Música e cultura como forma de manter #MariellePresente

Música e cultura como forma de manter #MariellePresente

No dia 14 de março de 2018, a luta pelos direitos humanos no Brasil sofreu um baque que chocou o país e o mundo: a vereadora Marielle Franco foi assassinada, junto ao motorista Anderson Gomes, no centro do Rio de Janeiro (RJ). A socióloga era conhecida por defender questões em prol de mulheres e de pessoas LGBT, negras e moradoras de favelas. O assassinato, portanto, foi mais do que um crime com o objetivo de atingir uma mulher também negra, LGBT e de origem periférica que estava a conquistar cada vez mais espaço dentro da política formal, como simbolizou ainda um ataque às vozes e grupos representados pela luta de Marielle.

Com o impacto do crime e de seus desdobramentos, homenagens e protestos estão sendo feitos em diversas cidades espalhadas por todos os cantos do planeta. No meio artístico e cultural, foram muitas as menções ao trabalho da vereadora: Caetano Veloso, Emicida, Karol Conká, Elza Soares e Maria Gadú, por exemplo, são alguns dos nomes que utilizaram da própria influência para, de alguma forma, colaborar com a divulgação do assassinato e de pautas que afirmem a importância dos direitos humanos em uma democracia. A funkeira MC Carol foi além e lançou a música Marielle Franco, com o intuito de preservar a memória da vereadora e de denunciar o genocídio negro em curso no país: de acordo com o Atlas da Violência 2017, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil atualmente, 71 são negras.

A funkeira dedica a música a todas as mulheres negras vítimas de violência e, com hits como Delação Premiada e 100% feminista no repertório, tem se mostrado cada vez mais disposta a transparecer o que acredita no próprio trabalho. Na música Marielle Franco, que conta com participação do coletivo Heavy Baile, MC Carol canta em uma voz abafada o desespero de enfrentar a cotidiana sensação de que não possui direitos.

A música e o clipe relembram ainda a vida de outras pessoas negras que foram assassinadas ou perseguidas, como Claudia Silva Ferreira, Rafael Braga e Luana Barbosa dos Reis, por exemplo. O funk, sempre na mira dos olhares preconceituosos, mais uma vez saiu na frente quando chegou a hora de colocar o dedo na ferida.

“O povo preto tá sangrando todo dia

Eu não aguento mais viver oprimida

Nesse país sem democracia

Eu tô me sentindo acorrentada, desmotivada

Eu também naquele carro fui executada

Eu tenho ódio, pavor, eu sinto medo

A escravidão não acabou, estão matando os negro

Estão cansado de ser esculachado, roubado

Oprimido, preso, forjado”

 [MC Carol ft. Heavy Baile – Marielle Franco]

Contudo, artistas que não se posicionaram ou que minimizaram a importância de ressonar mundialmente a execução de Marielle, crime de caráter evidentemente político, também entraram em debate. Embora cada indivíduo tenha o direito de impulsionar ou não uma causa, o público tem o direito de analisar, entre falas e omissões, o quanto de conexão ou de mera apropriação existe em um discurso artístico.

Quem utiliza bandeiras que envolvem questões como empoderamento feminino e igualdade social ou evoca elementos estéticos e sonoros desenvolvidos por grupos periféricos, por exemplo, não deveria estranhar a expectativa do público: se posicionar, afinal, é também contribuir com a prática do discurso. Portanto, as pessoas acabam esperando que seus ídolos projetem a própria influência em prol de causas que reforcem a importância dos direitos humanos até mesmo como maneira de buscar a manutenção das esperanças coletivas e a perpetuação da memória de quem sofreu injustiças.

Porém, além da possível diversidade e divergência de posicionamentos, existem também diferentes tipos de produções artísticas dentro de uma escala que pode variar do controle total sobre a própria obra até a massificação condensada por meio de uma persona pop. No entanto, claro que a prática traz muito mais nuances misturadas do que qualquer tentativa de categorização. E tudo isso pode colaborar com reflexões que caminhem para a quebra de idealizações.

Em uma entrevista para o Nexo, Fabiana Batistella, diretora da conferência musical SIM, disse que a arte tem “o poder de transformar” e, por isso, o meio artístico tem a “responsabilidade de se posicionar”. Na mesma reportagem, Adri Amaral, professora de pós-graduação em Comunicação da Unisinos e pesquisadora do CNPq, alega que “celebridades, incluindo as da música, têm uma visibilidade que gera um tipo de expectativa da audiência”. Ela ressalta ainda que desde a década de 1960 existem cobranças por posicionamentos na música popular e, por conta da Internet e das redes sociais, essa cobrança saiu dos cenários alternativos e começou a permear outros meios.

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Logo, percebe-se que é um longo debate quando se fala em artistas e posicionamentos políticos. De qualquer modo, vale levar em consideração que política não é simplesmente uma roupa que pode ser vestida apenas quando se tem vontade. A omissão ou o privilégio de não precisar se importar com determinados temas com certeza carrega muito significado e, como dizem por aí, toda a arte é política – até mesmo quando pensa que não é.

Por isso, é importante ter em mente as sábias palavras da cantora, compositora, atriz e multitalentosa Janelle Monaé, artista negra norte-americana que, ao homenagear Marielle Franco, disse: “diga o nome dela para sempre”. Entre debates e canções, o que se espera é que ela não seja esquecida.

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Brasiliense, jornalista e especialista em gênero, sexualidade e direitos humanos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Adora internet, bandas de minas, livros, ideias novas, lugares diferentes e comidas deliciosas. É autora do blog Vulva Revolução e colabora em diversos projetos legais por aí.
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