Começamos a ler Encruzilhada sem muita ideia do que se trata a história, afinal, a edição da Veneta vem sem nenhum tipo de sinopse, mas apenas com opiniões de autores, quadrinistas e jornalistas sobre a obra, o que não nos dá muitas pistas. Ao chegarmos ao fim, porém, saímos com uma sensação de arrebatamento diante da realidade cruel e extremamente verossímil apresentada no quadrinho.
Encruzilhada é composto por um total de 6 histórias curtas que, em suma, contam diversas situações, pontos de vista e retratos de uma – a nossa – sociedade violenta e cruel, havendo ligações entre as mesmas – daí o título da obra – de forma que tornam o quadro geral ainda mais visceral e real.
Em tais representações, o que mais se destaca na obra de Marcelo D’Salete é o constante e absoluto abuso de poder empregado nas mais diversas esferas. Tanto quando se tratando de bandidos que usam de seu poder para ganhar mais sobre os outros quanto de policias – personagens de reiteradas críticas ao longo do quadrinho – que tratam àqueles a que consideram inferiores como moscas.
Todo o Encruzilhada apresenta muitas situações de abuso policial, com uma delas até resultando na morte de um jovem – negro – que teve como crime, além de sua cor, o de pisar (sem querer) no tênis novo de um cidadão. É impossível, diante disso, não nos lembrarmos das diversas situações diárias que vivemos e convivemos de violência policial aqui mesmo no Brasil.
É extremamente incomodo ver como a representação feita por D’Salete de tal situação é, ao mesmo tempo que assustadora, familiar. Não nos chocamos com o que nos é apresentado nos quadros em preto e branco, mas sim com o fato de que aquilo já não nos causar espanto.
Passamos rápido pelas páginas sem ter – nem tampouco precisar – que olhar duas vezes, pois aquilo que estamos absorvendo já se tornou (infelizmente) comum. Essa e outras situações são retratadas por D’Salete em meio a uma narrativa que usa mais de imagens e sensações do que, propriamente, de diálogos.
Somos levadas a usar nossos instintos e reconhecimento do dia a dia para entendermos do que se trata o enredo, das menores a maiores situações, através do uso do autor do recurso visual da narrativa, em que o mesmo usa mais de sugestões e indicações em relação ao que está acontecendo do que de explicações.
D’Salete traz, em preto e branco, denúncias veladas da realidade dos cidadãos brasileiros nas grandes cidades do país, como Rio e São Paulo, quer dizer, dos cidadãos de uma certa classe social não particularmente abastada dessas mesmas cidades.
É certo, para nós, que tais situações, abusos e lutas, embora típicas destes cidadãos, não são majoritariamente reconhecidas por aqueles que detém o poder, e foi isto que D’Salete quis retratar em sua obra: o espaço que tais indivíduos ocupam na “cadeia alimentar urbana”, espaço de constante marginalização, como mostrado ao longo das páginas da história.
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Encruzilhada é uma forma de crítica ao estado atual de nossa sociedade, em termos de raça e de classe, feita por D’Salete, onde é fácil para nós percebermos a triste realidade retratada no quadrinho e nos perguntar o que podemos fazer para mudar tal questão.
Infelizmente, parece que tal pensamento só ocorre a um pequeno grupo de pessoas – quando ocorre – e até uma maior quantidade ser atingida, nos resta esperar que as formas de crítica feitas em filmes, séries e quadrinhos atinjam e toquem ao maior número de pessoas possível.
Encruzilhada, com certeza, cumpriu seu papel: nos atingiu.
Encruzilhada
Marcelo D’Salete
160 páginas
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