Já falamos muitas vezes sobre a construção e a fórmula tradicional do amor romântico. Muitas séries e filmes vêm quebrando esse paradigma ainda em forma de relação afetiva, felizmente saindo do padrão heteronormativo. Mas e se houver a possibilidade de realmente nos liberarmos dessa ideia de que existe uma pessoa especial para cada um? Alguém com quem dividir a vida e formar uma família? E se ao invés de nos fixarmos tanto no amor afetivo, nos aprofundarmos nas diferentes formas de relacionamento humano? Abaixo, vamos pensar sobre a amizade entre mulheres e homens em algumas obras de ficção.
Outro romance de verão e uma amizade inusitada
A série italiana “Summertime“, lançada em abril na Netflix, conta a história de amor entre a jovem e sonhadora Summer (Coco Rebecca Edogamhe), com o rebelde motoqueiro Alessandro (Ludovico Tersigni). O roteiro é uma nova adaptação do romance “Três metros acima do céu”, do autor Frederico Moccia, antes adaptado para o cinema italiano em 2004, e depois para a TV espanhola em 2010. No geral, sabemos que esse amor jovem de verão já foi encenado várias vezes em diversas plataformas, e é uma fórmula deliciosa.
Para além do romance, Summertime também tira proveito do pano de fundo da pequena cidade litorânea onde os personagens vivem. E essa dualidade vem da perspectiva de quem fica nos lugares turísticos em contrapartida àqueles que apenas passam para depois partir.
Summer é filha de um jazzista – daí seu nome inspirado na música homônima de George Gershwin que ficou famosa no trompete de Miles Davis e também pela voz de Janis Joplin. O pai vive em turnê no verão, deixando sua mãe, interpretada pela incrível cantora italiana Thony, cuidando sozinha dos dramas adolescentes das filhas.
A série começa mostrando a grande intimidade que envolve o trio de amigos formado por Summer, Sofia (Amanda Campana) e Edo (Giovanni Maini). E como eles, que começam muito unidos na escola, acabam se dividindo frente a diversos acontecimentos catapultados pelo início da temporada e a chegada dos turistas.
Todos os conflitos parecem triviais, mas eles vêm com uma carga extra dramática e caracteristicamente italiana. Interessante ver a construção masculina que vem também mudando com o tempo, onde jovens são sensíveis, choram pra caramba, e não têm medo de demonstrar afeto. Mas o que chama mesmo a atenção é o relacionamento entre os amigos Sofia e Dario (Andrea Lattanzi).
AVISO: Spoilers a seguir
Em um primeiro encontro parece que vai rolar um flerte entre eles. Daria, que além de mecânico – trabalha com Ale, seu melhor amigo, nas corridas – é também DJ. É Sofia que se aproxima dele pela primeira vez quando está tocando na festa em que Summer e Ale se conhecem. Sofia, melhor amiga da mocinha, é quem insiste para que elas estejam nessa festa, e é nela que Sofia encontrar Dario em sua mesa de DJ. Os dois logo se entrosam comentando sobre música e combinam de se encontrar outro dia.
A surpresa vem para nós como espectadoras, assim como para Dario, ao descobrir que Sofia é lésbica e realmente só estava gostando de sua música. Uma amizade muito profunda se inicia então entre dois, que dividem suas frustrações jovens e o amor não correspondido que nutrem por outras pessoas.
Dario compartilha o fato de ser virgem e estar apaixonado pela ex-namorada de Ale. Sofi vive a tristeza de não ter seus sentimentos correspondidos por sua melhor amiga, Summer. É refrescante sair desse lugar comum da troca homem e mulher, e a série mostra como há muitas nuances a serem trabalhadas nesse lugar de troca.
Altas doses de amizade hipster em 2014
Em “Begin Again“, filme de 2014 dirigido por John Carney, o produtor de música, Dan (Mark Ruffalo), conhece Gretta (Keira Knightley), uma cantora aspirante. E juntos eles começam um projeto de shows independentes pelas ruas de Manhattan, com muita pegada hipster.
O filme, que tem até a participação de Adam Levine como Dave, namorado da cantora, mostra essa amizade que cresce entre Dan e Gretta, que se encontram – também pela música – em um momento complicado da vida dos dois. Claro que ambos são bonitos, charmosos e automaticamente queremos que fiquem juntos, mas a solução da amizade parece mais palatável para a construção desses personagens.
O mesmo acontece em “Um brinde a amizade” também de 2014, escrito e dirigido por Joe Swanberg. Kate (Olivia Wilde) e Luke (Jake Johnson) trabalham juntos em uma cervejaria artesanal. Ambos estão em relacionamentos paralelos e têm essa química. Os dois até chegam a consideram ultrapassar essa barreira da amizade, mas no final das contas seguem como os bons amigos que são.
Percebe-se que esse espaço da amizade ao invés do romance como assunto principal, permite principalmente que possamos compreender perfis femininos mais complexos para além do papel de “mocinha”. Kate bebe muito, é uma bagunça, e se mostra como uma personagem muito complexa em relação a sua amizade com Luke. O que talvez não aconteceria da mesma forma se eles formassem um casal no final.
Quando você se apaixona pelo seu melhor amigo
Não podemos deixar de lembrar do duo Julianne (Julia Roberts) e George (Rupert Everett) em “Casamento do meu melhor amigo” (1997), dirigido por P.J. Hogan. O filme, que se tornou um clássico romântico, mesmo quando assistimos a Julia Roberts perder o cara dos seus sonhos para Cameron Diaz, é mais um clássico pela parceria entre Julianne e George. Afinal, como esquecer da sequência maravilhosa em que George canta “I say a little prayer” de Aretha Franklin para Julianne? Tudo isso em meio a um almoço familiar com toda a família de Kimberly (Diaz)?
Nos apaixonamos pela possibilidade de parceria, por esse espaço onde os gêneros não são determinantes do que pode acontecer com duas pessoas, e como diria Drummond: “A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas”.