[MANGÁS] Entre o legal e o moral: O caso JBC vs Scanlators

[MANGÁS] Entre o legal e o moral: O caso JBC vs Scanlators

Essa semana sofremos uma grande confusão no meio web-editoral. Um dos maiores sites de scanlators perdeu parte de seu acervo mediante um processo movido pela editora JBC. Sites menores, receosos, tiraram de seus acervos obras da editora também.

Abriu-se uma verdadeira discussão e a internet rachou-se em dois grupos. De fato há boatos nada agradáveis acerca do scanlator que foi acionado, os quais não vêm ao caso no momento. O artigo vem abrir um debate analisando mais a fundo essa confusão que vai muito além de mera trocas de farpas e processos, mas toda uma análise do mercado atual de mangás e da internet. Estaria a JBC certa por completo? Os scans são os vilões dessa história?

O equilíbrio entre o legal e o moral

Uma coisa é inegável: legalmente a JBC detém os direitos de inúmeros títulos em território nacional. A franquia de Cavaleiros do Zodíaco (com exceção do Episódio G), Sailor Moon, Fairy Tail entre outros, são títulos dos quais a JBC faz o que bem entender em território brasileiro.

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Hunter x Hunter, Fairy Tail e Magi são alguns dos títulos removidos que pertencem à JBC

Porém é inegável que NEM TODOS TEM ACESSO ao material de forma física e a editora frequentemente é alvo de traduções duvidosas (leia esses artigos para entender: Link 1 e Link 2) e material precário. E os scans supriam isso.

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Folhas soltando e amarelando são relatos frequentes dos materiais da JBC

Outra coisa a qual se nega é que as editoras muito devem sim aos scanlators, pois graças a eles que elas podem medir o “termômetro” de obras populares em conjunto com os fansubbers.

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Muitos só tiveram como opinar a esta pesquisa graças às leituras em scans

A principal desculpa para a ação é que assim os leitores terão de comprar os volumes, mas basta dar uma rodada em grupos de discussão sobre a confusão e ver que mesmo lendo num ritmo próximo ao do Japão, conforme muitos sites traziam, os leitores contribuíam sim ao comprar os volumes físicos para colecionar. E esse muito é muito mesmo. Incluindo esta que vos escreve.

Outro X da questão é que muitos títulos da editora foram tiveram seus acordos feitos no tempo em que a internet de “qualidade” engatinhava no Brasil e computador ainda era um semi-luxo, então é provavelmente que ao pé da letra legal possa haver títulos os quais a JBC não detenha direitos digitais, onde os scanlators poderiam achar brecha. E sem contar os volumes fantasmas que simplesmente ninguém mais acha (e quando acha, custam quase o preço de um Fusca).

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Apesar do toque de brincadeira, dá para ver que scans tem uma parte importante no processo de compra do consumidor.

Em termos de marketing, a JBC deu um tiro no pé ao tomar a atitude, pois muitos que não poderão ter acesso ao material simplesmente não terão como conseguir o que já não conseguiam. Além do mais a própria editora vive numa vibe de político prometendo sua versão “Netflix”, conhecida por Henshin Drive, e nunca lançando.

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Acesso em 01/06/2017. Cadê a plataforma, JBC?

O dito “Nem tudo que é legal é moral” cabe bem nesse caso.

Todo problema é pouco

Vivemos em um país de dimensão continental, onde a distribuição é um problema gigante. Não há segurança, não há estradas decentes. Esse cenário contribui e muito para essa confusão toda que vemos. Existem cidades onde bancas de jornais praticamente só vendem jornais, mangás não existem. Livrarias, bookstores e comicstores praticamente se resumem a grandes centros. As editoras basicamente só trabalham com uma única distribuidora e, claro, esse monopólio não ajuda em nada.

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A distribuidora praticamente detém o monopólio nacional

Restam então as e-lojas. E então vem o frete com uma facada nos rins e um revolver na cara. Ano passado os Correios extinguiram a modalidade e-Sedex, que era muito barato e rápido, tendo uma rara qualidade em vista de seus demais serviços e infelizmente a maioria das lojas virtuais não conhecem a opção de registro módico (que sim, pode ser feito por CNPJ), uma opção barata e com rastreio, tornando o consumidor refém do PAC ou do SEDEX. A única loja virtual do segmento que podemos dizer que trabalha com um frete amigável é a Amora Book Store e seu frete fixo, baseado no módico de R$5,00.

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Outro problema é que cada vez mais vemos mangás mais caros  – e sua qualidade se mantém ou diminui. E nesses tempos de crise, não são todos que podem se dar ao luxo de pagar R$17 (arredondados) em um bloco feito de capa de papel cartão com miolo de papel jornal que no ano seguinte estará amarelado ou soltando (que são reclamações frequentes a editora).

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A JBC reclama da injustiça legal, mas algum defensor unilateral da editora (que obviamente não seja um colaborador) já chegou a conhecer as regras do Brasil manga Awards?

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E não, as coletâneas não rendem um único centavo aos artistas.

Quais as soluções então?

O Japão há alguns anos tentou lutar contra a pirataria e os scanlators e o resultado vemos até hoje: nada de fato mudou. E então o que muitas editoras passaram a fazer? Parcerias com sites focados em streaming de mangás (O Crunchryoll é um deles, com o serviço de leitor de mangás em inglês totalmente legalizado), criaram seus próprios leitores online e até mesmo distribuem online mangás seus gratuitamente (A Akita Shoten é um exemplo aqui e muitos fãs da franquia de Cavaleiros acompanham o Episódio G Assassin dessa forma). E ainda sim a venda dos tomos fechados se mantiveram bem.

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Plataforma gratuita e digital da Akita Shoten para a leitura de seus mangás. Fechou volume, o capítulo sai do gratuito.

Aqui no Brasil temos o serviço do Social Comics, porém, muitas editoras deram as costas, se tornando quase um nicho de editoras pequenas e artistas independentes.

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Acervo da editora Alto Astral no Social Comics

JBC, Panini e NewPop PRECISAM urgente migrar para plataformas digitais. E graças ao ritmo de publicação que nós, meros leitores já nos acostumamos com a cultura dos scanlators, de preferência lançar no ritmo semelhante ao do Japão. Senão, não importa o quanto lutem, os scans continuarão surpreendentemente mais sedutores que eles próprios.

Isso não anula de forma alguma a venda dos físicos, mas dinamiza as publicações, fideliza seus clientes, ainda mais se a parcela a ser paga não for um assalto e tiver formas de pagamento que atendam o maior publico leitor que ainda é de adolescentes (que não detém nenhum poder econômico) e de jovens adultos (com pouco poder econômico e os principais afetados nesta crise).

Basta uma zapeada em grupos de fãs e para ver que sim, um serviço digital é bem vindo ao público e muitos pagariam com gosto. Seja por ter acesso aquilo que, legalmente, não teriam como, seja pela própria praticidade. Fora que é imensamente menos custoso manter um acervo digital que cuidar de gráfica+estoque+distribuição.

JBC
Provocação do cabeça do scanlator Quartel Canvete à JBC. Print do “Mais de Oito Mil”.

Os capítulos desta novela ainda estão desenrolando. Temos scanlators que compraram a guerra, o que renderá futuras emoções. O que o senhor Medauar e a JBC, assim como seus concorrentes de peso farão é algo a se observar. Estamos de olho.

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