Os diversos olhares e a importância de ler mais autoras negras

Os diversos olhares e a importância de ler mais autoras negras

Meia hora do primeiro episódio da minissérie “Olhos que condenam“, pausa, enxugar as lágrimas, respirar, suspirar. Se essa foi sua reação ao assistir a última produção de Ava DuVernay (de “13° Emenda” e “Selma”, dentre outros), é provável que você esteja acompanhado das mais de 20 milhões de contas que assistiram a série. Se insistiu, talvez tenha terminado o primeiro episódio com as perguntas dos meninos, já detidos, ecoando, Kevin Richardson (Asante Blackk): “Por que nos trataram assim?“; e Raymond Santana (Marquis Rodriguez): “De que outra maneira tratariam?“.

Mais de 200 minutos depois, seguidos da entrevista no programa da Oprah com os atores e com os cinco hoje homens, Korey Wise (Jharrel Jerome), Raymond Santana (Freddy Miyares), Kevin Richardson (Justin Cunningham), Antron McCray (Jovan Adepo) e Yusef Salaam (Chris Chalk), após cada espectadora e espectador viver suas dores, a fala da cineasta Ava DuVernay propõe tirar o ponto final do debate – “(..) o objetivo foi criar algo que estimulasse uma conversa (…) que vai incentivar as pessoas a agirem, a avaliarem o que pensam e como se comportam no mundo” – e colocar em seu lugar o de exclamação – “(…) Não podemos mudar o que não sabemos; nós nos reunimos para mostrar o que podem não saber. Agora que sabem, o que vão fazer? Como vão mudar isso?“.

E por que não ouvindo, ou melhor, lendo pessoas negras?

A escritora portuguesa Grada Kilomba, na introdução de “Memórias da Plantação” – livro mais vendido da Flip em 2019 –, explica que, ao contar as histórias, torna-se sujeito e traz à tona a realidade do racismo diário contado por mulheres negras baseado em suas subjetividades e próprias percepções, e Juliana Borges, em “Encarceramento em massa“, ao convocar seus leitores: “Não há possibilidade de vencer as amarras de uma estrutura tão profunda de opressão, como o racismo sem luta coletiva. Portanto, para nós, porque creio que assim seja para você empoderar-se passa por uma luta de mãos dadas”.

Imagem: Ana Paula Lisboa (Instagram aplisboa)

Então, caso seus olhos queiram ir longe, este livro compõe a coleção Feminismos Plurais, inaugurada pelo livro “Lugar de fala“, de Djamila Ribeiro, que também é sua organizadora e conta com autoras e autores negros apresentando conceitos relevantes e muito citados nas redes. São eles: “Interseccionalidade“, de Carla Akotirene; “Racismo Recreativo“, de Adilson Moreira; “Empoderamento“, de Joice Berth; e “Racismo estrutural“, de Silvio Almeida, além desse citado. Basta escolher qual tema que gostaria de conhecer ou aprofundar e mergulhar nessas aulas!

Caso seus olhos fiquem pouco tempo abertos antes de dormir ou sacolejem no transporte público, contos são uma opção, lidos um a um, ou até fora de ordem, a conta gotas. A começar pela imortal (por aclamação popular) Conceição Evaristo. A mineira Doutora em Literatura ganhou o Prêmio Jabuti com “Olhos D’água“, que traz mulheres e suas histórias, suas famílias, seus desejos e suas dores. Já em “Insubmissas Lágrimas de Mulheres“, a impressão é de entrevista entre elas e a autora que se fundem no decorrer das linhas. Aliás, ela promove outra fusão em “Becos da Memória”. Algumas linhas poderão provocar seus sorrisos, como as do homem que consegue ler uma frase pela primeira vez; outras suas lágrimas, como as da menina de uma família vitimada pela pobreza que acaba sendo vendida.

Embora não seja um livro de contos, os personagens e os eventos de suas vidas vão sendo apresentados em pequenos parágrafos (ótimo para quem não pode se dedicar à leitura de muitas páginas), como fios de lã cruzando-se e se entrelaçando numa teia, revelando um bonito tear. Conceição Evaristo fala sobre ele com muito apreço, pois (…) foi o meu primeiro experimento e construir um texto ficcional con (fundindo) escrita e vida, ou melhor dizendo, escrita e vivência. Talvez na escrita de Becos, mesmo que de modo quase inconsciente, eu já buscasse construir uma forma de escrevivência“.

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A autora é mencionada na epígrafe do recém-lançado livro de Giovana Xavier, “Você pode substituir Mulheres Negras como objeto de estudo por Mulheres Negras contando sua própria história. A obra é composta de suas colunas no Nexo Jornal e nos blogs Preta Dotora e Conversa de Historiadoras, que, além de professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é criadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras, cujo objetivo é reunir mulheres negras para produzirem conhecimentos e provocarem ações. Seus textos tratam desde a crítica feita à FLIP (que foi por ela transformada graças à uma carta aberta), passando por maternidade, desafio dos negros nos ambientes acadêmicos e papel social das professoras até a miss Brasil e o funk.

Por último, o primeiro livro de Geovani Martins, “O Sol na Cabeça“, que em seus 13 contos leva a leitora e o leitor a Bangu, ao Vidigal e à Rocinha, que ficam vidrados com o suspense, o clímax, seus personagens e linguagem eleita, mas caso seus olhos prefiram as telas ou o papel-jornal, Djamila Ribeiro é a mais nova colunista semanal da Folha de São Paulo e, numa delas, inclusive, falou da exposição “Desobediências Poéticas”, de Grada Kilomba, em cartaz até 30 de setembro de 2019 na Pinacoteca de São Paulo. Já O Globo conta semanalmente com a jornalista Flávia Oliveira e quinzenalmente com Ana Paula Lisboa, que trazem reflexões sobre assuntos que estão à flor da pele, ou melhor, nos treding topics, ou nas suas gargantas e nos seus corações.

E como o olhar pode ir longe e atravessar oceanos, a escritora nigeriana sobre quem você já ouviu falar, leu, presenteou ou foi presenteado: Chimamanda Ngozi Adichie. Além de romances, ela tem um livro de contos, um originário de uma palestra e outro de uma carta. Caso seus olhos ainda não tenham se voltado a ela ou estão famintos por mais obras, seguem nossas resenhas: Americanah, Como Educar Crianças Feministas, Meio Sol Amarelo, Hibisco Roxo No Seu Pescoço.

Essas poderosas linhas podem mudar o olhar de cada um – ou, nas palavras de Giovana Xavier, “De afirmar o protagonismo de mulheres negras sempre existiu e o que o novo é a visibilidade que estamos alcançando com o nosso trabalho. Final feliz!”.

Esclarecimento: este texto não pretende mediar nada, falar sobre algo que não vivi e nem falar por outras pessoas; reflete certa consciência que tomei de parcela das opressões sofridas por outras pessoas e as minhas experiências não são suficientes para falar sobre elas. Caso eu tenha ocupado algum espaço nesse sentido, peço desculpas e estou aberta a críticas e sugestões. A propósito, agradeço imensa e sinceramente se compartilhar nos comentários as suas.


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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Nativa do Paraná, atualmente cultivada no Rio de Janeiro. Adubada por livros, séries, música brasileira e outras mulheres.
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