Para Educar Crianças Feministas: o mundo igualitário para meninas e meninos começa no lar

Para Educar Crianças Feministas: o mundo igualitário para meninas e meninos começa no lar

Chimamanda Ngozi Adichie, contadora de histórias nigeriana e mundialmente aclamada por suas palestras e livros, dentre eles Hibisco Roxo, Americanah, Meio Sol Amarelo e Sejamos Todos Feministas, lançou mais uma leitura extremamente essencial para pessoas que apoiam pautas feministas e também para aqueles que têm dúvidas acerca dos temas: Para Educar Crianças Feministas: Um Manifesto reúne quinze tópicos sobre a importância da quebra dos estereótipos de gênero na criação de meninos e meninas, a fim de que haja mais oportunidades justas para ambos os sexos.

Não raro na sociedade, encontram-se manifestações de machismo velado. Mesmo vivendo no século XXI, muitas meninas são por vezes obrigadas a cuidar dos afazeres domésticos, enquanto à mesma parcela de meninos resta a “difícil” tarefa de jogar videogames e se dedicar ao futebol.

O problema com as divisões de tarefas domiciliares vem de séculos atrás, nos quais o homem era o provedor definitivo do lar, a força motriz da família, enquanto às mulheres restavam os cuidados da casa e a procriação. Porém, os tempos mudaram. Meninas são tão capazes de jogar futebol e serem campeãs nos games, quanto garotos podem varrer a casa ou lavar a louça, desde que haja um direcionamento vindo dos pais, os quais devem também influenciá-los na prática.

Para Educar Crianças Feministas
“#FEMINISMO não é uma palavra suja.”

Escrito em forma de carta para uma amiga, que recentemente deu à luz a uma garotinha, Chimamanda narra o que fazer – e o que não fazer – para que Chizalum Adaora cresça em um mundo que não a silencie e machuque pelo fato de ser mulher:

Ensine a ela que ‘papéis de gênero’ são totalmente absurdos. Nunca lhe diga para fazer ou deixar de fazer alguma coisa ‘porque você é menina’.

‘Porque você é menina’ nunca é razão para nada. Jamais.

Lembro que me diziam quando era criança para ‘varrer direito, como uma menina’. O que significava que varrer tinha a ver com ser mulher. Eu preferiria que tivessem dito apenas para ‘ varrer direito, pois assim vai limpar melhor o chão’. E preferiria que tivessem dito a mesma coisa para os meus irmãos. (ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Para Educar Crianças Feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2017)

A autora divide seus conselhos em pós-nascimento, infância, adolescência e vida adulta de Chizalum e, logo na primeira dica, informa à mãe a importância de ela continuar sendo a mesma mulher que fora antes da gravidez, nunca menos. Muitas pessoas possuem a visão engessada de que uma mulher não pode ser mais do que mãe após o parto, tendo de levar uma vida estritamente caseira e abandonar o emprego. Chimamanda preza pela independência feminina e por sua disposição para o trabalho, uma vez que, se for da vontade da mulher continuar trabalhando, este direito não lhe pode ser negado. É claro que se a mulher decide dedicar sua vida ao filho ou filha e aos cuidados do lar, não pode de maneira alguma ser diminuída por conta disso: só as mulheres sabem o que é melhor para si e devem decidir isto.

Outro ponto importante que Chimamanda aborda em Para Educar Crianças Feministas – Um Manifesto, em sequência, é a participação efetiva do pai nas tarefas que muitos enxergam como restritas à mãe. Para a autora, os pais devem igualmente dividir os cuidados para com a criança, sendo que o pai não deve ser elogiado ou exaltado por isso, afinal os dois são responsáveis pelo bebê.

A preocupação com a cor dos objetos e roupas pertencentes à Chizalum também são mencionadas por Chimamanda. A desigualdade entre os sexos começa com os produtos cor-de-rosa sendo relacionados às meninas e, os azuis, aos meninos. Ela encoraja a amiga, Ijeawele, a não se prender a estas duas convenções de cores na hora de vestir sua filha, bem como na compra de brinquedos – e, a estes últimos, Chimamanda também se atenta: por que o setor de brinquedos divide claramente bonecas e utensílios de cozinha para as meninas e, para os meninos, carros, motos, laboratórios de ciência, jogos de tabuleiro e uma infinidade de objetos que os permitem ser quem bem entenderem? Chizalum deve ser presenteada com bonecas, caso queira, mas brinquedos que a instiguem a ir além e influenciem sua imaginação devem estar presentes em sua vida constantemente.

A leitura abre portas para mundos incontáveis e é aos livros que Chizalum também deve se apegar para que cresça com a mente aberta ao novo. Lendo diversos tipos de literaturas, não apenas a ocidental (na palestra O Perigo de uma História Única, Chimamanda relata a problemática acarretada por uma visão eurocêntrica e americanizada repassada por literaturas que reforçam estereótipos raciais), como também a africana. Conhecer a cultura do povo Igbo, os costumes de seus ancestrais e dos familiares que com ela convivem é um passo importantíssimo para sua autoafirmação como mulher negra, empoderada e transformadora do mundo em que vive.

Esteja atenta também em lhe mostrar a constante beleza e capacidade de resistência dos africanos e dos negros. Por quê? A dinâmica do poder no mundo fará com que ela cresça vendo imagens da beleza branca, da capacidade branca, das realizações brancas, em qualquer lugar onde estiver. Isso estará nos programas de TV a que assistir, na cultura popular que consumir, nos livros que ler. Provavelmente também crescerá vendo muitas imagens negativas da negritude e dos africanos.

Ensine-lhe a sentir orgulho da história dos africanos e da diáspora negra. Encontre heróis e heroínas negros na história. Existem. Você talvez precise contradizer algumas coisas que ela aprenderá na escola – o currículo nigeriano não é muito imbuído da ideia de ensinar as crianças a sentirem orgulho da história. Os professores serão ótimos em ensinar matemática, ciências, artes e música, mas você mesma é que terá de lhe ensinar orgulho. (ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Para Educar Crianças Feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2017)

Meninas não podem sair sozinhas. Meninos sim. Há preocupação com o despertar sexual das meninas, há preocupação com seios que crescem e são constantemente escondidos por roupas que tiram delas a liberdade de sentirem e repararem seus próprios corpos. Meninas são mecanicamente ensinadas a se envergonharem da própria menstruação. Enquanto para os meninos, a puberdade é motivo de orgulho. Chimamanda instrui Ijeawele a conversar abertamente sobre as mudanças decorrentes da adolescência e sobre sexo com Chizalum quando chegar a hora, para que ela saiba se defender e como agir perante os desafios que os anos anteriores à idade adulta a reservam.

A educação deve ser permeada por ideais feministas, mas a autora atenta para que os pais não a façam com palavras complicadas. Haverá o momento em que meninas e meninos entenderão plenamente termos como “empoderamento” e “sororidade”, mas o mais importante é que eles sejam mostrados na prática, com exemplos no próprio dia a dia das crianças.

O texto de Chimamanda é fácil, descontraído, didaticamente agradável e deve ser lido não apenas por pais e mães, mas também por educadores, a fim de que haja um reforço na quebra de estereótipos dentro da própria escola, lugar que muitas vezes incita a rivalidade entre meninos e meninas. O mundo e sua vasta gama de acontecimentos existem para mulheres e homens e, desta mesma forma, devem ser desfrutados igualitariamente por ambos.


Para Educar Crianças FeministasPara Educar Crianças Feministas: Um Manifesto

Companhia das Letras

Ano: 2017

94 páginas

Onde comprar: Amazon

Este livro foi cedido pela editora para resenha

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Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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