Xuxa – O Documentário: desvendando a vida e o legado da Rainha dos Baixinhos

Xuxa – O Documentário: desvendando a vida e o legado da Rainha dos Baixinhos

A série documental do Globoplay, lançada em julho de 2023, intitulada Xuxa – O Documentário, conta com cinco episódios que exploram a trajetória profissional e a vida pessoal de Maria da Graça Xuxa Meneghel, a renomada atriz e apresentadora brasileira que conquistou o título de Rainha dos Baixinhos.

Xuxa é uma mulher multifacetada, embora muitas vezes tenha sido estereotipada como uma figura branca, magra, extremamente rica, heterossexual e símbolo sexual. De fato, ela desempenhou todos esses papéis em sua carreira, mas sua história é muito mais rica e complexa.

Ela foi mãe solo por escolha, uma mulher avessa ao matrimônio, uma apresentadora que liderou programas infestados (no bom sentido) por mulheres, e uma garota que enfrentou a violência do mundo patriarcal.

Por isso, “senta lá” (seja você uma Cláudia ou não) para refletir um pouco mais profundamente sobre essa mulher que, em algum momento da sua vida, provavelmente cantou “Parabéns pra você” em alguma festa de aniversário!

Uma memória pessoal sobre Xuxa

Falar sobre Xuxa evoca memórias pessoais em mim, como o dia em que enviei um desenho para o programa Xuxa no Mundo da Imaginação, que tinha um quadro dedicado às cartas dos fãs. Não recordo se meu desenho apareceu na TV, mas pelo menos fiz a minha parte.

Xuxa no Mundo da Imaginação
Xuxa no Mundo da Imaginação| Fonte: Globo

Minha segunda lembrança remete aos comerciais do hidratante Monange. Quem pode esquecer da imagem de Xuxa coberta de creme, fazendo uma pose que ninguém faria na vida real para aplicar creme? O importante é que funcionou, mas as implicações de um padrão de beleza imposto são uma história à parte, concorda?

Gostar ou não de Xuxa, ser seu fã ou considerá-la “inadequada”, acreditar que tudo o que ela fez foi por dinheiro ou que sua vida foi fácil demais são perspectivas pessoais que podemos adotar. No entanto, nada disso pode mudar o passado, onde a influência de Xuxa é incontestável. Portanto, que tal refletir sobre seu legado?

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A perspectiva de um arquivo sobre as mulheres do Brasil

Um motivo cativante para começar a série é a utilização dos arquivos que documentam a história da televisão brasileira protagonizada por mulheres.

Quando exploramos a história das mulheres e as teorias que a fundamentam, como as de Michelle Perrot, Louise Tilly, Gerda Lerner e Tania Silva, é importante reconhecer que essa história não deve ser vista como um saber preferencial, mas como uma reavaliação do conhecimento. E isso não deve se limitar ao âmbito acadêmico, mas se estender à vida cotidiana, incluindo o entretenimento.

Se a televisão faz parte da vida das brasileiras, por que não observá-la com atenção? Os arquivos são como imagens do passado que ocasionalmente ressurgem em produções audiovisuais sobre temas ou pessoas.

Lidar com os arquivos relacionados às mulheres no Brasil é um desafio significativo, envolvendo a recuperação de documentos danificados pelo tempo e a exploração de materiais frequentemente negligenciados.

Neste contexto, é importante reconhecer que o apagamento ou silenciamento não se compara aos desafios enfrentados pelos arquivos dedicados a mulheres que não foram celebridades, mas que são igualmente importantes.

Exemplos notáveis incluem os arquivos femininos do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) e a Rede Arquivo de Mulheres (RAM), que realizam um trabalho fundamental na pesquisa, catalogação e preservação das narrativas femininas.

Observar essas imagens pode revelar muito sobre nossa história: se Xuxa estava feliz ou triste, cercada por crianças ou impossibilitada de viver uma vida tranquila, essa é apenas a primeira camada.

Rostos na multidão

O primeiro episódio da série oferece uma visão interessante do início de sua carreira: a vida como modelo e o subsequente convite para a televisão. Tudo fundamentado na beleza: um rosto jovem e atraente capaz de atrair uma grande audiência.

Xuxa em ensaio fotográfico | Fonte: Globo
Xuxa em ensaio fotográfico | Fonte: Globo

Dessa forma, os arquivos que destacam os fãs de Xuxa são os mais impressionantes. É curioso pensar como as pessoas famosas seriam apenas mais um rosto na multidão se não fossem pelos fãs dedicados.

Gritaria e choradeira em primeiro plano, gente correndo atrás de ônibus, pessoas passando mal, fãs clubes, crianças vidradas – adultos também – são as imagens que ajudam a construir a Xuxa que conhecemos hoje. Uma histeria coletiva de gente que ama alguém que, na prática, elas não conhecem.

Essas imagens transcendem a própria Xuxa e oferecem um material singular para entender a dinâmica da sociedade: até que ponto estamos dispostos a ir por alguém? Como expressamos nossos sentimentos? O que significa amar alguém através da tela da TV?

Para coroar os fissurados por memes, o episódio também explica a famosa frase “senta lá, Cláudia”. Na época, Xuxa, uma jovem sem experiência com crianças, foi colocada como uma espécie de babá televisiva. A ideia de que ela cuida, ama e é carinhosa nunca desmoronaria, certo? Errado!

Xuxa em “Amor Estranho Amor”

Xuxa retoma a polêmica em torno de Amor Estranho Amor (1982) de Walter Hugo Khouri. O filme conta a história de Anna (Vera Fischer) que, ao se mudar para São Paulo, torna-se prostituta. Os planos do casamento com o médico Osmar (Tarcísio Meira) são interrompidos quando a mãe de Anna envia o neto de 12 anos para morar com ela.

Sem alternativa de alguém para cuidar do menino, Anna o leva para o bordel, e é lá que o jovem Hugo (Marcelo Ribeiro) se apaixona por Tamara (Xuxa), uma garota de 16 anos, prostituta rival de Anna.

Vera Fischer e Xuxa Meneghel em Amor Estranho Amor (1982)
Vera Fischer e Xuxa Meneghel em Amor Estranho Amor | Fonte: Banco de Conteúdos Culturais

As histórias sobre a proibição do filme são amplamente conhecidas, e a cena erótica em que Xuxa e Marcelo aparecem juntos tornou-se famosa de maneira errada.

O que a série traz de novo é a conversa entre Xuxa e Marcelo, hoje adultos. Isso demonstra que a polêmica em torno do filme pode ter sido um tanto exagerada e possivelmente direcionada de forma incoerente, de acordo com a preferência da mídia.

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A sociedade dos anos 1980 não perdoou a Xuxa enquanto jovem (afinal, uma mulher aos 17 anos já sabe o que faz, não é mesmo?). Uma perspectiva contemporânea pode lançar luz sobre algumas questões. Xuxa e Marcelo assistem ao filme, o que, de quebra, pode inspirar muitas pessoas a conhecê-lo (não pela cena erótica, mas pelo enredo complexo).

O que podemos dizer sobre uma mãe prostituta que não tem onde deixar seu filho? Como refletir sobre a situação de uma jovem menor de idade que luta que é obrigada a se prostituir para sobreviver? O que ainda falta discutir sobre sexualidade e desejo? Talvez Amor Estranho Amor possa abordar muitos aspectos da sociedade que o assistiu com uma perspectiva conservadora.

Um amor muito louco – no mau sentido!

A narrativa relacionada aos romances lembra os programas mais surreais de fofocas da TV brasileira.

Em um momento específico, nos deparamos com a imagem de Xuxa correndo de kart e uma piada sobre seu interesse por velocidade. Ela afirma que sempre gostou de carros, mas a pergunta surge com segundas intenções: seu romance com Ayrton Senna.

Além dos relacionamentos românticos e da idealização de uma feminilidade, o que dizer de um “ídolo nacional” que viaja em seu próprio transporte aéreo, é lançado ao mar (como em filmes de ação) e chega à casa de alguém carregando a Bíblia, fazendo juras de amor sobre ela?

“Bizarro,” “patriarcal,” e “egocêntrico” são palavras que podem resumir bem essa situação.

No caso de Pelé, a “pegada” de ficção também não fica atrás. Os comerciais televisivos com o objetivo de vender apartamentos eram bastante comuns, mas além do imóvel, a “historinha” (roteirizada pelo craque) idealizava um homem que comprava um apartamento e precisava seguir para o próximo passo de sua vida: casar na igreja com uma mulher.

Seria hilário, se também não fosse trágico!

Xuxa e Pelé em comercial para a televisão
Xuxa e Pelé em comercial para a televisão | Fonte: Lance

Por que assistir às mulheres da vida de Xuxa?

São muitas as mulheres na vida de Xuxa – mãe, filha, paquitas e empresária. Com sua mãe, a ideia de uma mulher disposta a fazer tudo pela prole é confirmada. Esse é o modelo do qual fugimos, mas, mesmo assim, somos capturadas.

A narrativa relacionada aos romances lembra os programas mais surreais de fofocas da TV brasileira.

Escolher a maternidade, no entanto, aparece como algo revolucionário. Não é necessário casar e “formar família”, basta querer (claro que não é tão simples assim para nós, proletárias).

Contudo, as imagens do nascimento de Sasha são impressionantes, um tanto invasivas, mas capazes de despertar aflição. Sasha não foi entregue à mãe logo após o nascimento, o que deixou Xuxa desesperada, balbuciando uma explicação sobre o estado de saúde da filha. Nesse momento, como espectadora, eu gritei aflita: “alguém responde essa mulher, gente?”

Essa frase, infelizmente, não parece sair muito do que já estamos acostumadas no nosso cotidiano.

Com Marlene Mattos, a perspectiva muda – o trabalho incansável, a responsabilidade imensa, as ofensas e a amargura que perduram. A conversa entre as duas é o principal foco do penúltimo episódio. Foi um “lavar a roupa suja” que não chega a lugar nenhum, porém, nos faz refletir sobre como foi a vida de uma mulher na TV nos anos 1980-90. Quem foram as pessoas machucadas?”

Xuxa e Luíza Brunet, amigas de longa data, discutem os abusos sofridos em suas carreiras como modelos e, principalmente, como foram percebidas por trabalharem com seus corpos.

Marlene e Xuxa | Fonte: TV UOL
Marlene e Xuxa | Fonte: TV UOL

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Sobre uma “velha chocante”

São poucas as imagens de arquivo que retratam os abusos enfrentados por Xuxa quando jovem. Em Xuxa – O Documentário, tudo se baseia nos depoimentos e nas imagens atuais de lugares do passado. Xuxa também carrega traumas, tristeza, incompreensão e sofrimento.

A entrevista concedida a Pedro Bial, quando Xuxa estava no auge de seus vinte e poucos anos, evoca um desejo. Quando questionada sobre o futuro, Xuxa menciona coisas que não se concretizaram e expressa o desejo de ser uma “velha chocante.”

No dicionário, a palavra “chocante” pode ter dois significados: algo que choca, escandaliza ou ofende, e algo que é bom, inteligente e divertido. Em uma análise geral, parece ser um bom adjetivo para descrever o que todas nós poderíamos ser. Não posso dizer se Xuxa se tornou a “velha chocante” que ela desejava ser, mas seu conselho é valioso para muitas mulheres, independentemente da idade.

Escrito por:

Com formação em Rádio e TV, construí toda uma trajetória em torno da pesquisa acadêmica sobre o cinema - com destaque para as produções nacionais e suas relações com o feminismo. Sou roteirista e professora de comunicação e artes. Escrevo contos sobre a experiência de mulheres que já passaram pela minha vida!
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