Shine – Uma chance de brilhar: o livro de estreia de Jessica Jung

Shine – Uma chance de brilhar: o livro de estreia de Jessica Jung

Ao conversar sobre literatura, comentemos sobre três títulos bem populares que circundam a Coreia do Sul: O Sol também é uma estrela, da Nicola Yoon, Frank e o Amor, do David Yoon (ele é esposo da Nicola!), e Um lugar só nosso, da Maurene Goo. As três obras abordam muito sobre a transição da adolescência para a vida adulta, o poder de escolha sobre a própria vida, e também a recepção de pessoas orientais fora da Ásia por ocidentais, o que, consequentemente, faz com que as obras abordem o racismo contra pessoas asiáticas.

Jessica Jung, k-pop idol do girl group "Girls' Generation"
Jessica Jung, k-pop idol do girl group Girls’ Generation | Foto: divulgação

Com isso, já podemos falar sobre a resenha do texto de hoje: Shine: Uma chance de brilhar, livro de estreia da renomada estrela do k-pop e ícone fashion, Jessica Jung.

Glossário:

  • Trainee: aquela pessoa que está treinando para estrear em um grupo/solo;
  • Debutar: lançar/estrear na carreira artística no k-pop;
  • Idol/idols: em tradução, é ídolo/ídolos, nesse caso, os artistas de k-pop;
  • Dramas: novelas/séries sul-coreanas.

Conheça a Ice Princess Jessica

Shine - Uma chance de brilhar, publicado pela Intrínseca
Foto: arquivo pessoal

A seguir, uma breve apresentação da autora, Jessica Jung, afinal, tanto ela quanto Rachel (a protagonista de Shine) são grandes nomes do k-pop.

Jessica nasceu em 18 de abril 1989, em São Francisco, Califórnia; ela é estadunidense, mas seus pais são sul-coreanos. Aos 11 anos, foi aceita para ser trainee na SM Entrertainment e, após sete anos de treinamento, debutou como vocalista principal do girl group Girls’ Generation.

Além de ser uma das principais vozes do grupo, Sica (como é carinhosamente chamada pelo fandom) era popular na Coreia, participando de eventos e programas de entretenimento. Também se tornou destaque e referência ascendente na alta moda coreana e ocidental. Infelizmente, em consequência às divergências de interesses entre a SM Entrertainment e Jessica, foi anunciada a sua saída do grupo de k-pop e da empresa em 2015.

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A partir desse momento, Jessica seguiu carreira solo. Apesar de ter lançado alguns trabalhos musicais, o seu foco foi na carreira de moda, com a sua marca de artigos de luxo Blanc & Eclare. Contudo, em 2020, Jessica anunciou que lançaria seu primeiro romance. Não obstante, tal livro conta a história de Rachel Kim, trainee também nascida nos EUA que sonha seguir uma carreira de sucesso no k-pop.

E por mais que Jessica já tenha declarado diversas vezes que tudo descrito no livro – e nos próximos dois livros – é ficção, é impossível não correlacionar os fatos descritos ali como histórias potencialmente biográficas.

Shine – uma chance de brilhar: conhecendo o antes do sucesso no k-pop

"Shine - Uma chance de brilhar" é o livro de estreia de Jessica Jung
Shine – Uma chance de brilhar é o livro de estreia de Jessica Jung. Imagens: reprodução

Shine chegou ao Brasil em outubro de 2020, com 366 páginas, trazendo uma narrativa que buscou expor os sonhos de seguir a carreira artística, mas também as inúmeras dificuldades que os traines inseridos no mundo do k-pop devem enfrentar. Além de anos de treinamento, aqueles que buscam estrelar em uma carreira artística de sucesso devem se submeter às diversas situações de humilhação, agressões e diversos sacrifícios enfrentados, principalmente àqueles nascidos fora da Coreia do Sul, como é o caso da protagonista, Rachel Kim.

Rachel tem 17 anos e treina na DB Entrertainment há quase sete anos. Ela é um dos destaques da empresa por seu talento no canto e sua potência vocal – e por ser estadunidense, o CEO e demais empresários de lá nutrem grande admiração por ela, afinal, “seu inglês é perfeito”. Contudo, apesar de vocalmente ela ser impecável, possui dificuldades diante das câmeras e seu desempenho em simulação de entrevistas e apresentações de shows deixa a desejar, e cai sobre ela esse tipo de cobrança no mundo do k-pop.

A história de Rachel será apresentada em uma trilogia. Neste primeiro livro é apresentada a relação da protagonista com sua família e a rotina de treinamento. Espera-se que nos próximos livros sejam discutidas as relações das artistas com a fama e fãs, além de explorar a relação de Rachel com a fama – e já foi garantida a adaptação do livro para os cinemas, sob responsabilidade da Netflix.

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Antes de retornarem para Seul, seus pais tinham uma carreira consolidada nos EUA: a mãe sendo professora regente na Universidade e seu pai com uma academia de artes marciais bem sucedida. Eles decidiram abrir mão de suas carreiras em solo americano e tiveram de se adaptar quando chegaram à Coreia. Por mais que não seja a mesma coisa, eles conseguiriam instituir uma boa qualidade de vida para as filhas.

A relação de Rachel com a mãe não é tão próxima, uma vez que sua mãe exige muito de seu desempenho escolar – o que afeta diretamente nos seus treinamentos na DB; por outro lado, a relação dela com o pai é bem afetiva e com a irmã caçula é com muita comunhão, amor e carinho.

Edição da Intrínseca de Shine
Edição da Intrínseca de Shine. Foto: arquivo pessoal

Devido à constante cobrança da mãe de Rachel em relação a seus estudos, a trainee teve de adaptar sua agenda de treinamento e ensaios: enquanto seus colegas de empresa ensaiavam o dia inteiro durante toda a semana, restava à Rachel apenas os fins de semana para o seu próprio treino.  Devido à essa adaptação – somada ao fato de Rachel não ser sul-coreana –, muitos dos outros trainees não só excluíam Rachel, como também a perseguiam, praticando intimidação com o discurso xenofóbico.

Esse núcleo da história busca discutir a toxicidade do ambiente de treinamento que existe na indústria do k-pop e que parte não dos superiores, mas entre aqueles que estão no mesmo nível entre si, os diversos jovens em busca de realizarem um sonho.

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Vale ressaltar que, apesar dos CEOs não aparecerem tanto nesse livro, as atitudes manipulativas e agressivas que eles tomam são apresentadas por meio das humilhações sofridas entre os treinos (no livro é mostrado até um caso de agressão). Professores e treinadores também abusam de poder ao perseguir trainees ao falar de aparência física ou cobrando algum desempenho impossível, uma vez que eles já estariam a um passo da exaustão física e não aguentariam ir além do próprio limite.

Personagens secundários com altas doses de estereótipos, mas ainda assim possíveis e reais

Além da protagonista Rachel, existem personagens secundários que ganham destaque no decorrer do livro por terem um brilho impossível de não se encantar – ou se irritar.

Leah é a irmã caçula de Rachel. Nela estão concentradas as principais características de uma pré-adolescente de 12 anos: apaixonada por seus artistas favoritos, sabe de todas as informações possíveis dos dramas e redentora das principais fofocas dos famosos da Coreia do Sul.

Ela é dona de um otimismo necessário para o desenvolvimento de Rachel. Apesar disso, ela é pouco solitária na  escola. Leah é vítima de bullying, por ser estadunidense e por ter uma irmã trainee de k-pop (e todos acharem que era uma mentira dela).

O outro personagem de extremo destaque, podendo até mesmo dividir o protagonismo, é o astro e cantor Jason Lee. Bonito, charmoso e extremamente talentoso, Jason é um dos maiores nomes da DB. Devido à sua posição de ser o maior astro de lá, ele tem muitos privilégios.

Porém, com ele temos as mais deliciosas cenas clichês de primeiros encontros a conversas profundas do prazer da intimidade e vulnerabilidade, principalmente por tanto Rachel quanto Jason serem norte-americanos.

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É possível interpretar o privilégio citado como uma das facetas machistas do k-pop. Por um lado, as meninas sofrem com uma imensa pressão estética, perseguição pela maneira como se portam em shows e em programas de entretenimento. Por outro lado, Jason detém a liberdade de ir e vir, como comer o que bem entende.

Em um dos capítulos, ele e Rachel estão em uma gravação; enquanto ele se hidrata o quanto bem entende e consegue comer quaisquer pratos que deseja, Rachel sequer pôde solicitar algo para a produção. Ao final daquele dia, Rachel desmaiou por exaustão e fraqueza. Rachel só foi ser socorrida após a intervenção de Jason, o que diz muito sobre a relação de poder entre os dois.

Não somente desses privilégios Jason consome, mas ele está absorto dentro de uma bolha que o impede de ver o quanto Rachel pode ser sufocada pelo cenário de k-pop. Ao desenvolverem sentimentos amorosos um pelo outro, Rachel não cansa de se questionar o quanto ela terá que abrir mão, mas também do quanto ela será prejudicada.

Enquanto Jason já é dono de uma carreira consolidada, ela luta para que possa ter alguma atenção de seus CEOs. Querer assumir algum relacionamento sendo um astro do k-pop é considerado suicídio social; para os homens, pode ser a entrada para um hiatos na carreira – e para as mulheres, aposentadoria na certa.

“[…] A DB não teria o menor problema em me cortar de programa no momento em que encontrasse qualquer falha capaz de macular sua reputação perfeita. E um relacionamento com Jason seria uma mancha irreversível.

– Acabou, Jason – digo ficando de pé. – Não posso mais fazer isso. Trabalhei demais pelos meus sonhos para deixar qualquer coisa ameaça-los. Até você.

Ele me encara, completamente em choque.

– Não acredito na tempestade em copo d’água que você está fazendo.”

– JUNG, p. 252, 2020

Como demonstrado na citação acima, pode-se ver o quão imerso no próprio mundo e imunidade ele está. Jason também se recusa a tentar enxergar o lado da própria amiga. Independente de olhar para os próprios privilégios, Jason se recusa a se por a favor de Rachel. Por mais que Jason possa ter se redimido em alguns pontos até o final do livro, essa atitude dele inflamou sua relação com Rachel.

Com Jason, pode-se ver como o machismo afeta a carreira das artistas femininas no k-pop. Com Mina, a excelente dançarina herdeira de uma rede alimentícia, vislumbra-se o puro suco da rivalidade feminina. Em Mina, foram reunidos os maiores e melhores traços de uma vilã adolescente: maléfica, esnobe e calculista. Contudo, assim como Rachel e Jason, ela tem consigo o sonho de ser uma grande artista do k-pop. Mesmo que tenha de lidar com pressão familiar, que afeta diretamente seu desempenho como futura artista.

Todo seu esforço em busca de seu sonho artístico reflete na perseguição praticamente gratuita que faz com Rachel. No livro não se explora se existe alguma razão ou motivação, apenas a xenofobia por Rachel ser estadunidense. Essa “encrenca” com Rachel rendeu frutos com boatos, drogas, filmagens comprometedoras e muito mais apenas para tentar prejudicá-la, mesmo que Rachel tenha tentando criar alguma relação positiva com ela – afinal, devem trabalhar juntas.

Por mais que Mina tenha demonstrado vulnerabilidade em alguns momentos, principalmente àqueles em que seu pai a humilha, ela aparenta se recuperar e retorna com mais raiva para quem estiver ao seu redor, principalmente Rachel.

K-pop descrito por uma ex-idol X livro lido por uma fã de k-pop

Jessica Lung com o exemplar de Shine
Jessica Lung com o exemplar de Shine. Foto: reprodução

Eu, Ket Lira, sou fã de k-pop desde os meus 15 anos. Na época, o estilo estava ganhando espaço fora da Ásia, mas ainda era um mercado bem mais fechado. Hoje, oito anos depois, é extremamente mágico ver dramas, filmes sul-coreanos e vários grupos musicais conquistando o mundo. Ainda mais agora, ver esse universo apresentado em um livro, escrito por uma das minhas idols favoritas.

No romance foram expostos assuntos polêmicas da indústria: boatos e a possibilidade de prejudicar carreiras e o peso de assumir um relacionamento afetando a carreira de um idol. O cyberbullying e discurso de ódio massacrantes em cima dos artistas foram explorados na história também, ainda de maneira superficial.

Comentários de ódio nas redes sociais foram feitos à Rachel, apresentando a perseguição sexista e misógina pelas que ela usou em um festival. Rachel consome todo aquele ódio e se questiona o quanto vale a pena se dedicar. Afinal, um único show foi o suficiente para ela receber ódio generalizado, sem razão alguma.

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Há elementos que podem ser considerados pontos biográficos da história em decorrência à vivência de Jessica na música, arte e cultura do k-pop. Principalmente com a estrutura da indústria do ali apresentada, como os treinamentos, a competitividade e o ódio direcionado na internet, mas também o suporte e amor pelos fãs.

Acima disso, o sonho e paixão por cantar, dançar e performar a sua arte que, pela perspectiva de Rachel, sabemos que era Jessica ali falando, como se pode ver no trecho a seguir, encerrando o texto:

“Uma onda de calor toma o meu corpo quando lembro por que amo tanto o K-pop. Como é especial poder compartilhar minha língua e minha cultura com pessoas do mundo inteiro e fazê-las realmente enxergá-las. Compreendê-las. Amá-las.

Sinto um sorriso surgir, e meu coração está leve e livre pela primeira vez desde que a turnê começou. Eu me lembro do motivo de estar aqui. De amar tudo isso.”

– JUNG, p. 286, 2020


resenhaShine – Uma Chance De Brilhar 

Jessica Jung (autora)

Giu Alonso (tradutora)

368 páginas

Editora Intrínseca

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Revisão realizada por Gabriela Prado.

Escrito por:

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Ket tem 23 anos, é formada em Letras - Língua e Literatura Portuguesa, pela UFAM. Nasceu e criou-se em Manaus, onde ainda mora. Não é capaz de conceber uma realidade em que as mulheres não sejam livres, uma vez que sua vida inteira viveu em um lar matriarcal. Gosta de histórias tristes, é fascinada pela cultura Sul-coreana e chora com animes.
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