“Carta Camponesa” (“Kaddu Beykat”), de Safi Faye (FRA-Senegal, 1975) foi o primeiro longa metragem africano dirigido por uma mulher a ser distribuído comercialmente.
“Carta Camponesa” conta a história de Ngor e Coumba, casal que vive em uma pequena vila no Senegal e há tempos tenta se casar. Os dois enfrentam muitas dificuldades para sobreviver e se manter juntos, porque a colheita de amendoim, única opção comercializável “herdada” da colonização, está sofrendo com a falta de chuvas. Permeando uma linha fluída entre documentário e ficção, uma vez que a diretora filma o cotidiano de sua própria vila, expondo as agruras e as delícias do dia a dia de seu povoado, Safie Faye trabalha a dicotomia entre tradição e modernidade, além de fazer uma dura crítica à colonização francesa dos povos africanos.
Sob a “arbre à palabres” (árvore em cuja sombra os homens se reúnem para conversar – cena da imagem abaixo) são debatidos temas que permeiam o cotidiano da vila, com implicações que alteram a realidade cultural, religiosa, social e econômica daquela sociedade, partindo do micro para alcançar o macro. Em uma cena antológica na qual um dos personagens traduz as matérias de um jornal trazido de uma cidade próxima sobre as influências políticas na região, cada um daqueles habitantes narra o que seria “política” para cada um deles e como ela os impacta.
Importante destacar o quanto o trabalho de som é relevante na composição narrativa do filme, uma vez que a captação direta traduz para as telas que a opressão pode se dar de muitas formas, inclusive a sonora. Aliado a este recurso narrativo e a formação da diretora em antropologia, o filme pretende ser um contraponto à filmografia da época realizada por grandes nomes do cinema eurocêntrico e hegemônico na qual os próprios “nativos” podem e devem contar a sua própria história, sem o aprisionamento em estereótipos produzidos pelo olhar colonizador.
Com exibição proibida no Senegal, “Carta Camponesa” é um filme que trata da pobreza e dos impactos diretos e indiretos que a colonização francesa provocou principalmente nas zonas rurais do país.
“Um dia eu percebi que podia utilizar as informações sociológicas e econômicas para fazer um filme. Então eu criei uma pequena história de amor entre um homem e uma mulher que não podiam se casar por conta da difícil situação econômica de seu país. Assim foi o começo de ‘Kaddu Beykat’ que não significa ‘Cartas Camponesas’, como foi traduzido em alguns lugares, e sim ‘Palavras’, ou ‘Palavras dos camponeses’. Eu inclui, contudo, uma carta nesse filme para mostra ao mundo e enfatizar a maneira como eles viviam.” (tradução de Janaína Oliveira da fala de Safi Faye em entrevista a Frank Ukadike).