“Lembro mais dos corvos” é um filme documentário de 82 minutos, dirigido por Gustavo Vinagre e protagonizado por Julia Katharine. Com lançamento marcado para dia 21 de fevereiro nos cinemas, pela Sessão Vitrine Petrobras, o longa será exibido em conjunto com o curta-metragem “Tea for Two“, dirigido também por Julia Katherine e o primeiro filme dirigido por uma mulher trans a ser exibido no circuito comercial no Brasil.
Lembro mais dos corvos
Em “Lembro mais dos corvos” conhecemos Julia Katharine. Em alguns lugares encontramos a informação de que a narrativa é em parte ficcional e em parte não ficcional; mas isso realmente não altera o sentimento que o filme passa. A atriz narra situações e momentos desde sua infância até seus dias atuais, como acabou sendo atriz, o que fez em sua infância, como foi sua adolescência e sua descoberta como mulher trans.
Durante o longa acompanhamos somente a câmera focada em Julia, que nos conta sobre a vida, sobre questões difíceis, de maneira muito natural e orgânica, como em uma conversa. E a narrativa não é, de forma alguma, cansativa durante o tempo em tele: Julia é carismática o suficiente para passar todo esse tempo falando de si mesma (ou desse personagem), nos fazendo conhecer um pouco mais sobre tudo que passou até se encontrar no cinema. Durante uma das partes da conversa, Julia conta que não imaginava chegar aos 40 anos e estar trabalhando com cinema, já que aos 30 não tinha nada, nenhuma perspectiva.
Gustavo Vinagre é reconhecido em circuitos de cinema por seus curta metragens, já tendo trabalhado com a Julia como atriz anteriormente. Julia aproveita para levantar questões interessantes sobre ser uma mulher trans durante o longa: questiona se tal escolha do diretor não parece um tipo de exotificação da mulher trans, de objetificar sua trajetória. As questões que Julia faz a Gustavo são pertinentes e parece que são direcionadas mais ao público do que ao próprio diretor: por que a sexualidade da mulher trans é tão interessante? Por que mulheres trans (e homens também, em certo nível), precisam sempre falar sobre sexo, como se fossem seres sexuais e somente isso?
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Durante o documentário, Julia comenta que tem planos para dirigir um filme, chamado “Tea for Two”. A sinopse que ela comenta sobre seu futuro filme acaba sendo alterada, mas nos apresenta uma história tão interessante quanto a que Julia tinha em mente em um primeiro momento.
Tea for Two
“Tea for Two” é um curta de 25 minutos, dirigido e roteirizado por Julia Katharine e protagonizado por Gilda Nomacce no papel de Silvia, uma cineasta que está passando por um bloqueio criativo e que, de repente, se reencontra com sua ex mulher, Isabel (Amanda Lira), por quem ainda nutre algum tipo de amor. Silvia também conhece Isabela (Julia Katharine), por quem passa a desenvolver alguns sentimentos. Silvia é uma mulher que aprendeu a viver só, e a partir disso descobre a si mesma como alguém que tem vontades e precisa começar de novo. É um curta muito sensível e comovente. De certa forma, Silvia nos mostra que é necessário seguir em frente, estar aberto a conhecer novas formas de viver.
“Lembro mais dos corvos“, que já foi apresentado em alguns festivais desde 2017, concorreu e ganhou alguns prêmios: Prêmio Joris Ivens Melhor Filme – 40th Cinéma du Reel; Prêmio Helena Ignez para destaque feminino – 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes – Mostra Aurora Competitiva; Grande Prémio de Longa Metragem Cidade de Lisboa – 15º IndieLisboa; Prémio Especial do Júri canais TVCine & Series – 15º IndieLisboa; entre outros.
Ambos os filmes são incríveis, sensíveis e merecem ser vistos no cinema, além de “Tea for Two” carregar a importância de ser o primeiro curta comercial no Brasil dirigido por uma mulher trans. Julia Katharine é uma mulher muito carismática e sua experiência de ser uma mulher trans é passada sem qualquer obstáculo ou embaraço, somente ela com a câmera. A direção Julia é tão competente quanto sua atuação, o curta é emocionante e necessário para os tempos atuais.