A Mãe de Todas as Perguntas: o silenciamento das vozes femininas

A Mãe de Todas as Perguntas: o silenciamento das vozes femininas

Por trás de toda a prática machista existe o silenciamento das mulheres. A voz das vítimas, ocultada pela cultura, impede a denúncia deste cenário. Serve, então, ao propósito de legitimação da opressão. Rebecca Solnit, escritora, historiadora e ativista, também é autora de “Os Homens Explicam Tudo Para Mim” e outras obra sobre feminismo. E é justamente sobre o silêncio, sobre a necessidade de se ouvir as vozes femininas, que ela escreve no livro A Mãe de Todas as Perguntas – Reflexões Sobre os Novos Feminismos, publicado no Brasil pela editora Companhia das Letras.

Em meio a tantas perguntas voltadas ao estereótipo de gênero, a principal se perde. “Quando você se casará?” “Quantos filhos quer ter?” “Por que não é casada ou por que não tem filhos?” As perguntas típicas se repetem diante da imposição de um padrão. Em nenhum momento a vontade é questionada. Pressupõe-se um querer estereotipado. E, por fim, a pergunta “Você é feliz?” parece desnecessária. Rebecca Solnit, todavia, demonstra em A Mãe de Todas as Perguntas que ela deveria vir antes de todas as demais.

A Mãe de Todas as Perguntas

O fim do silêncio e a libertação

Todos possuem seu silêncio, vasto rol de palavras não ditas. Contudo, alguns impõem o silêncio a outros. A calmaria da quietude, que parece ser o estágio em que nada há a se dizer, passa longe das vozes caladas pela opressão. Dá lugar à agonia de ver sua história lacrada no vazio da ignorância. Sim, porque o mundo ignora o que ainda há a ser dito.

As verdades não ditas afastam. Quando a barreira socialmente imposta é rompida, mulheres conseguem encontrar apoio. O compartilhamento de experiências redefine o rumo da vida. Afinal, quem pode ajudar quando um pedido de socorro é abafado? Não obstante, o calar revela as relações de poder. Aqueles que calam impondo sua força àqueles que são calados. Como a autora escreve:

“A luta de libertação consiste, em parte, em criar as condições para que os silenciados falem e sejam ouvidos”.

O silenciamento das mulheres é condição histórica. Salvas as exceções, as mulheres eram restringidas pelos papéis que lhes eram imposto. Liberdade e conhecimento eram privilégios de poucas. Quando tentavam lutar pelo que acreditavam ser seus direitos, eram apagadas nos tribunais. E a ausência de suas vozes se definia no registro histórico mundial.

Os homens também são silenciados

A cultura patriarcal também impõe silêncio aos homens. Desde cedo, exigem-lhes que mate a parte emocional de seu caráter. Os sentimentos são estereotipicamente femininos. A sociedade não percebe que, ao propagar a morte do emocional, retira dos homens a capacidade de empatia. Forma indivíduos que não se importam com a dor que venham a causar a outrem. A automutilação reverbera na esfera do silenciamento.

Solnit defende em A Mãe de Todas as Perguntas que o feminismo também trata de “questões de homens” na medida em que eles são os principais agentes nas práticas contra as mulheres. Os homens também precisam ser transformados pelo feminismo. É preciso que eles reconheçam a responsabilidade sobre as suas atitudes. Precisam se afastar do pensamento cultural de que um homem que pratica a violência contra a mulher é um exemplo positivo. Precisam enxergar que atos dessa espécie devem prejudicar o prestígio de um homem.

A arte e o silenciamento

A arte é também um meio de produção da cultura machista. Na literatura, obras consagradas retratam as mulheres de forma minimizada e sob caracterização estereotipada. O exemplo padrão fortalece-se, então, como o da mulher submissa e dominada pela grandeza dos protagonistas masculinos. As mulheres são levadas a crer que devem repetir esses padrões. Os homens são levados a crer que são poderosos o suficiente para impô-los.

Na arte visual, a violência é medida de graça – o que já se começa a desconstruir. Quando a dor feminina não é piada, ela sequer existe ou existe como elemento da trajetória de um homem herói. Até mesmo nas telas as mulheres são silenciadas, enquanto portadoras de falas mínimas e que orbitam em torno de homens na maior parte dos casos, como denuncia o Teste Bechdel.

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Quando uma mulher critica a sua representação ou revela se identificar justamente com a parte oprimida das personagens é acusada de má interpretação. Uma mulher que critica não sabe reconhecer o valor de uma obra. Uma mulher deve olhar as obras pelo olhar do personagem masculino, não pelo olhar de seu próprio gênero. O contrário, porém, não é exigência.

Solnit demonstra no livro A Mãe de Todas as Perguntas que a arte e a literatura podem, sim, contribuir com as causas feministas. Todavia, podem também servir ao propósito de suprimir a empatia e legitimar a violência.

“[…] lemos muitas coisas em que pessoas como nós são descartáveis ou são escória, ou ficam em silêncio, são ausentes ou indignas, e isso influi em nós. Porque a arte cria o mundo, porque ela importa, porque ela nos cria. Ou nos destrói.”

A Mãe de Todas as Perguntas

Os efeitos do silêncio

O silêncio não se esconde. Está estampado nas atitudes e muitas vezes nas faces das vítimas. Isto evidencia que o silêncio não é condição incapaz de ser vista. As palavras não ditas mostram seu vulto em mulheres cujas causas não são juridicamente reconhecidas, em mulheres ridicularizadas, acusadas de calúnia, a quem a vergonha é imposta, em mulheres que inventam desculpas para a violência do companheiro, em mulheres estupradas e nos corpos daquelas mortas por toda uma cultura.

O silêncio é medida política. Legitima poderes e realidades que deveriam ser denunciadas e combatidas. Autoriza mitos sobre o feminino envoltos em mentiras históricas de cunho machista. E Solnit revela: “O que aconteceu quando muitas mulheres contaram a verdade sobre as suas vidas? O próprio silêncio se tornou um tema fundamental”.

“A tarefa de chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes, de contar a verdade da melhor forma possível, de saber como chegamos aqui, de ouvir especialmente os que foram silenciados no passado, de ver como as inúmeras histórias se encaixam e se separam, de usar privilégio que possamos ter recebido para acabar com os privilégios ou para ampliar seu escopo, tudo isso é tarefa nossa. É assim que construímos o mundo.”

Rebecca Solnit discorre sobre os contornos do silêncio na perspectiva feminista de forma fluída. A leitura de A Mãe de Todas as Perguntas decorre facilmente, de modo a unir consciência e crítica no conhecimento de nossa própria história.


A Mãe de Todas as Perguntas

A Mãe de Todas As Perguntas – Reflexões Sobre os Novos Feminismos

Autora: Rebecca Solnit

200 páginas

Editora Companhia das Letras

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Escrito por:

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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