A Biblioteca da Meia-Noite: e se você pudesse viver várias vidas?

A Biblioteca da Meia-Noite: e se você pudesse viver várias vidas?

Você consideraria tomar decisões diferentes se tivesse a chance de desfazer tudo o que se arrepende? E se fosse possível explorar as múltiplas vidas que poderia ter vivido, qual delas você escolheria? Essas indagações permeiam o imaginário de todos nós e servem como trama central para o livro de destaque atual, A Biblioteca da Meia-Noite, escrito por Matt Haig.

Publicado em 2021, esse livro é um best-seller do New York Times e foi agraciado com o prêmio Goodreads Choice Awards, conquistando também o coração dos leitores.

A capacidade de considerar o “e se” é intrigante e cativante. E se eu tivesse comparecido àquele jantar? E se eu tivesse optado por aquela faculdade? E se eu tivesse aceitado aquele emprego? Dentro de um contexto de vidas paralelas e múltiplos universos, o leitor é guiado a ponderar, juntamente com a personagem principal, sobre todas as possibilidades “e se” em nossa própria vida.

A Biblioteca da Meia-Noite, escrito por Matt Haig.
Edição de A Biblioteca da Meia-Noite, publicada pela Bertrand Brasil

As mil vidas de Nora Seed em A Biblioteca da Meia-Noite

Nora Seed é uma mulher repleta de talentos, mas com poucas realizações. Ela poderia ter se tornado uma nadadora profissional, mas abandonou seus planos. Ela poderia ter se tornado uma vocalista de uma famosa banda de rock, porém circunstâncias a impediram de continuar. Ela poderia ter se transformado em uma especialista em geleiras do Ártico, mas não seguiu em frente com esse objetivo.

Muitos “poderias” permeiam a vida de Nora, transformando-a em um mosaico de sonhos incompletos. Uma composição que tinha o potencial de desdobrar-se por caminhos extraordinários, mas que acabou sem um rumo claro.

De prodígio na adolescência a um quebra-cabeça humano inacabado na vida adulta, após perder seu emprego e seu gato Voltaire, Nora atinge um ponto de ruptura. Ela toma a decisão de encerrar sua própria existência. Entretanto, o que Nora não poderia imaginar é que entre a vida e a morte existe a Biblioteca da Meia-Noite, um lugar onde ela pode explorar as diversas vidas que gostaria de ter vivido e, finalmente, eliminar seus muitos arrependimentos.

“Entre a vida e a morte, há uma biblioteca – disse ela. – E, dentro dessa biblioteca, as prateleiras não têm fim. Cada livro oferece uma oportunidade de experimentar outra vida que você poderia ter vivido.

De ver como as coisas seriam se tivesse feito outras escolhas… Você teria feito algo diferente, se houvesse a chance de desfazer tudo de que se arrepende?” 

E, como em um passe de mágica, Nora se aventura por todas as possibilidades que deixou escapar em sua juventude, iniciando uma jornada em busca de uma vida “perfeita”.

“Cada vida contém muitos milhões de decisões. Algumas grandes, algumas pequenas. Mas cada vez que uma decisão é tomada em detrimento de outra, os resultados são diferentes.

Ocorre uma variação irreversível, o que, por sua vez, leva a outras variações. Esses livros são portais para todas as vidas que você poderia estar vivendo.”

Quantos “e se” nos assombram?

A leitura por si só já seria cativante pelo simples fato de abordar um tema que ressoa em todos nós: a angústia que acompanha nossas inúmeras escolhas. Quem nunca ponderou sobre seu próprio livro de arrependimentos? Sobre todos os caminhos que poderiam ter sido trilhados?

Além disso, a escrita singular de Matt Haig confere muita autenticidade à obra. O autor conduz as distintas vidas de Nora por meio de capítulos breves, empregando uma prosa leve e dinâmica. Além disso, ele descreve a batalha da personagem contra a depressão de maneira singularmente sensível. Ao longo dos anos, Matt vivenciou a luta contra essa condição, e conseguiu magistralmente incorporar sua experiência pessoal ao livro.

No entanto, apesar dos temas melancólicos e dos fortes gatilhos emocionais, à medida que a história se desenrola, o leitor experimenta uma sensação de acolhimento, compartilhando as emoções das várias vidas de Nora e encontrando momentos de humor nas situações inusitadas pelas quais ela passa.

Imagem: Bertrand Brasil

O romance acompanha a jornada de Nora desde o momento em que ela se encontra imersa no caos de tudo o que poderia ter sido, até o instante em que vislumbra esperança e alegria ao assumir o papel de autora de sua própria narrativa.

“O paradoxo dos vulcões é que eles são símbolos de destruição, mas também de vida. Assim que a lava reduz a velocidade e esfria, se solidifica. Com o tempo, se decompõe, transformando-se em solo – um solo rico e fértil.

Ela não era um buraco negro, decidiu. Era um vulcão. E, como um vulcão, não podia fugir de si mesma. Ela teria de continuar ali e cuidar daquela paisagem desoladora. Ela poderia plantar uma floresta dentro de si.” 

A história de Nora é a história de todos nós

Quem resistiria à oportunidade de espreitar pelas frestas da vida e vislumbrar todas as possibilidades que foram deixadas para trás?

Cada um possui sua própria biblioteca da meia-noite, onde percorremos os livros de nossa vida, os volumes de outras versões de nós mesmos. E o atrativo dessa obra reside exatamente na maneira como, ao acompanhar as inúmeras vidas de Nora, o leitor inevitavelmente reflete sobre suas próprias múltiplas facetas. É tentador se perder na ideia de merecer constantemente algo melhor. Contudo, e se a sua melhor versão já estiver sendo vivida aqui e agora?

E se, talvez, a resposta não seja desejar por outras vidas, mas sim olhar com mais carinho para a que está diante de você? Afinal, como Marcel Proust uma vez disse, “a verdadeira viagem de descobrimento não consiste em buscar novas paisagens, mas em ter novos olhos“.

A Biblioteca da Meia-Noite é um apelo para abraçar a singularidade de sua própria história, pois, citando Milan Kundera em A Insustentável Leveza do Ser, a experiência humana ocorre apenas uma vez e é impossível determinar quais escolhas seriam certas ou erradas, pois em todas as situações só temos um caminho a seguir. “Uma vez não conta. Uma vez é para sempre.

E diante da efemeridade da vida, que curso de ação tomar? Adaptar-se? Conformar-se? Passar o tempo jogando Candy Crush? São questões internas e individuais. Porém, observar Nora enquanto ela busca sua melhor versão serve de inspiração para fazermos o mesmo. Se a vida acontece apenas uma vez, então que a façamos valer a pena!

Colagem em destaque: Isabelle Simões para o Delirium Nerd.

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Mais uma pessoa que escondeu por anos a verdadeira vocação, enfim, liberta! Encontro nas palavras a forma de expressar minha paixão por cinema, literatura e cultura em geral. Não me convide para fazer trilha, mas vou até o fim do mundo com você em busca do Tiramisu perfeito.
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