A Pior Pessoa do Mundo: a vulnerabilidade em uma vida adulta

A Pior Pessoa do Mundo: a vulnerabilidade em uma vida adulta

Joachim Trier é um diretor norueguês que desde o lançamento de seu primeiro filme em 2006 conquistou fãs e prêmios ao longo do globo. Ao sentar para assistir uma das obras de Trier, é necessário ter em mente que não será uma jornada fácil. Independente dos diferentes modos de abordagem que fazem parte da filmografia do diretor, os tópicos nos quais ele toca não são simples, constantemente deixando a audiência desconfortável ao longo dos minutos. 

Em sua estreia como diretor, o filme Reprise (2006) dá início a um trio denominado Trilogia de Oslo, co-escrita com Eskil Vogt. No primeiro ato da trilogia, o filme reconta a amizade de dois romancistas jovens, cujas carreiras tomam diferentes caminhos, mas se cruzam em momentos significativos. O segundo é Oslo, August 31 (2011), baseado no romance de Pierre Drieu La Rochelle, Will O’ the Wisp (1931), reconta um dia na vida de um ex-usuário de drogas. A Pior Pessoa do Mundo (2022) é o componente final da Trilogia de Oslo, que possui o fio condutor o simples fato de que as três obras se passam na cidade da Noruega, seguindo personagens distintos e sem ligações profundas entre si. 

Cena de Reprise (2006), primeiro filme da Trilogia de Oslo.

A história de A Pior Pessoa do Mundo

O ganhador de melhor filme em língua estrangeira pelo New York Film Critics Choice é segmentado em doze capítulos, além de um prólogo e epílogo. O filme introduz a personagem de Julie (Renate Reinsve), uma estudante de medicina acostumada a exceder expectativas acadêmicas. Mas logo no prólogo ela percebe que possui uma afinidade para estudar a mente mais do que o corpo, trocando seu diploma para psicologia. Logo em seguida, ela abandona a universidade para se dedicar à fotografia e por fim se torna vendedora de livros.

Ao longo dos doze capítulos, que podem abordar uma única noite ou anos da vida da personagem, com diferentes tempos de duração no corpo do filme, observamos Julie se mover pelo mundo, caindo em padrões autodestrutivos enquanto tenta procurar por algo. O que ela procura? Não sabemos, assim como a própria personagem, que afirma se sentir “como uma coadjuvante em sua própria vida”, algo que faz com que todos os espectadores se sintam relacionados com Julie, compartilhando um sentimento similar nos momentos mais confusos de suas vidas. 

Julie (Renate Reinsve) em A Pior Pessoa do Mundo | reprodução

Uma trajetória inconstante

Em Julie, uma ansiedade denominada popularmente como millennial se manifesta em explosões de frustração, pela sensação de se sentir presa em constantes lutas de autodescobrimento que não levam à epifania alguma. Ela tenta explicar essa emoção para seu namorado Aksel (Anders Danielsen Lie), mais de uma década mais velho que sua namorada, e que tem dificuldade de compreender a circunstância que ela quer explicar e compartilhar com a pessoa mais importante em sua vida, no momento. 

Aos 30 anos, existe uma certa expectativa social para que sejamos definidos por momentos importantes, impulsionando a vida para um avanço positivo, portanto, entrando no mundo adulto real. As ansiedades de Julie sobre querer ser mãe ou não, querer estar em um relacionamento seguro ou qual carreira é a ideal transbordam da tela e tocam o público de forma muito particular. Tudo isso ocorre enquanto a personagem luta com essa natureza agitada de nunca possuir uma certeza de nada, pois os caminhos possíveis são muitos e o medo de escolhas erradas, paralisante.

Essas são algumas das questões que Trier coloca ao longo do filme, criando um senso de melancolia ao longo da obra, já que não existem respostas fáceis para elas, as quais o diretor também não tenta responder. Aksel é um parceiro razoável, que parece atender a todas as necessidades de Julie, porém, ela não se encontra preparada para se comprometer às necessidades dele. A espectadora é colocada diante da triste, e frequente realidade, de que ali estão duas pessoas que sentem muito amor um pelo outro e que precisam aceitar a impossibilidade de seu relacionamento naquele momento.

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Aksel e Julie em A Pior Pessoa do Mundo
Aksel (Anders Danielsen Lie) e Julie em A Pior Pessoa do Mundo | reprodução

O próprio título do filme é uma brincadeira com a ansiedade sentida por Julie. Apesar das decisões controversas tomadas por ela ao longo do filme, essas ações não chegam nem perto de torná-la a pior pessoa do mundo: demonstram apenas uma mulher vulnerável e com imperfeições. Assim como todos na faixa etária de Julie, ela se encontra amedrontada pela irreversibilidade das escolhas feitas na vida.

O longa não julga as ações da protagonista, fica a cargo da espectadora considerar a moralidade dos atos realizados por ela. A obra está interessada em mostrar um sentimento muito comum, que sobrecarrega a cada uma de nós. Em uma cena particularmente bela, Joachim Trier mostra como uma decisão é capaz até de parar o tempo, criando uma sequência de imagens que capturam como é ser alguém deixado para trás em uma relação. Tal cena realça o sentimento de vivenciar um novo amor ao mesmo tempo da desolação de superar um antigo.

Reconstrução da vida adulta em A Pior Pessoa do Mundo

A Pior Pessoa do Mundo também pode ser considerado um filme do gênero de transição para a vida adulta, ou coming of age. Apesar da maioria das obras nessa categoria se apresentarem com protagonistas no final da adolescência ou em seus 20 anos recém completos, a obra de Trier aponta para o fato de que a natureza humana está em um constante estado de movimentação. O diretor mostra que a transição para a mentalidade de uma vida adulta não possui uma idade designada previamente. Dessa maneira, Julie revela que mesmo em seus 30 anos ainda é possível passar por momentos de incerteza graves, onde términos, realizações e crenças podem começar a aparecer ou serem desconstruídos. 

Cena do filme A Pior Pessoa do Mundo | reprodução

Aos 30 anos, a necessidade de se tornar quem você quer ser, se apaixonar para sempre, ter uma profissão de sucesso envolve uma pressão social imensa. A narrativa do filme toca em todos esses pontos, mostrando que os acontecimentos e sentimentos que julgamos serem verdadeiros sobre nós mesmos podem mudar ao passar do tempo, já que nossa existência é composta por começos e conclusões, desilusões e êxitos. É possível, até para um adulto, errar de maneira colossal. A diferença é que Julie toma responsabilidade por seus próprios erros.

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Além disso, os planos que fracassaram podem não importar tanto quanto o ato de ter coragem de começar novamente. Apesar de toda a dor de ver momentos perdidos e acabados, uma dor que pode, no fim, nunca ser curada totalmente, Julie aceita que vive sua própria vida, não podendo viver nada além de seu pessoal momento nessa terra. O tópico de romantização da vida não é o essencial aqui. O que importa para a obra é fazer a espectadora perceber que ela é quem vive a própria vida e quando um momento, uma hora, um dia passa, ele nunca mais pode ser recuperado, as ações não podem ser modificadas. 

Eivind (Herbert Nordrum) e Julie em A Pior Pessoa do Mundo | reprodução

A mudança de tom do filme da ocasional comédia para romance e, por fim, drama demonstra como a vida também pode mudar constantemente, sugerindo que é possível sentir que se está em um momento de segurança e rotina, quando súbitas mudanças acontecem e somos obrigadas a nos adaptar a novos lugares e relacionamentos. 

Renate Reinsve têm uma atuação digna de menção. Ganhadora do prêmio de melhor atriz do Festival de Cannes, Reinsve consegue captar os sentimentos conflitantes de Julie, muitas vezes encenando uma face radiante enquanto, por dentro, sabemos que existe uma personalidade repleta de ansiedades e dúvidas. É um excelente complemento à atuação de Anders Danielsen Lie, que consegue representar o papel de um homem com uma carreira sólida, certo do que quer retirar da vida e ao mesmo tempo um namorado com sentimentos intensos, desesperado em sua necessidade de fazer um relacionamento funcionar.

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Cena de A Pior Pessoa do Mundo. Reprodução.

A Pior Pessoa do Mundo, concorrente de melhor roteiro original e melhor longa-metragem internacional do Oscar 2022, é um filme sobre como jamais será possível saber se os caminhos que escolhemos são os certos. É necessário encarar a verdade de que podemos escolher apenas um. O primordial é fazer as pazes com nossas escolhas, mesmo que elas não sejam as melhores, assim como Julie faz ao longo do filme. A ideia de viver é continuar escolhendo e passando por momentos, não perder todo o tempo com uma noção de chegar a algum lugar final metafórico, que pode nunca se concretizar. 

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Historiadora e Pesquisadora de Cinema. Fã de horror, filmes, livros, hóquei e de um pug chamado Batata. Sempre pode ser encontrada com café.
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