[LIVROS] The Girl From Everywhere: Uma construção feminina do destino (Resenha)

[LIVROS] The Girl From Everywhere: Uma construção feminina do destino (Resenha)

The Girl From Everywhere – O Mapa do Tempo, lançamento da editora Morro Branco, é um livro infanto-juvenil da escritora Heidi Heilig. Embora more no Brooklyn, Heidi Heilig cresceu no Havaí. E coloca em sua história diversos elementos da cultura local, assim como de outros lugares pelos quais passou. Constrói um romance sobre viagem no tempo, mitologias diversas e uma protagonista feminina que ultrapassa as barreiras – da história e dos estereótipos.

Nix cresceu em um navio. Rodeada pelas histórias fantásticas que lia nos livros, embarcou em aventuras diversas junto ao Temptation. Porém, a mais fantástica de todas foi a sua própria aventura, aquela que poderia, de repente, ser apagada da história.

The Girl From Everywhere

Protagonismo feminino na ficção científica

Seu pai, o capitão Slate, é um navegador. Isto significa que ele pode viajar por diversos lugares e tempos desde que tenha o mapa certo. A condição necessária é que o mapa tenha sido desenhado na época para a qual se deseja ir e que retrate o local da exata forma que se encontra na data. É preciso, também, que o navegador acredite no local para o qual se dirige. Assim, é possível visitar linhas dos tempos e lugares fantásticos, tornando reais os mitos sobre os quais Nix sempre leu.

Embora seu pai seja da linha do tempo contemporânea, Nix é de 1868, o mesmo ano em que sua mãe morreu. Seu pai nunca superou o ocorrido, e nenhum mapa de 1868 parece ser capaz de levá-lo à época para salvar sua amada. Apesar disso, ele continua tentando, colocando todos no navio em busca do mapa certo.

Nix também deseja salvar sua mãe e conhecer uma realidade que foi impedida de viver. Mas as incertezas são maiores que seu desejo. Viajar no tempo nunca é tão simples quanto parece. Envolve uma série de paradoxos e questionamentos acerca do destino. Salvar sua mãe significa não viver as aventuras a bordo do Temptation. Significa não conhecer Kash. Significa apagar tudo o que ela já viveu. Significa tornar-se outra pessoa.

Mulheres como determinantes da humanidade masculina

O enredo é movido pela busca desenfreada do pai de Nix. O anseio de buscar uma alternativa para a morte de Jin define a relação que ele constrói com a filha. É um relacionamento conturbado, que intercala manifestações breves de um estranho afeto e autoritarismo paterno.

O fato de ser viciado em ópio não contribui para o amadurecimento da relação. Slate ignora, por vezes, que existe uma pessoa sob seus cuidados. Egocentrismo do personagem masculino? De certo modo, pode-se dizer que sim. Comumente a personagem feminina é utilizada para conceder ou retirar a humanidade de um homem. Apesar de apresentar um clichê de um homem que se tornou uma versão pior de si pela perda da mulher amada, o foco não é no sofrimento dele. O lado positivo dessa perspectiva é focar no quão egoísta este pai foi durante a criação de sua filha.

Por vezes a ausência de Slate se une a uma sensação de antagonismo. Ser pai é mais do que fornecer os meios de subsistência. E não bastasse a omissão em seus deveres para com Nix, atua, por vezes, no caminho contrário aos interesses da filha. Ignora as consequências de seus atos e ainda exige que Nix faça parte de seus esquemas.

Destino como justificativa de comportamento

Conforme a história caminha revela-se a justificativa de Slate: destino. Mas em nenhum momento a autora sugere que Slate deva ser perdoado por isso. Existe destino de fato ou a previsibilidade do destino define as condutas que nele culminarão? Nada obrigava Slate a agir de modo negligente com Nix. Ao mesmo tempo, não fosse a sua atitude, nada na vida de Nix seria como é.

Por um lado, Nix o perdoa por apreciar os aspectos felizes da sua vida. Todavia, é difícil julgar uma realidade quando ela é a única que se conhece. Ainda assim, Nix aceita que aquela é a sua realidade e se esforça para mudá-la no instante. Isto se dá, inevitavelmente, pelo confronto aos modos de seu pai e capitão.

Romance não estereotipado

Apesar  de incluir romances na narrativa, a autora não coloca neles o foco da história. E, diferentemente de outros livros do gênero, não insere elementos abusivos na construção dos relacionamentos. Nix é a protagonista, a verdadeira guia de sua história. Ela não limita suas atitudes em função dos interesses amorosos, Kash e Blake.

Do mesmo modo, é interessante a forma como a autora trabalha a clichê imagem do triângulo amoroso. Ao longo da narrativa, Nix mostra-se genuinamente dividida entre esses dois romances. Não constitui, porém, uma indecisão ou fraqueza da protagonista, mas um humanismo de sua parte. Nix se divide entre as histórias que poderia ter vivido e aquelas que de fato viveu.

Não obstante, apresenta clareza na percepção de seus relacionamentos. Enquanto todos a tripulação do Temptation viveram experiências fora daquela realidade, Nix sempre esteve restrita ao navio. Nunca teve a liberdade suficiente para viver algo por si – o que também é compreensível tendo em vista que a personagem possui apenas 16 anos. Por esse motivo, não se impede, tampouco se culpa, de vivenciar aquilo que deseja.

Mulheres no comando

Outro ponto positivo da narrativa é a inserção de personagens femininas que fogem ao estereótipo. Nix, uma protagonista de ascendência chinesa e americana, tem 16 anos e possui maturidade compatível com a idade. Isto não a impede, contudo, de ser forte e corajosa. Ainda, é reconhecida como uma das mais inteligentes estrategistas. Enquanto seu pai está preso aos fantasmas de seu passado, Nix faz as rotas do Temptation acontecerem. É, de certo modo, um caminho para sua emancipação como capitã.

Além de Nix, há duas personagens femininas de impacto, Joss e Bee. Bee é uma mulher lésbica, viúva e destemida. Não é por ser a única mulher no navio que Bee assume o papel materno. Pelo contrário, as responsabilidades de Bee são as mesmas de todos os tripulantes. Sua relação com Nix é de amizade, mas sem o comum caráter maternal que se costuma atribuir às mulheres.

Joss conheceu a mãe de Nix. Portanto, tem conhecimento do passado de Nix e dos rumos que sua vida podem tomar. Veio de uma realidade difícil e tomou o controle de sua vida. A venda do ópio pode ser uma atividade questionável na trama. No entanto, é Joss quem interfere, indireta e sutilmente, em importantes esquemas da história.

The Girl From Everywhere

Uma nova visão do estilo

Apesar dos caminhos que a literatura ainda precisa percorrer para quebrar com os estereótipos da ficção de protagonismo feminino, é importante observar as novas tendências. Cada vez mais histórias são publicadas em que o foco não é relação amorosa da protagonista, mas a sua trajetória de vida.

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The Girl From Everywhere é um livro interessante, de fácil leitura e que consegue trazer elementos de questionamento. Rompe com a ideia de que mulheres não podem escrever ou protagonizar ficções científicas.

Mais que isso, com a ideia de que a ficção científica é apenas um elemento para um enredo de exclusivo romance. O livro discute as relações humanas, focando principalmente na relação de Nix e seu pai. Discute a ideia de um amor obsessivo, que determina a vida, quando poderia integrá-la. E aborda a importância dos mitos no desenvolvimento humano.

Enfim, é uma história infanto-juvenil que entretém e agrada. O final é aberto, possivelmente um gancho para a continuação, intitulada The Ship Beyond Time (O Navio Além do Tempo, em tradução livre).


The Girl From Everywhere

The Girl From Everywhere – O Mapa do Tempo

Autora: Heidi Heilig

416 páginas

Editora Morro Branco

Esse livro foi fornecido pela editora para resenha

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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