Harry’s House: a excelência no intimismo sentimental

Harry’s House: a excelência no intimismo sentimental

O terceiro álbum de estúdio do cantor britânico Harry Styles está entre nós desde 20 de maio de 2022 e, apesar de já estarmos em dezembro, a aclamação da crítica e do público parece aumentar cada vez mais. Com treze faixas ao todo e uma média de três minutos por música, Harry’s House acumula números expressivos em seus sete meses de existência. 

Crítica: Harry's House (2022), de Harry Styles
Foto: Divulgação do Harry’s House | YouTube

Logo em sua estreia, o álbum conquistou o primeiro lugar na Billboard 200, e se manteve no topo da lista por duas semanas consecutivas, igualando o recorde pessoal conquistado por Styles com Fine Line, em 2019. As It Was, primeiro single do projeto, se manteve por nove semanas seguidas no primeiro lugar da lista das duzentas músicas mais ouvidas do mundo.

Além das posições nos charts, o artista garantiu, com seu terceiro álbum, os troféus de Álbum do Ano do MTV Video Music Awards, Melhor Álbum Internacional no LOS40 Music Awards e Melhor Artista Internacional no ARIA Music Awards.

O lead single As It Was arrecadou, até agora, sete premiações: Melhor Pop e Melhor Fotografia no MTV Video Music Awards, Melhor Vídeo de Pop do Reino Unido no UK Music Video Awards, Melhor Artista Internacional em Vídeo pelo MTV Music Video Awards Japan, Video do Ano e Hit Internacional do Ano pelo NRJ Music Award e Música Pop Favorita pelo American Music Awards. 

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Em 15 de novembro de 2022, foi realizada a cerimônia de divulgação dos indicados para o Grammy Awards 2023, e Harry Styles garantiu seu lugar em sete categorias. Harry’s House conquistou três indicações (Álbum do Ano, Álbum Vocal de Pop e Melhor engenharia de álbum, não-clássico), enquanto As It Was foi escolhida para competir em quatro (Gravação do Ano, Música do Ano, Melhor Performance Solo de Pop e Melhor Videoclipe).

A premiação acontece em 5 de fevereiro de 2023 às 21h, segundo o horário de Brasília. A transmissão mundial acontece pelo canal do YouTube da premiação e, no Brasil, o evento também é transmitido pelo canal pago TNT.

Harry’s House e o conceito de sentir-se em casa

A ideia inicial de Harry Styles para seu terceiro álbum justifica seu título ao pé da letra. Styles desejava gravar o projeto todo em sua própria casa e lançar como um álbum acústico. Contudo, o contexto pandêmico da época da produção fez com que a equipe precisasse migrar entre vários estúdios, e o intuito do nome literal caiu por terra. Mas ainda bem que existem as metáforas.

Ouvir Harry’s House é como passar um fim de semana na casa do cantor, conhecer suas manias, seus medos, anseios e alegrias. E também é como encararmos um espelho em nossa própria casa, compreendermos nossos sentimentos e ficarmos felizes por não sermos os únicos a vivenciar certas situações.

Crítica: "Harry's House" (2022) e o conceito de sentir-se em casa.
Harry Styles em divulgação do Harry’s House. | Crédito: Sony Music

O álbum expõe a vulnerabilidade e humanidade por trás da figura quase divina do artista. A sensação dos ouvintes é de realmente estar em casa por sentirem-se representados nas letras embaladas por melodias harmoniosas e bem trabalhadas. Percebe-se uma evolução do sentimento de pertencimento do público quando comparados os conteúdos dos três álbuns do artista. No autointitulado primeiro lançamento, todas as músicas expunham situações relativas a amor romântico.

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Em Fine Line, a supremacia do romantismo (e a melancolia derivada dele) é mantida, mas o padrão se quebra com Treat People With Kindness, uma música sobre tratar as pessoas com gentileza, sentir-se bem consigo mesmo e viver uma vida plena como recompensa. Já em Harry’s House, músicas como Matilda e As It Was exploram dores e pensamentos autodestrutivos aos quais qualquer ser humano está passível de experimentar. Até as músicas românticas do lançamento mais recente de Styles conversam mais intimamente com o público, revelando os sentimentos de perda, obstinação, saudade e paixão como eles realmente são, sem a máscara do esmorecimento excessivo ou a maquiagem do amor perfeito.

Harry decide se expor ao público em suas composições como nunca antes. Ele garante ao ouvinte que, apesar da fama e do glamour, continua sendo um ser humano comum, que tem sentimentos normais e às vezes age por impulso sem medir as consequências de seus atos, como em Little Freak. Styles também sente saudades e quer manter contato com uma pessoa que foi embora da sua vida, como aborda Satellite. A canção Cinema mostra que o artista se apaixona a ponto de idolatrar alguém. Além disso, Late Night Talking mostra que ele se dedica o quanto pode a um romance saudável. São situações cotidianas que podem ser observadas através de qualquer janela, em qualquer residência.

Harry Styles durante apresentação no Wembley Stadium (2022).
Harry Styles durante apresentação no Wembley Stadium | Foto: Anthony Pham
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De todas as suas treze faixas, a que mais se destaca, por incrível que pareça, não é o single principal, escolhido para promover o álbum antes mesmo de seu lançamento. Matilda desbancou As It Was no quesito sentimentalismo e identificação. Não é difícil procurar pelo nome da canção nas redes sociais e encontrar diversos relatos de fãs que continuam se emocionando com a letra intimista e de caráter preocupado e encorajador. Reação compreensível, levando em conta o tom de esmero com que Styles fala das consequências do passado de alguém, em suas atitudes do presente.

Quando ouvimos Matilda, nos sentimos abraçados por um amigo de longa data que está sempre disposto a ouvir e nos fazer sentir especiais e importantes em nossas próprias vidas. São quatro minutos em que consideramos Harry Styles nosso melhor amigo confidente.

Percepção de fãs sobre a música "Matilda", de Harry Styles.
Percepção de fãs sobre a música “Matilda” | Foto: Reprodução / Twitter

Influências e identidade de Harry’s House

Apesar de Harry querer gravar em sua própria casa, o título não foi mantido unicamente desse desejo. Existe uma influência do cantor e compositor Haruomi Hosono, que lançou um álbum intitulado Hosono House em 25 de maio de 1973. Embora a musicalidade dos trabalhos dos dois artistas não seja semelhante, Hosono também esbanja letras que falam sobre características de sua vida pessoal e perspectivas perante a mudanças.

"Hosono House", de Haruomi Hosono, uma das influências do "Harry's House".
Capa de “Hosono House” | Foto: Divulgação / Light In The Attic

Styles não tem medo de passear por elementos musicais dos anos 70 e 80, e o faz com a segurança de quem se inspira em artistas de décadas passadas desde seu primeiro álbum solo. A maneira como trabalha isoladamente com os instrumentos e os une de forma que valorize cada um deles sem causar incômodo aos ouvidos, flerta com o estilo de artistas como Prince e David Bowie, explicitando ainda mais suas inspirações. 

A mistura de pop com R&B e rock melódico trazem familiaridade ao ouvinte, ao mesmo tempo em que mantém a narrativa criada em seu primeiro álbum e sustentada em Fine Line, porém ainda mais polida. A experiência de seis anos de boyband e cinco de carreira solo consolidam sua personalidade própria mesmo com uma grande mistura de inspirações e influências evidentes.

A estética caseira nas vestimentas de Harry Styles

Quando Harry Styles entra em cena, ele não entra para brincar. O conceito caseiro de Harry’s House vai muito além da compatibilidade emocional da audiência com as composições, pois se traduz também nas vestimentas do cantor. Seja em entrevistas, sessões de fotos ou nos shows da turnê de divulgação do álbum, Styles evidencia a essência de seu trabalho pela maneira com que se veste, como o bom fashionista que se tornou. 

A escolha de significado nos trajes para a divulgação de Harry’s House ultrapassa a excentricidade do Fine Line, por exemplo. Apesar da singularidade das roupas, todas elas passam uma mensagem em comum: a era vigente na carreira de Harry é sobre sentir-se bem consigo mesmo e confortável com sua indumentária, já que ela fala muito sobre a personalidade de quem a utiliza. 

A estética caseira nas vestimentas de Harry Styles
Harry Styles durante apresentação no Wembley Stadium | Foto Anthony Pham

Durante os shows, Styles reveza entre roupas que usaria em casa e vestimentas extravagantes, mas que o fazem sentir confortável. Quando comparados com os figurinos da Live On Tour e da Love On Tour da era Fine Line, percebe-se uma evolução evidente.

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Enquanto na primeira turnê solo, Styles usava ternos coloridos e brilhantes, a tour de promoção de Fine Line já tinha uma pegada mais excêntrica, esbanjando estampas e figuras geométricas. Já na Love On Tour de Harry’s House, as roupas variam entre macacões estampados a casacos de pele, camisetas de ursinho, coletes brilhosos com franja e o que mais o público for capaz (ou não) de imaginar.

Esse contraste também pode ser percebido nos videoclipes de As It Was e Late Night Talking. Enquanto no primeiro os personagens vestem roupas coloridas e brilhosas, no segundo o figurino é composto apenas por pijamas. Essa diferença representa as nuances do conforto de acordo com momentos e ambientes. 

Difereças das vestimentas de Harry Styles nos videoclipes de Late "Night Talking" e "As It Was".
Harry em Late Night Talking e As It Was | Fotos: Divulgação / YouTube

A Love On Tour é sobre amar e estar em casa em qualquer lugar

“Love On Tour” é um nome familiar para os fãs de Harry Styles. Inicialmente planejado para ser o título da turnê de divulgação de Fine Line, a pandemia de Coronavírus fez com que também fosse a denominação da tour de Harry’s House

Anunciada em 13 de novembro de 2019, a turnê precisou ser adiada para 2021, ainda com o repertório do segundo álbum, e em março de 2022, passou a ser composta majoritariamente com músicas do terceiro. Na segunda parte da tour, Harry passou um mês e 20 dias na Europa, três meses na América do Norte e 24 dias na América do Sul, encerrando 2022 na cidade de São Paulo, em 14 de dezembro de 2022. Segundo a programação de 2023, o artista e sua banda passarão ainda três semanas na Oceania, duas na Ásia e mais dois meses e uma semana novamente na Europa.

Os figurinos da segunda fase da Love On Tour foram todos baseados no conceito de conforto e identificação pessoal presentes em Harry’s House. Até no “Harryween”, (show especial de Halloween, quando tradicionalmente Styles usa fantasias para comemorar a data), sua caracterização remetia a um dos musicais favoritos do cantor. Vestido de Danny Zuko, protagonista de Grease, Styles cantou Hopelessly Devoted To You, clássico da trilha sonora da trama de 1978.

Tweet de Harry Styles sobre Grease em 2013.
A última cena de Grease ainda é o melhor pedaço de genialidade cinematográfica que eu já vi.” Tweet de Harry Styles sobre Grease em 2013 | Foto: Twitter
Harry Styles fantasiado de Danny Zuko no "Harryween" de 2022.
Harry Styles fantasiado de Danny Zuko no “Harryween” de 2022. | Foto: Reprodução
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A entrega dos fãs desde a espera na fila até o final do show é a comprovação da capacidade de Harry Styles de fazer completos desconhecidos sentirem-se em casa com sua presença e seu trabalho, a ponto de ficarem por meses acampando para vê-lo de perto.

A partir do momento em que se encontram do lado de fora do local da apresentação, todos viram uma família unida com um objetivo em comum. Apesar das dificuldades com o clima e alimentação durante as longas horas de espera nas filas quilométricas, tudo vale a pena quando Harry entra no palco esbanjando seu charme e carisma únicos.

Toda a interação com a plateia, a presença de palco marcada pela confiança inabalável de um artista de grande porte e o entrosamento com a banda, fazem da Love On Tour uma experiência inigualável. Durante as duas horas de show, Styles reafirma tudo o que evidencia em Harry’s House, com a adição de sua personalidade performática e a demonstração genuína de carinho e preocupação com quem está ali apenas para vê-lo.

Harry Styles cantando "Matilda" durante o show em Curitiba, em dezembro de 2022.
Harry Styles cantando “Matilda” durante o show em Curitiba, no dia 10 de dezembro de 2022 | Foto: Anthony Pham

O sentimento que passa quando canta sobre amor, rejeição, ciúmes, preocupação, saudades e projeções de futuro, faz com que quem esteja presente sinta-se representado de tal forma, que lágrimas escorrem involuntariamente pelos rostos da plateia. 

Ao vivo ou não, Harry’s House nos transporta para um ambiente confortável de acolhimento e compreensão, e mostra ao público que um lar é muito mais do que apenas uma casa.

Colagem: Isabelle Simões

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Uma jornalista apaixonada por música, literatura e cinema. Seus maiores hobbies incluem criar playlists para personagens fictícios e falar sobre Taylor Swift nas redes sociais.
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