Andor – 1ª temporada: sobre liberdade e resistência

Andor – 1ª temporada: sobre liberdade e resistência

Desde que um stormtrooper e uma pobre e solitária mulher de Tatooine tiveram suas histórias entrelaçadas em O Despertar da Força, no ano de 2015, Star Wars voltou para ficar. E desde esse retorno há uma mudança no foco narrativo da franquia: o que antes foi palco para princesas, homens com grande poder sobre a Força, imperadores, senadores, Jedis… agora, se volta para aqueles que sofreram as consequências do jogo dos grandes. Star Wars sempre foi político, mas em Andor essa face da franquia se eleva a um nível verdadeiramente estelar.

A série é derivada do longa Rogue One e conta, com mais detalhes, sobre a trajetória de Cassian Andor (Diego Luna). Cassian, na vastidão dessa galáxia muito, muito distante, é um ninguém. E não é um ninguém como Anakin ou Rey (Daisy Ridley), que se descobrem, na verdade, duas figuras muito poderosas e importantes. Cassian é mesmo um ninguém. E por que isso não seria, de uma maneira única, poderoso e importante? 

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Partindo dessa premissa, Andor é uma série da Disney+ que levará às últimas consequências a ideia de contar a narrativa dos esquecidos. Ideia, aliás, muito bem iniciada e desenvolvida em Rogue One. E assim, coisas muito normalizadas nos filmes da franquia serão revistos com outra lente. E a participação feminina é fundamental nessa revolução que Andor chega para causar no universo Star Wars

AVISO: O texto contém spoilers!
Cassian Andor (Diego Luna)
Cassian Andor (Diego Luna) | Imagem: Disney/reprodução

Quem financia a revolução em “Andor”?

Primeiramente, o próprio combate do sistema vigente nesse período é uma questão presente na série. Andor se passa antes de Uma Nova Esperança (Episódio IV), ou seja, antes dos eventos da trilogia “original”, das décadas de 1970 e 1980. Antes, portanto, da ascensão total do Império com Darth Vader e Palpatine no comando.

As pessoas, no entanto, já criticavam o Império. Em especial, é claro, aqueles que eram mais atingidos por ele, como as pessoas nativas dos planetas colonizados, os trabalhadores, os refugiados e as mulheres. E para que haja, de fato, um movimento anti-império, é preciso mais do que descontentamento. É preciso dinheiro, organização, liderança, estudo. Assim como no mundo real. 

Em Andor, vemos diversos núcleos muito distantes entre si, socialmente, espacialmente e até ideologicamente. Conhecemos um vendedor de jóias preciosas, Luthen Rael (Stellan Skarsgård), que brinca de lutar contra o Império. Mas o que isso significa, de verdade, para ele? Ou para a senadora Mon Mothma (Genevieve O’Reilly)? Ou para sua prima Vel (Faye Marsay)?

universo de Star Wars
Cena da série Andor | Imagem: Disney/reprodução
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Eles dizem arriscar tudo para a Rebelião, pois quem muito têm para dar, muito têm para perder. Contudo, não parece ser uma opção para, por exemplo, Cassian na prisão. Para alguns personagens, é lutar ou morrer. Para outros, é um jogo, mesmo que um jogo sério. Em suma, Andor aproveita muito a quebra da dicotomia entre o bom e mal, que tanto permeia o universo criado por George Lucas, trazendo uma profundidade mais que bem-vinda para seus personagens.

As motivações dos personagens são exploradas ao longo da série e nunca de forma tão explícita. Exceto, talvez, no episódio em que Cassian conhece o grupo que, com ele, roubará o fronte de Aldhani. Alguns estão ali porque perderam alguém pela violência militar, ou a si mesmos, como Taramyn (Gershwyn Eustache Jnr), um ex-stormtrooper. Outros, como Karis Nemik (Alex Lawther), é porque acreditam que é o certo. Ele estava escrevendo um texto sobre seus ideais. Um manifesto. Em conversa com Cassian, disse: 

“Nós nos tornamos dependentes da tecnologia imperial e ficamos vulneráveis. Há uma lista crescente de coisas que conhecemos e esquecemos, que nos forçaram a esquecer, como a liberdade.”

Violência policial 

Star Wars sempre foi político, mas a série "Andor" eleva a um nível verdadeiramente estelar.
Cena da série Andor | Imagem: Disney/reprodução

Depois de ajudar os rebeldes no roubo de Aldhani, Cassian volta para seu planeta, mas sua mãe não quer fugir com ele. Ele, ainda muito confuso com os próprios propósitos de vida, vai embora e é preso. Assim, uma nova trama na temporada se inicia: a fuga de Cassian da prisão.

Lá, os presos são obrigados a trabalharem, cumprindo metas e competindo com outros presos para a recompensa de sentir o gosto de suas comidas. É um ambiente “limpo”, no sentido minimalista. Não há correntes, tudo é claro e organizado. O que apenas reforça a violência daquele lugar.

O episódio 10, “Uma saída” (One Way Out) é o ápice desse arco. O personagem de Andy Serkis, o detento Kino Loy, entrega uma belíssima performance, na qual abandona sua postura neutra e obediente, liderando a revolução na prisão. Os detentos se rebelam ao descobrirem que ninguém, mesmo cumprindo suas penas – que, muitas vezes, são injustas – se libertará.

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Cassian acende a “chama” para a revolta. E em uníssono eles clamam por uma saída: percorrem os corredores e andares da prisão, chamando os outros detentos, acuando os guardas. E ao avistarem o mar, no fim de um penhasco, tal qual a luz no fim do túnel, pulam em busca da liberdade.

Um fim simbólico e doloroso para Kino Loy, a voz que guiou os detentos para suas redenções: na beira da saída, não podia fugir, pois não sabia nadar.

Andy Serkis no episódio 10, "Uma saída" (One Way Out), de Andor.
Andy Serkis no episódio 10 de Andor. | Imagem: Disney/reprodução

Bix e o Olho

Andor trouxe muitas coisas: espionagem no Império, casamento arranjado, fuga de prisões, um droide que quase chorou. Mas há duas coisas, extremos opostos, que merecem atenção: o Olho e Bix (Adria Arjona). De um lado, um evento natural celebrado pelos nativos do planeta – celebração cada vez mais dificultada pelos imperialistas – e do outro, uma personagem com gentileza e força transbordantes. Duas coisas incríveis sendo exploradas e esgotadas por um ideal de desumanização e capitalização.

O Olho é considerado um grande evento, mesmo para os sargentos do Império. Todos eles queriam assistir ao evento, que acontece uma vez por ano e é um verdadeiro espetáculo astronômico. É através do “Olho” que o pequeno grupo de rebeldes, do qual Andor faz parte, foge após o roubo. Uma coisa tão bela e respeitada pelos nativos é usada como escape.

E o fato de ser chamado de olho é ainda mais interessante, porque como o próprio Cassian disse “ninguém está ouvindo”, ou seja, nenhum dos opressores pensa que uma mudança real no sistema seja possível. Não só não estão ouvindo, como não estão olhando também.

Rebelião e resistência feminina na luta coletiva de "Andor"
Cena da série Andor | Imagem: Disney/reprodução
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Além disso, Bix é torturada com o que eles explicam ser o lamento de crianças de uma espécie oprimida pelo Império. Tal tortura ocorre a mando de Dedra Meero (Denise Gough), uma oficial do Império. Curioso como as duas personagens são mulheres fortes, convictas de seus princípios, no entanto, Dedra consegue representar o pior do sistema imperial.

Dedra é uma boa representação do dilema real de apoiar mulheres independentemente de serem conservadoras ou não. Ela jamais pode ser vista como um modelo. O que também se relaciona, de certa forma, com o dilema de “combater o mal com o mal”.

Em diversos momentos, os métodos do Império são criticados, mas com ressalvas: a violência usada pelos opressores é mais potente e feita com o intuito de ferir, como a Bix e aos nativos que gostariam de admirar o Olho. Já os ataques dos personagens oprimidos às forças imperiais são uma resposta em busca da sobrevivência. 

Andor

A revolução tem sempre muitos lados. Seja na Rússia czarista ou na galáxia distante de Guerra nas Estrelas. E sempre há alguém para organizar esses ideais. Andor funciona como um manifesto por si só. Desenvolve, por meio de seu protagonista, uma história da Rebelião mais íntima e verdadeira do que muitas obras de Star Wars. É como se, de fato, desenhasse a chama que move os rebeldes e a colocasse no centro do universo. De onde, é verdade, ela nunca sai.

Cassian passa por tantos problemas que é impossível não se simpatizar com o personagem: ele procura pela irmã perdida, fica impossibilitado de ver a mãe, é preso, perseguido. Ele ainda passa muito tempo se entristecendo e se convencendo que não faz parte do problema. Até que isso o radicaliza.

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Outro ponto de destaque da série são as diversas personagens femininas. E embora sejam muito diferentes, todas elas estão certas de seus ideais. Vel e Cinta (Varada Sethu) são duas mulheres engajadas com a Rebelião, Bix é de Ferrix e não entrega Cassian por nada, Maarva (Fiona Shaw), mãe de Cassian, era uma das “Irmãs de Ferrix”, ou seja, uma mulher respeitada por seu engajamento sociopolítico na comunidade. E é justamente com o discurso dela, sua mãe, que a cidade deixa que a chama cause a exploração: em um breve momento, eles deixam que a revolta os radicalize.

Maarva Andor (Fiona Shaw) e o protagonismo feminino na série
Maarva Andor (Fiona Shaw) na série. | Imagem: Disney/reprodução

Quando Maarva Andor diz seu nome, fica claro que a série está muito além de ser uma história sobre Cassian. Andor não é uma narrativa individual, mesmo partindo de uma. É, no fim, uma história coletiva, quase um chamado. Andor parece ser nada, mas é gigante. Porque é assim que toda revolução acontece.

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Estudante de Letras na Universidade de São Paulo, apreciadora de boas histórias e exploradora de muitos mundos. Seus sonhos variam entre viajar na TARDIS e a sociedade utópica onde todos amem Fleabag e Twin Peaks.
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