Meu Policial: amor, preconceito, sofrimento e redenção

Meu Policial: amor, preconceito, sofrimento e redenção

Quando publicou The Good Plain Cook (ainda sem edição traduzida para português) em 2008, Bethan Roberts apresentou seu dom de transformar a vida de pessoas reais em romances literários arrebatadores. Em 2012, o lançamento de My Policeman (Meu Policial, em português) serviu para consolidar o talento revelado quatro anos antes, que dessa vez levou sua narrativa para as telas de cinema ao redor do mundo.

A história real por trás da obra está em traços da vida do grande escritor inglês E.M Forster (autor de livros como Uma Passagem para a Índia e Um Quarto com Vista), que vivia um romance secreto com Bob Buckingham, policial casado com uma mulher chamada May Hockey

Capa do livro Meu Policial e a autora Bethan Roberts| Foto: Serpent’s Tail / Reprodução

Meu Policial é um romance sobre amor, preconceito e as complexidades das relações humanas. A narrativa se passa nos anos 1950, na cidade inglesa de Brighton, e conta a história de Marion Taylor, uma professora do primário que se apaixona por Tom Burgess, um jovem policial, irmão de sua melhor amiga. Contudo, seu relacionamento se torna complicado no momento em que Tom se descobre atraído por Patrick Hazlewood, o curador do museu da cidade.

Atenção! Este texto contém spoilers da obra

O triângulo amoroso em Meu Policial

O livro começa com Marion já na casa dos 70 anos cuidando de Patrick. O homem estava acamado e havia acabado de sair de uma internação hospitalar por conta de um AVC. Tom aparece em poucos momentos, se mostrando muito ausente e alheio àquela rotina. E então começam os flashbacks, que traçam uma linha do tempo entre memórias de Marion e o diário de Patrick com todos os momentos chave que os levaram até ali.

Décadas antes, Marion Taylor tinha uma paixão platônica por Tom Burgess. Ele também nutria certa afeição pela jovem professora e os dois começam um namoro tímido, ao mesmo tempo em que Tom conhece Patrick Hazlewood.

Patrick (David Dawson), Marion (Emma Corrin) e Tom (Harry Styles) na adaptação cinematográfica de Meu Policial | Foto: Prime Video / Divulgação

Apesar de Marion ter certeza de seus sentimentos e enxergar um futuro claro como esposa de Tom, ele ainda estava assimilando todos os acontecimentos recentes da sua vida. O jovem havia acabado de voltar de um tempo servindo ao exército e agora era o mais novo policial da cidade. Quando conhece Hazlewood, Burgess parece achar a válvula de escape que precisava para sair do estresse de sua rotina diária.

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A vida parecia ter ficado mais leve para todos. Marion finalmente havia se encaixado no emprego dos sonhos e estava feliz ao lado de Tom, que gostava de sua companhia.  Por outro lado, Tom estava profissionalmente realizado e podia arejar a cabeça conversando sobre assuntos intelectuais com Patrick, que estava apaixonado por Tom. O policial, por sua vez, levou um tempo para descobrir que também estava nutrindo uma paixão por Hazlewood. No entanto, seu relacionamento secreto se torna complicado por conta das normas sociais regidas pelos preconceitos da época, que tornavam a homossexualidade ilegal na Inglaterra. 

O romance proibido é escondido pelo véu socialmente aceito de um casal simpático, composto por uma esposa dedicada e um marido sensível e introspectivo. Também ajudava o fato de os dois estarem servindo à sociedade com seus empregos nobres. Marion acaba sendo usada para encobrir o namoro clandestino de seu marido sem saber o que acontecia quando não estava por perto. A descoberta é ainda mais traumática, já que acontece durante a viagem de lua de mel do casal, quando Patrick aparece de surpresa para um final de semana e Marion flagra os dois aos beijos enquanto ela participa de uma visita guiada a um museu.

Talvez o fato de estar sujeito à prisão e humilhação pública por ser um homem se relacionando com outro homem, tenha feito com que Tom demorasse a compreender o motivo da afeição por Patrick. Além disso, o medo de retaliação e a vergonha de assumir ser uma pessoa “fora da lei” tornaram ainda mais difícil para Tom assumir a verdade para a esposa.

A adaptação cinematográfica de My Policeman

A expectativa do público leitor de Meu Policial para a adaptação cinematográfica era grande desde que foi anunciada. O filme ganhou ainda mais os holofotes dos espectadores e da mídia quando Harry Styles foi anunciado como intérprete de Tom Burgess. Tal anúncio fez com que o número de leitores da publicação de Bethan Roberts aumentasse consideravelmente. O elenco principal ainda conta com Emma Corrin como Marion Taylor e David Dawson interpretando Patrick Hazlewood.

Compilado de tweets de pessoas sobre a participação de Harry Styles
Compilado de Tweets de pessoas que compraram Meu Policial pela participação de Harry Styles | Divulgação

O longa divide opiniões entre público e crítica: no Rotten Tomatoes a aprovação dos avaliadores estagnou nos 46%, enquanto recebeu 96% de aprovação dos espectadores. Apesar de ser um filme emotivo e profundo, assim como acontece com a grande maioria das obras literárias adaptadas para o audiovisual, diversos detalhes do livro foram deixados de lado pela produção. É evidente a necessidade de adaptações para a telona, porém é inevitável e compreensível que haja certa decepção por parte dos leitores.

Harry Styles, David Dawson e Emma Corrin na adaptação de "Meu Policial"
Imagem promocional do filme Meu Policial | Foto: Prime Video / Divulgação

Momentos importantes para a trajetória de Marion foram ocultados da trama e acabaram deixando sua história em segundo plano. Ocasiões como início de sua carreira como professora e a amizade sincera que desenvolve com sua colega Júlia, os momentos em que ela decide viver sua vida quando se sente deixada de lado por Tom, as conversas sobre família com Sylvie (irmã de Tom) e o momento em que ela revela que sempre desconfiou da sexualidade de seu irmão, e até os momentos românticos com seu marido, pareceram ser esquecidas. 

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Diversas páginas do diário de Patrick também foram arrancadas do script, fazendo com que o romance com Tom corresse contra o tempo, em contraste com o livro, onde tudo acontece devagar e detalhadamente. Apesar disso, Tom e Patrick receberam muito mais destaque do que Marion. É evidente a necessidade de direcionar os holofotes aos dois, devido ao tempo cronometrado do cinema e a escolha da delimitação do foco da trama. Contudo, Marion acabou se tornando apenas uma coadjuvante na história de Tom e Patrick – o que definitivamente não acontece no livro. Não há personagem que se destaque entre os três na história original, pois todos têm a mesma importância, apesar das narrativas e interesses distintos.

A importância da empatia em Meu Policial

O livro explora o contexto social e político da Inglaterra nos anos 1950 e como isso afetou a vida de muitas pessoas impedidas pela lei de serem genuínas consigo mesmas e com a sociedade. Os personagens principais da obra de Bethan Roberts enfrentam obstáculos significativos em seus relacionamentos por conta do preconceito da época e do medo de serem descobertos e punidos. 

Os diálogos da história (e a falta deles) ajudam a iluminar a complexidade das relações humanas e as consequências de viver em uma sociedade opressora. Os momentos privados dos personagens revelam as particularidades de seus pensamentos, medos e desejos, e permitem que o leitor perceba com clareza o efeito emocional que a discriminação tem nas relações interpessoais e individuais do ser humano. 

É inegável que muitos dos problemas desenvolvidos na trama poderiam ser resolvidos por meio de conversas entre seus protagonistas, mas a falta dessa troca dá um tom ainda mais real ao drama vivido pelos personagens. 

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Ao mesmo tempo em que o público compreende o erro de Marion, também consegue se colocar no lugar dela, sentir suas dores e acompanhar sua redenção. Ela cresceu em uma família conservadora e além de descobrir que estava sendo traída, precisou aprender a lidar com o fato de que seu marido seria considerado um “desviado sexual”.

Depois de cometer um dos maiores erros de sua vida, ela precisou aprender com a dor do próprio remorso que nenhuma das diferenças entre ela, Patrick e Tom eram suficientes para que Hazlewood sofresse todas as dores a que foi exposto desde a juventude.  

Ruper Everett e Gina McKee em cena de "Meu Policial"
Ruper Everett e Gina McKee interpretando Marion e Patrick em Meu Policial | Foto: Prime Video / Divulgação

Sim, Marion ter levado Patrick para sua casa foi uma tentativa de reparar os anos de cadeia causados por sua denúncia. Contudo, a atitude também estava ligada à tentativa de o unir novamente a Tom. O casamento que antes contava com demonstrações tímidas de carinho e companheirismo, agora era sinônimo de apatia. 

Marion sabia que Tom amava Patrick e não podia viver com o fato de ter feito infeliz uma pessoa pela qual ela tinha tanto apreço. Por isso, a negação do marido a ter o homem que ele amava e sua esposa na mesma casa doeu tanto nela. Essa dor foi a virada de chave necessária para que a professora aposentada decidisse sair de casa e viver a vida que não pode viver durante as décadas em que se prendeu àquele casamento decadente. Sendo assim, acabou deixando Tom e Patrick sozinhos, na tentativa de reconectar um casal que nunca deixou de se amar.

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Através da experiência dos protagonistas, Bethan Roberts explora temas como amor, identidade e as consequências de viver em uma sociedade que oprime e discrimina a comunidade LGBTQIA+. O livro oferece um vislumbre de um tempo e lugar diferente dos que estamos inseridos e explora temas que continuam sendo relevantes nos dias atuais.

Meu Policial é um romance comovente que explora o impacto do preconceito na vida de pessoas comuns e a importância da empatia perante as adversidades.

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Uma jornalista apaixonada por música, literatura e cinema. Seus maiores hobbies incluem criar playlists para personagens fictícios e falar sobre Taylor Swift nas redes sociais.
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