Dirigido por Gillian Armstrong, My Brilliant Career é um filme de 1979 baseado no livro homônimo de Miles Franklin. O drama acompanha a história de Sybylla (Judy Davis), uma jovem de personalidade forte e que sonha com uma vida permeada pela cultura. Situada na Austrália, no final da era vitoriana, a história permeia a vida rural e a alta burguesia do país.
Embora o filme possua um enredo muito semelhante aos muitos romances vitorianos de protagonismo feminino, o contexto da sociedade australiana do século XIX apresenta o diferencial. Esse contexto é tão personagem quanto Sybylla, quando sutilmente discute alguns temas como costumes, opressão de gênero e condições de vida.
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Sonhos absortos
O público é introduzido à Sybylla enquanto ela trabalha em seu manuscrito. Desde o princípio a jovem está consciente de seu egocentrismo, de sua assertividade e de seu anseio por uma vida intelectual. Em contrapartida aos seus sonhos, sua família a vê como um fardo. A seca e as dívidas trouxeram inúmeras dificuldades para os pais de Sybylla, fazendo com que necessitem dos trabalhos e da ajuda da filha.
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Se a jovem tem razão em cultivar sonhos, a preocupação da família por seu egoísmo não é infundada. Sybylla, a princípio, almeja uma vida que não é apenas intelectual, mas também abastada. Ela deseja uma carreira nas artes que seus pais não possuem condições de sustentar.
Durante o tempo em que está com sua família, ela está alheia ao mundo que parece ruir ao seu redor. A aparente salvação de Sybylla vem na forma de uma carta de sua avó materna. A senhora Bossier (Aileen Britton), no entanto, não deseja dar à jovem a carreira artística que ela sonhou, mas transformá-la em uma dama.
Pássaro trancafiado
O convite para ir viver com sua avó transporta a jovem para uma vida de luxo, muito diferente da situação na qual se encontrava com sua família. Apesar da inicial diversão, Sybylla tem questionamentos e anseios a respeito do mundo e de si mesma.
Em conversa com sua tia Helen (Wendy Hughes) ela revela não gostar de sua própria aparência. Diversos comentários ao longo do filme também reforçam que as pessoas que a cercam não a acham bonita. Apesar dos grandes sonhos, Sybylla ainda é uma jovem normal, com inseguranças que são reforçadas pela sociedade que a cerca.
As mulheres da vida de Sybylla estão todas conformadas com as imposições do sexismo, embora também estejam cientes delas. Elas não veem a revolta da jovem como algo completamente novo, mas frequentemente alertam para o sofrimento que acompanhará seu inconformismo. A própria tia Helen sofre por ter sido abandonada pelo esposo, e Sybylla a alerta que não deve sentir vergonha por algo que não é sua culpa. Ainda assim, Helen encontra-se resignada.
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As certezas de Sybylla são abaladas por seu romance com Harry Beecham (Sam Neil), que deseja casar-se com ela. A primeira interação dos dois personagens no filme é quase um assédio e, embora o desenrolar da história mostre um amadurecimento de ambos na relação, em alguns momentos do filme Harry é controlador com Sybylla.
O tempo que a jovem passa na propriedade da tia de Harry, Gussie (Patricia Kennedy), é bastante decisivo para o desenvolvimento desse romance. Gussie também acaba simpatizando com Sybylla. Em um determinado momento, ela mostra para a jovem seu viveiro de pássaros, e Sybylla reflete sobre inação dos animais para com o mundo. Eles não precisam lutar pela sobrevivência, mas vivem na mais pura inércia. Belos, seguros e trancafiados, tal como Sybylla em sua vida na alta sociedade.

A carreira brilhante de Sybylla
A vida de luxo e segurança de Sybylla logo acaba, contra a sua vontade, quando seus pais contraem uma dívida com uma família da região. A forma que encontraram para quitar a dívida é oferecendo os trabalhos de Sybylla como governanta para os filhos do casal. A jovem passa então a conviver de perto com as dificuldades de uma família que sofre com péssimas condições de vida.
Apesar das desavenças, ela consegue ensinar as crianças a ler usando jornais colados nas paredes da casa. O contraste entre a vida burguesa e os sofrimentos das famílias trabalhadoras mudam a percepção de Sybylla a respeito do mundo. Quando se reencontra com Harry, ela está pronta para admitir que parte dos problemas também estavam nela.
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O contraste também é aparente entre a introdução de Sybylla no filme, escrevendo sobre si própria, alheia às dificuldades da família, e suas cenas finais, trabalhando e ajudando nas tarefas do campo.
O processo de humanização da personagem é essencial para mostrar que o empoderamento feminino, quando egoísta, é vazio e raso. Sybylla possuía um contexto familiar de dificuldades sociais, e ela decide usar sua voz e seus talentos para contar uma história que não é somente dela, mas das pessoas de seu convívio também.
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Apesar de adquirir uma consciência altruísta, ela não volta atrás com relação às suas percepções a respeito do casamento. Pelo contrário, a maturidade a permite compreender que sua relação com Harry não seria saudável, e que a vida que a aguardava ao lado dele não seria o suficiente para sua felicidade.
A brilhante carreira de Sybylla não é uma jornada por processos técnicos para evoluir na sua forma de fazer arte, mas sim uma evolução na sua percepção a respeito dos demais seres humanos ao seu redor. A protagonista encontra altruísmo e sua capacidade de ajudar outras pessoas sem, no entanto, perder sua essência. Dessa forma, My Brilliant Career é sobre encontrar a si mesma através do olhar sobre o outro.
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Se no princípio, Sybylla sonhava em viver a vida que lia nos livros, ela termina escrevendo um livro sobre a sua própria vida. A sociedade polida e burguesa que antes parecia um sonho distante, agora não se compara à realidade que é projetada na arte. A vida de Sybylla não é mais um sonho perfeito e romantizado, mas uma história sobre experiências verdadeiras, que incluem tanto o sofrimento das relações humanas quanto a dor das injustiças sociais.
Edição, revisão e arte em destaque por Isabelle Simões.