Las Chicas del Cable: Menos drama amoroso e mais ativismo e união na 3ª temporada

Las Chicas del Cable: Menos drama amoroso e mais ativismo e união na 3ª temporada

Acompanhar Las Chicas del Cable é ter a certeza de que ninguém terá paz. A calmaria dos principais personagens acontece entre uma temporada e outra e podemos ter um gostinho de como a vida deles pode ser alegre e tranquila só nos primeiros minutos, pois assim que o fogo é ateado, somos lembradas de que se trata mesmo de um novelão de sangue latino – desses que a gente adora passar raiva junto.

A terceira temporada de Las Chicas del Cable conta com menos drama amoroso e mais ação. Tem personagem sendo informante, com sede de vingança, no ativismo político e lendo livro erótico. A amizade entre as quatro telefonistas, Lídia, Marga, Ângeles e Carlota, está consolidada. Usam o grupo para se centrarem e se sentirem acolhidas, reforçando que a amizade deve ser uma troca espontânea e não de cobrança. Ainda que exista a pressão de estarem sempre presentes, elas percebem que às vezes é preciso se afastar um pouco pois os próprios problemas as impedem de se dedicar à causa alheia. 

As telefonistas, que nessa temporada pouco são telefonistas, desenvolvem suas próprias histórias sempre contando com o apoio das amigas. Lídia se dedica integralmente ao papel de mãe; Ângeles está de volta e acaba trabalhando para a polícia; Carlota usa o ativismo para escancarar o machismo e as injustiças de gênero; e Marga aprimora sua sexualidade e descobre que tem outras aptidões além das de telefonista.

A direção de arte, sempre em evidência, ganha agora chapéus mais modernos, cintura alta e mantém os batons vibrantes e onipresentes. A trilha sonora permanece sendo o fator que reforça a atemporalidade da luta feminista ao romper a coerência histórica com a música eletrônica moderna, servindo de som diegético às dançarinas do cabaré. Há novos personagens, alguns homens amadurecem, outros revelam sua incompetência. Tem morte, suspeita de morte e tentativa de morte, mas tem também vida, no nascimento e no recomeço.

AVISO: Contém SPOILERS da série a seguir

AS MULHERES DE LAS CHICAS DEL CABLE

Depois de duas temporadas sofrendo entre o passado e o presente, Lídia Aguilar / Alba Romero (Blanca Suárez) para de olhar para trás e se concentra no presente e no futuro. Embora seja ela quem puxe o novelão dramático, onde tudo é intenso e impulsivo, ela finalmente dá espaço para outras batalhas que não a indecisão pelo amor de dois homens. Entre Carlos (Martiño Rivas) e Francisco (Yon González), ela passa a distinguir com clareza o sentimento real que tem por um e por outro, e embora o casal Lídia e Carlos esteja definido e não haja dúvidas deste amor, eles não demonstram ter tanta intimidade e parecem precisar provar o amor e a lealdade um pelo outro o tempo todo.

Las Chicas del Cable

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De fato, sua relação com Carlos e Francisco é colocada em segundo plano quando o que a move durante a terceira temporada toda é o amor incondicional por sua filha Eva, desaparecida logo no primeiro episódio. Lídia anda na corda bamba entre a vingança e a justiça, não aceita a possibilidade de sua filha estar morta quando não há um cadáver para comprovar e faz valer seu instinto ao mover montanhas para descobrir seu paradeiro. Conta com a ajuda de suas amigas, de Francisco e de Carlos, e vestida de luto a série toda, não descansa até ter sua filha de volta em seus braços e se vingar de quem ordenou o rapto.

A rivalidade entre Lídia e a sogra Carmen Cifuentes (Concha Velasco) é a força motora da série, e as diferenças ficam mais evidentes do que nunca. A sogra, obcecada em manter os valores (financeiros, inclusive) da família e excluir a mulher que não acredita ser a melhor escolha para o seu filho, vira vilã com ares de Nazaré Tedesco, que rapta crianças para benefício próprio. De forma obcecada, Carmen vai até às últimas consequências para acabar com Lídia, manipula e joga sujo para conseguir o que quer. Até aí tudo bem, já tinha sido assim nas temporadas anteriores, mas perde-se muito ao reforçar o clichê vilanesco da figura da sogra, a tornando unilateral. Seria interessante ver de perto os conflitos internos que passa, os motivos pela preferência clara por um filho mais do que por outro. Falta camada, vulnerabilidade e a complexidade de um ser humano. A disputa gato e rato cansa a espectadora com coincidências improváveis e entendia com as soluções impulsivas, como as de contratar alguém para matar a pessoa como única forma de solucionar todos os problemas.

Marga, que sempre foi a protagonista do núcleo cômico, continua trazendo leveza para a série, principalmente com a entrada do novo personagem Júlio, o irmão gêmeo descoladão de Pablo que traz novas confusões à la A Usurpadora. No decorrer dos episódios Marga cumpre bem o papel de moça direita e de família, mas se frustra por não se realizar sexualmente tanto quanto seu marido, e é por recomendação de Ângeles que lê “O Amante de Lady Chatterley” (livro erótico do inglês D. H. Lawrence, que foi publicado clandestinamente no fim dos anos 20) e desperta o tesão que até então Pablo não a tinha feito sentir. Ainda que seja óbvio o desenlace da personagem com a confusão constante entre os dois irmãos, é muito gratificante ver ela desenvolver sua aptidão com os números, dando esperanças de que na próxima temporada seja uma excelente líder em um espaço predominantemente masculino, mostrando que mulheres são tão competentes quanto os homens ao assumir cargos que envolvem, veja só você, contas. Menos infantil e ingênua, Marga continua encarando os desafios da vida adulta com coragem e amorosidade; uma pena ser, entre as quatro, a que ganha menos relevância.

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Junto com o perdão do pai, Carlota recebe uma herança milionária e passa a usá-la para resolver qualquer situação e também para investir financeiramente nas Violetas, grupo de ativistas feministas no qual faz parte com Sara a outras telefonistas. No programa de rádio para mulheres e feito por mulheres, usa o pseudônimo Atenea (deusa da sabedoria e da justiça) para disseminar pautas progressistas, o que acaba chamando a atenção dos Cavaleiros da Ordem, um grupo misógino defensor da moral e dos bons costumes, “contra tudo que ataque a tradição e a ordem natural das coisas” (sic). O incômodo por não conseguir calar essas mulheres é tanto que apelam para a violência sexual, reforçando que estupro é muito mais sobre poder do que sobre desejo.

A atitude é bastante familiar entre os homens que defendem a família tradicional brasileira, mas que não perdem uma oportunidade de explorar e assediar as mulheres que os enfrentam, para assim continuarem alimentando seus egos flácidos. Diante da denúncia a polícia também nos faz lembrar de problemas atuais, como quando o policial se recusa a registrar o ocorrido, dizendo que não há agressão se não há delito, e sem crime não podem apresentar queixas, recomendando o intragável “parem de provocar” como solução para evitar uma nova violência. Mulher boa, é mulher calada.

O grupo Violetas se manifesta contra injustiças misóginas e feminicídio, e conta com a nova personagem Lucía, uma feminista radical que acredita que para se fazer ouvir deve se agir com violência; ela traz um ponto interessante ao defender a luta armada, dizendo que às mulheres sempre foi imposto o lugar da submissão e da pacificação, e que pegar em armas significa também ocupar espaços a elas negados. Este tipo de militância perde a razão quando se impõe como única solução possível, se voltando contra o próprio grupo e desmerecendo o ativismo que Carlota faz no programa de rádio, como se fosse impossível conviver com outra mulher que pensa diferente, sem que para isso precisem estar em lados opostos. O feminismo radical que Lucía defende também se enfraquece ao ter como o principal articulador um homem, que novamente impõe seu ego acima das pautas feministas para conseguir o que deseja e provar seu poder.

Las Chicas del Cable

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Se na segunda temporada Sara teve sua transexualidade exposta e colocada como grande ponto a ser discutido na terceira, nesta fica em banho maria sendo ofuscada pelas necessidades de Carlota, como se só tivesse espaço para um assunto importante por vez. Sara tem uma narrativa empobrecida, onde é resumida a ser Oscar durante a noite, apenas entre quatro paredes, não demonstrando angústias ou aceitação sobre sua transexualidade, questão que foi tão marcada na segunda temporada. A série também peca ao não abordar com profundidade a visão da sociedade sobre o relacionamento de Sara e Carlota, que ou foi ignorado ou foi aceito por todos, ambas possibilidades bastante incoerentes se pensarmos o quão transgressor seria um casal de lésbicas morar na mesma casa nos anos 20.

Depois de meses fugindo da polícia, Ângeles volta para Madrid e, assim como aconteceu com Alba, passa a viver uma vida dupla ao ceder à chantagem do inspetor Cuevas para se manter longe da prisão. Na terceira temporada ela se mantém sendo a personagem com a evolução mais admirável. Ainda que pareça ter retrocedido a liberdade e autonomia que desenvolveu na segunda temporada após a morte do marido, se mostra bastante consciente e dinâmica, e é definitivamente a que tem o melhor insight em relação a posição das mulheres na sociedade patriarcal. Quando ouve o inspetor Cuevas dizer que ela não deveria seguir o plano combinado, porque “uma mulher não deve fazer nada que não deseja“, Ângeles responde firmemente “E o que deve fazer uma mulher? Aquilo que um homem diz?“. Ângeles é inteligente e sagaz, mas está cansada de ser cercada pela perversidade dos homens, e nós também.

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Vale lembrar também de Elisa, uma das personagens mais desperdiçadas da série. Se na primeira temporada ela fez o papel da esposa louca e ciumenta de forma assustadoramente rasa, e na segunda evoluiu se mostrando sensata e estratégica – o que foi bastante satisfatório; na terceira, vê-la ausente quase a série toda é lamentável. Elisa é considerada morta e, ao aparecer, dá indícios preocupantes de que novamente poderá se tornar louca de tanto que a consideram e a tratam como tal – lembrando as tantas mulheres que foram compulsoriamente internadas por incomodarem demais – mas recupera a direção do próprio destino e se fortalece novamente, criando a esperança – provavelmente em vão – de que poderá ter uma narrativa mais interessante e libertadora do que nas temporadas anteriores.

OS HOMENS DE LAS CHICAS DEL CABLE

De fato, nesta temporada de o enredo não têm tanto foco nos homens quanto teve nas primeiras temporadas. Eles estão lá, óbvio, mas a história é sobre as mulheres e não sobre as mulheres com os homens. Ainda que coadjuvantes, é importante ressaltar alguns aspectos relevantes sobre eles.

Carlos, o escolhido de Lídia, pai de Eva, filho de Carmen, irmão de Elisa. Rodeado por mulheres, foi apresentado na primeira temporada como um jovem imprudente, festeiro e mulherengo; sua evolução revela um homem coerente, responsável e maduro. Tanto sua ética quanto sua visão moderna para os negócios são bem aproveitadas ao usar seu privilégio para dar espaço para que as mulheres tenham vez, como quando deu a oportunidade para Carlota ter seu programa de rádio e recriminou o discurso de ódio dos Cavaleiros da Ordem. Aprendeu a ver sua mãe com distanciamento e não se deixou levar pelo amor e ódio cegos de Lídia e Carmen.

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Francisco enfim tirou seu time de campo. Após duas temporadas dando murro em ponta de faca e trazendo só mais conflito e indecisão para Lídia, percebeu que sua hora passou e fez bom uso de sua posição como amigo. Agora sócio do cabaré White Lady (curiosamente frequentado por homens e mulheres) junto de Victoria, ele domina o novo ambiente prejudicando muito a história ao não explorar o know how de Victoria, que por anos esteve à frente dos negócios deste ramo. Muito poderia se aproveitar de Victoria, que deixou tantas pontas soltas nas temporadas anteriores, mas novamente foi apagada pela narrativa de outro personagem. A relação de Francisco com a nova personagem Pérola também revela o seu caráter egocêntrico, que acredita ser especial o suficiente para salvar a mulher dela mesma, sem que ela sequer tenha pedido ajuda.

Os gêmeos Júlio e Pablo trazem uma dinâmica própria para a série. Acerca de Marga, ambos têm uma relação de respeito pela moça, mas só até a página dois. Pablo ignora o fato de que sua mulher não se realiza sexualmente tanto quanto ele e, agora acamado e manco, nega os cuidados da esposa e perde relevância na trama, e também para Marga, dando espaço para um personagem mais interessante e sagaz, com pinta de canastrão mas também de bom moço, o bom e velho boy lixo. É gostoso ver Júlio em cena, principalmente pela bela atuação de Nico Romero, mas é irritante saber que o personagem é um encostado que se aproveita tanto do irmão doente quanto da cunhada bem intencionada para aproveitar a vida, mas que não é responsabilizado por carregar consigo um sorriso maroto e um jeito sedutor.

Por falar em boy lixo, outro homem desprezível que ganhou protagonismo na série é o inspetor Cuevas. Se a segunda temporada trouxe um ar de amor proibido entre ele e Ângeles, nesta o romance demora a desenvolver e de quebra ele ainda se revela um machista de revirar os olhos, desses que manipulam em nome do amor e da boa intenção. Ao longo dos episódios pede para que Ângeles se cale em uma reunião importante alegando que é para protegê-la, confessa que mentiu dizendo que não queria expô-la, ameaça com os segredos que têm, com a desculpa que quer mantê-la por perto, mas não é problematizado porque diz que a ama; Ângeles vai percebendo aos poucos, mas joga o jogo pensando em si e em sua filha. Já dizia o ditado que pior que um homem machista de direita é um homem machista de esquerda. E pois bem, o mesmo vale para os criminosos e detetives, este que por sinal tem se revelado desde a temporada passada um profissional bastante incompetente.

Entre tantos homens razoáveis, é lamentável que Uribe tenha deixado a série nessa temporada. O personagem já tinha revelado anteriormente ser interessante ao mostrar as camadas de uma pessoa que não é toda boa ou toda má. Além disso, é uma pena não ter mais o sotaque castelhano para apreciar, embora a esposa misteriosa o tenha, trazendo com ela o reforço do estereótipo da mulher interesseira e vingativa.

DEPOIS DAS EXPLOSÕES

A série, que começa com um incêndio na igreja e termina com a explosão da Companhia de Telefonia, dá pouco espaço para que se colham flores. Tem bem menos mal entendido que a primeira, e menos confusão que a segunda, porém mais dinamismo (e dinamites) que as anteriores. 

Para a quarta temporada – que já está sendo filmada e tem previsão para 2019 – fica a torcida de que alguns personagens não sejam tão unilaterais e sim aprofundados. Fica a esperança de que Sara tenha seu destaque merecido e de que Elisa tenha vez para ascender.

Las Chicas del Cable

Las Chicas del Cable deve ser contemplada e celebrada pelo protagonismo das mulheres e pela evidência das pautas feministas. Tem evoluído a representação das mulheres, a lealdade das quatro protagonistas, e as narrativas distintas vividas por elas, dando mais oportunidade para conhecermos personagens tão queridas em situações que não se resumem aos homens ou ao trabalho.

Las Chicas del Cable continua sendo uma boa escolha para quem gosta de sofrer, amar, se irritar e se divertir junto com as personagens, e ainda assim de poder problematizar estereótipos, a falta de diversidade e algumas conveniências de roteiro. Com o fim da temporada é também o fim da tormenta. Agora finalmente podemos descansar junto com a calmaria que voltará a reinar na vida dos personagens, pelo menos até a próxima temporada.

Autora convidada: Lígia Maciel Ferraz é taurina com lua em peixes, ama animais descabelados e pessoas esquisitas. Ao longo dos anos, entre tantas variáveis, a escrita sempre se manteve constante.

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