esposa Becca (Shantel VanSanten). Somente na segunda temporada conseguimos visualizar um pouco das suas questões internas e delinear um pouco mais desse personagem complexo.

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Hughie, Mother's Milk, Butcher e Franchie em cena de The Boys
Hughie, Mother’s Milk, Butcher e Franchie em cena de The Boys | Imagem: reprodução/Prime Video

Também como contraponto a Butcher, temos o adorável Mother’s Milk (Laz Alonso) –  melhor nome de personagem -, um pai de família que adora assistir Downtown Abbey com a esposa, mas também quer justiça pelo pai, ex-empregado da Vought.

Franchie (Tomer Capon) é uma espécie de Jesse Pinkman, de Breaking Bad, totalmente passional, perdido e viciado. É impossível não torcer por ele, ainda mais depois de acompanharmos o assassino meticuloso que é e passarmos a enxergar sua faceta mais vulnerável quando eles salvam Kimiko (Karen Fukuhara), uma supe  com força sobre-humana.

The Seven e a elite decadente dos heróis

The Boys
The Boys | Imagem: divulgação/Prime Video

Os Seven são o produto hero da Vought, formados por Homelander, Maeve, Black Noir (Nathan Mitchell), Translucid (Alex Hassell), The Deep (Chace Crawford) e a mais nova integrante e par romântico de Hughie, Starlight (Erin Moriarty). Annie, quando não está com seu uniforme branco ora minúsculo, ora normal, como prefere, é realmente uma jovem que quer ajudar as pessoas. No entanto, uma vez que é admitida nos Seven, é assediada e estuprada pelo patético The Deep, além de perceber que o lugar que sonhava é, na verdade, sem propósito e megalomaníaco.

O interessante dos Seven é que eles nunca são colocados totalmente como vilões, mas como marionetes nas mãos dos executivos, principalmente de Madelyn Stillwell, interpretada pela incrível Elisabeth Shue.

O líder dos Seven é Homelander, que ao mesmo tempo em que é o homem mais poderoso do planeta, é também um garotinho acuado e carente, criado em laboratório. Starr é incrível no papel e é maravilhoso assisti-lo revelar as características contrastantes de Homelander em cena, além de muito engraçado.

No geral, The Boys é sobre contrastes: um embate de um jovem comum que assume sua vulnerabilidade x um homem extraordinário que precisa ser o que todos esperam. Não restam dúvidas sobre quem deles é o mais poderoso e esse é o ponto mais interessante da série. 

Madelyn Stillwell e Homelander em cena de The Boys
Madelyn Stillwell e Homelander em cena de The Boys | Imagem: reprodução/Prime Video

A 2ª temporada é da Stormfront

Os Seven vão caindo um a um na 1ª temporada ao mesmo tempo em que, apesar dos grandes desafios, o bando de Butcher obtém algumas vitórias. É sofrido assistir aos cinco outsiders arregaçarem suas mangas contra uma corporação demoníaca e seus heróis. Em vários momentos pensamos que o objetivo deles é impossível e isso nos prende muito a narrativa. Na 2ª temporada, Starlight é praticamente um agente duplo trabalhando para destruir a Vought.

Translucid está assumidamente morto, The Deep foi retirado da equipe pelo exposed de Starlight e A-train já não é mais o mesmo depois da morte da namorada. O grupo desfalcado e também sem a liderança de Stillwell, assassinada por seu pupilo/amante, segue aos mandos estritamente empresariais do novo chefe, Stan Edgar (Giancarlo Esposito). Esposito praticamente repete seu papel de Breaking Bad como Gus Fring, não sei se intencionalmente (não dá pra duvidar sendo The Boys) – e é na busca por trazer novos talentos para o Seven que ele traz Stormfront (Aya Cash).

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Com a entrada de Stormfront, acompanhamos o plano do time de marketing da Vought, que estamos cansadas de acompanhar, indo na onda do empoderamento partindo da ideia de uma parceria no trio formado por ela, Maeve e Starlight na linha do “lute como uma garota”.

Stormfront tem um arco muito interessante, vindo nos primeiros episódios como autêntica e corajosa, contra a corrente. Chega até mesmo a desafiar o perigoso Homelander, mas aos poucos vamos entendendo que ela é até mais cruel e perigosa que o líder dos Seven ao assassinar o irmão de Kimiko e ofendê-lo racialmente.

Homelander e Stormfront em uma das melhores cenas de sexo da TV
Homelander e Stormfront em uma das melhores cenas de sexo da TV |Imagem: reprodução/Prime Video

Neste momento, compreendemos sua intenção em relação aos comentários que fazia sobre “eles”, que fica dúbio, a princípio, porque parece se referir a quem não tem poderes. Porém, começa a tomar o contorno de que sua luta é contra pessoas não brancas. The Boys, portanto, faz com que nos importemos com essa mulher livre, super poderosa e bem sucedida para depois virar o jogo e escancarar que a feminista branca liberal, na verdade, não passa de uma nazista – literalmente.

A antropóloga brasileira Lélia Gonzalez debateu muito sobre o tema em sua vida. Quando a autora argumentou que não se sentia a vontade em ser nomeada como feminista dentro de um conceito europeizado, ela se referia as lacunas do movimento, onde mulheres negras não estavam incluídas – e é difícil assumir que elas estejam hoje em dia. No livro Lugar de Negro ela fala um pouco sobre essa questão: “analisamos também a situação da mulher negra enquanto empregada doméstica no quadro da reprodução do racismo (inclusive por parte de muitas militantes brancas do movimento de mulheres)”.

Season finale e o que esperar da 3ª temporada

Tudo acontece na 2ª temporada e a série que foi aclamada pela crítica e pelo público na primeira, tem quase 100% de aprovação na última. Becca é reencontrada na season finale da primeira temporada quando conhecemos seu filho, nascido do estupro de Homelander – e por isso acompanhamos a tentativa frustrada de Butcher de se livrar do menino que ele vê apenas como outro supe; Starlight e Hughie têm algumas recaídas; The Deep se une a um culto à la cientologia; e até A-train une forças com o bando para desbancar a nazista, que agora lidera os Seven lado a lado com seu novo amante, Homelander. 

Butcher e o filho de Becca na season finale da 2ª temporada
Butcher e o filho de Becca na season finale da 2ª temporada | Imagem: reprodução/Prime Video.

No último episódio da segunda temporada assistimos, não sem deleite, Stormfront levar uma surra de Maeve, Starlight e Kimiko para depois ser frita pelo “enteado”, Ryan, filho de Homelander. Para defender-se, o menino acaba acertando sua mãe, que morre deixando a criança aos cuidados de Butcher, a quem Becca implora que cuide do filho. Como se não fosse o bastante, descobrimos que o super que estoura a cabeça das pessoas é, na realidade, a congressista Neuman (Claudia Doumit).

A terceira temporada já tinha sido renovada ainda na época da 2ª e enfrenta algumas incertezas por conta da pandemia da COVID-19, mas de qualquer forma os executivos estão otimistas e ainda acreditam que teremos sua estreia ainda em 2021, com a adição de novos personagens, como Soldier Boy, interpretado pelo astro de Supernatural, Jensen Ackles. Eric Kripke também já confirmou que vai rolar uma orgia dos heróis chamada herogasm. Quando falamos de The Boys, podemos esperar tudo!


Revisão realizada por Gabriela Prado.

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Jacu metropolitana com mente abstrata, salva da realidade pelas ficções. Formada em comunicação social, publicitária em atividade e estudante de Filosofia. Mais de trinta anos sem nunca deixar comida no prato.
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