Itaewon Class: orgulho, poder e honra

Itaewon Class: orgulho, poder e honra

A trajetória de Park Saeroiy (Park Seo Joon) em Itaewon Class (2020), drama coreano produzido pela Netflix, pode se assemelhar ao verso de Invictus de William Henley (1875): “Minha cabeça sangra, mas continua erguida”. Inserido em um ambiente de eterna rivalidade e ambição, Saeroiy teve de encarar perdas, injustiças e constantes sabotagens. Ainda assim, manteve sua cabeça erguida, tal como sugere o poema, pois ele sempre teve consigo uma ética e conduta pessoal maior do que qualquer interesse ou ganância.

I Am The Powerful Ruler – Do que se trata Itaewon Class

A história tem início por volta de 2005, quando o protagonista tem de 17 anos de idade e entra em um colégio da elite coreana. Logo em seu primeiro dia, Saeroiy, ao defender um aluno vítima de bullying, acaba sendo expulso. Não bastando sair da escola, sua expulsão também acabou causando a demissão de seu pai, Park Sung Yul (Son Hyun Joon); uma vez que o bully Jang Geun Won (Ahn Bo Hyun) era o herdeiro da Jangga Company, empresa em que o pai de Saeroiy era funcionário.

Esse conflito se iniciou por Jang Dae Hee (Yoo Jae Myung), o pai de Geun Won e chefe de Sung Yul, para exigir que Saeroiy pedisse perdão à Geun Won; mas o rapaz se negou, uma vez que ele não se arrependia de ter defendido a vítima do bullying. Esse posicionamento de Saeroiy fere o orgulho da família Jang, afinal, já era costume que todos lhe obedecessem – ou temessem – devido à influência da empresa sobre aquele círculo social.

Esse primeiro contato de Saeroiy com a família Jang, e a postura de ambos os lados, foi capaz de apresentar a personalidade e dinâmica que seguiria entre os dois futuramente: enquanto Saeroiy é fiel aos seus princípios e é seriamente humilde e reflexivo, a família Jang se apresenta soberba e manipuladora.

LEIA TAMBÉM: 5 indicações para quem quer começar a assistir k-dramas

Apesar da demissão de Sung Yul e da expulsão do filho, a família Park se sente inspirada a construir a própria história. E é a partir desse ponto que a jornada do herói de Saeroiy se inicia: após uma série de inúmeros infortúnios, seu pai morre em uma tragédia e Saeroiy acaba sendo preso por alguns anos – o que lhe impossibilita de realizar seu sonho de se tornar policial. Inspirado pelos ensinamentos de seu pai, ele assume como sonho pessoal o objetivo do pai: abrir o DanBam. Mas não somente a isso, Saeroiy põe como meta de vida de tornar a DanBam o maior nome do ramo alimentício da Ásia.

Itaewon Class, dessa forma, constrói uma história de persistência, humildade e lealdade à dignidade familiar. Enquanto Jang se apresenta como alguém ambicioso e sem escrúpulos, Saeroiy se mostra duro, mas ainda assim busca agir de maneira digna e limpa. Em uma clássica estrutura da narrativa de vingança, esses dois núcleos se embatem de forma direta, mas refinada, dentro do cenário de negócios e business sul-coreano.

Itaewon Class:

Itaewon Class
Fonte: divulgação

Saeroiy leva como objetivo de vida assumir a primeira posição do ramo alimentício na Ásia, espaço este ocupado pela empresa da família Jang. Este duelo se molda a partir do antagonismo, de raiz pessoal, entre os protagonistas, mas também é capaz de evoluir junto com a personalidade empresarial de Saeroiy e como Dae Hee observa tal crescimento e, de maneira silenciosa, se sente ameaçado com Saeroiy e seu amadurecimento com a DanBam.

I Have A 15-Year Plan – Como a história é contada

Fugindo um pouco do padrão sul-coreano de contar histórias, Itaewon Class apresenta sua narrativa um pouco similar ao que se encontra nas séries ocidentais: a crueza em apresentar os fatos é diferente da narrativa leve já assistida nos k-dramas populares. Não se é poupado nas cenas de violência, ainda que não tão explícitas (com armamento ou sangue tão evidente).

O romance praticamente inexiste nessa história, ainda que tenham cenas de flerte entre alguns personagens. O foco narrativo de Itaewon Class é apresentar o amadurecimento das personagens, enfaticamente em Saeroiy, juntamente com a evolução das empresas.

O drama também consegue construir uma narrativa em cima da economia sul-coreana e propôs o desenvolvimento da DanBam. Claro, não é nada totalmente aprofundado e complexo, uma vez que não era o foco da história. Mas é interessante ver como os personagens discutem as melhores maneiras de marketing e investimentos possíveis, como a inexperiência ou a falta de conhecimento chega a afetar diretamente um negócio. Abordam a importância de uma boa decoração e localidade e de que maneiras é possível contornar esses contratempos.

Cena de Itaewon Class.
Cena de Itaewon Class. Imagem: divulgação

Muito do amadurecimento de Saeroiy se encontra nisso: a sua trajetória não é focada somente em ultrapassar a Jangga Company, mas trata-se de buscar crescer com dignidade, lutando pelo seu sem tirar do outro e, acima de tudo, o personagem se apresenta leal a sua equipe e humilde com suas origens.

LEIA TAMBÉM: Hello, My Twenties! – dorama divertido, sem medo de abordar temas importantes

A história segue em 2005 e vai se desenvolvendo com a passagem dos anos focados em Saeroiy, a cada fase de sua: adolescência, o tempo em que passou preso, os trabalhos informais que teve e, enfim, o processo para que a DanBam surgisse. O fluxo narrativo também estabelece seu estudo – ainda que coloquiais – comercial e de negócios.

Neste k-drama a ação é também protagonista: cenas de brigas são capazes de tirar o fôlego, mas é possível ficar sem ar com os diálogos, com o suspense de reuniões, dos desfechos que os diversos planos, feitos pelos personagens, seguem. A narrativa é agradavelmente fluída e é linear, poucas às vezes são feitos flashbacks e quando estes aparecem, harmonizam com a história vigente.

A trilha sonora casa como uma luva na história. Como podem observar, os subtítulos deste texto seguem com os títulos de algumas das faixas que condizem com a pauta discutida. Quando você ouvir o instrumental de You Make me Back, música da abertura interpretada pelo Woosung, seu corpo será dominado por arrepios, porque a história estará ocorrendo e tudo fica eletrizante. Itaewon Class é um drama completo, do roteiro aos personagens e trilha sonora.

IQ 162, City Girl – As mulheres de Itaewon Class

Park Saeroiy pode ser o personagem central da série, uma vez que todos os fatos grandiosos da história giram em torno dele, mas é necessário admitir: as mulheres de Itaewon Class roubaram a cena.

Popular, com um QI de 162, inteligente e influente, a Jo Si Seo (Kim Da Mi) é uma aluna concluindo o Ensino Médio; apesar de a personagem ser apresentada com um possível diagnóstico de sociopatia, o drama pouco explora isso. O que se pode ver em sua personalidade é que ela é empenhada em ter tudo o que quer.

Fonte: divulgação
Jo Si Seo (Kim Da Mi) em Itaewon Class. Imagem: divulgação

Si Seo não media esforços para conquistar seus objetivos (inclusive com mentiras ou manipulação de informações). Ela se mostra extremamente ácida, rude e consegue ser hipnótica, fazendo com que todos queiram saber qual será seu próximo passo. Após conhecer Saeroiy, essa sua postura muda um pouco: ainda é bastante ambiciosa, mas da mesma maneira que vai crescendo, também é capaz de desenvolver mais empatia e enxergar o próximo com mais humanidade. Ele, diferente de todos ao seu redor, não a teme e se sente confortável para orientá-la, se necessário, já que ele é 10 anos mais velho que ela.

Ela é uma das personagens chave para o funcionamento da série. Apesar da pouca idade, Si Seo é inteligente, sabe comandar uma equipe, tem ideias e planos funcionais, ainda que demonstre um pouco de imaturidade nas primeiras fases da série – o que faz completo sentido, afinal, ela ainda é uma adolescente. E a vemos em sua melhor fase, quando adulta: consciente, bem-sucedida e com o raciocínio ágil de sempre.

LEIA TAMBÉM: Tokyo Girl Guide: reflexões sobre ser mulher em um dos melhores doramas de todos os tempos
Oh Soo Ah (Nara) 
Oh Soo Ah (Nara) em Itaewon Class. Imagem: divulgação

Oh Soo Ah (Nara) cresceu e se criou em um orfanato, Sung Yul, o pai de Saeroiy tinha a apadrinhado; já que não tinha ninguém que pudesse olhar por ela, sempre se pôs como prioridade. Por alguns desencontros, ela acaba conhecendo Saeroiy e o mesmo se apaixona por ela, mesmo que ela demonstre não reciprocidade de maneira direta.

Como o destino pôde definir, Saeroiy e Soo Ah seguem caminhos diferentes e ela se torna um nome relevante na Jangga Company. Ainda que sua posição pudesse encerrar sua amizade com ele, o contrário ocorre: Saeroiy ainda a mantém como uma fiel amizade.

Ela se torna uma grande chefa de negócios, com ambições e, independente da postura que você espere que ela tome, Soo Ah vai priorizar sempre a própria carreira. E esta atitude não é apresentada como egoísmo ou perversidade: sempre foi ela por ela mesma, então não haveria para onde fugir.

Soo Ah é forte, inteligente e habilidosa. O seu crescimento é inspirador e sua ambição é tangível dentro dos cenários construídos em Itaewon Class.

Itaewon Class
Fonte: divulgação

Algumas das críticas feitas em relação à Itaewon Class é em decorrência da rivalidade que as duas, Yi Seo e Soo Ah, têm sobre o coração de Saeroiy (e ele sequer sabe da existência disso). Vale lembrar que, por mais que o k-drama fuja de alguns padrões da modalidade, ele ainda é um k-drama. E uma de suas principais características é a existência de um triângulo amoroso. Este aqui também chega a ser diferenciado, já que são duas moças e um rapaz. Ainda assim, nada dessa “disputa” afeta a narrativa e desenvolvimento das duas personagens; em alguns contextos pode ser considerado como alívio cômico.

Diamond – Questões sociais abordadas

Um dos maiores destaques de Itaewon Class, além da narrativa de vingança e do desenvolvimento dos negócios, é a ousadia em trazer assuntos considerados tabus para a sociedade coreana. É natural a maneira como a obra introduz esses assuntos, através de desenvolvimentos que humanizam os personagens.

Ma Hyun Yi (Lee Joo Young)
Ma Hyun Yi (Lee Joo Young) Fonte: divulgação

Saeroiy conheceu Ma Hyun Yi (Lee Joo Young) em uma das fábricas em que trabalhou; ele se encantou com as comidas que ela fazia e por isso confiou a ela a função de ser a chefe de cozinha da DanBam. Hyun Yi é transgênero, uma mulher trans. Quando ela é exposta, o drama discute a aceitação social, o bem-estar do funcionário trans e a maneira como ela, enquanto indivíduo, deva ser respeitada. Esse foi um ponto polêmico, pois ocorreu a situação de transfake, ou seja, a atriz que interpretou foi uma atriz cis.

Toni e sua avó em Itaewon Class
Fonte: divulgação | Toni e sua avó

Outra situação exposta foi como os próprios sul-coreanos estranham a existência de pessoas não-amarelas que são, também, asiáticas. Conhecemos o Kim Toni (Chris Lyon): ele é filho de uma guineense com um sul-coreano, ou seja, ele é birracial. Inicialmente, é apresentado este estranhamento que, em seguida, evolui para várias situações em que Toni sofre racismo. Para ele, é extremamente doloroso, já que ele nutre um carinho encantador pela Coreia do Sul e tem orgulho de sua descendência.

LEIA TAMBÉM: Atrás da Estante: as questões que não deveriam estar escondidas

E o último ponto social a ser discutido: a ressocialização de ex-presidiários. Assim como Saeroiy, Choi Seung Know (Ryu Gyeong Su) é também passou um tempo preso. Por muito tempo, ele acreditou que o seu destino seria este: viver imerso ao mundo do crime e retornar a prisão, permanecendo neste looping. Mas então Saeroiy apresenta a ela outra perspectiva, a de que é possível sim evoluir e mudar o próprio destino. Seung Know, então, toma o seu futuro chefe como maior exemplo e põe, para si, o objetivo de mudar de vida – e muda, ao se tornar um funcionário da DanBam.

Cena de Itaewon Class
Fonte: divulgação | Nessa cena, Saeroiy discute com Kwon e diz que sua vida não acabou só porque ele foi condenado

Still We Are – Reflexões

Muito além do desenvolvimento da vingança, da ambição, dos possíveis casais ou das polêmicas, Itaewon Class discorre sobre perseverança, sonhos e humildade. Saeroiy não é o protagonista unitário desse drama, ele, exaustivamente, mostra que sem sua equipe, seu sonho não seria possível de se realizar.

A histórica escancara o impacto da corrupção nos negócios, mas também expõe que é possível crescer com honra e fidelidade aos seus princípios. Acima de tudo, esse drama abraça a inclusão e torna tangível a ideia de realizar sonhos e alcançar objetivos, mesmo com muito suor e sangue. É uma história crua, dolorosa e que vai te fazer querer reassistir tudo, novamente e incontáveis vezes.

E como Saeroiy poderia dizer, assim como Henley concluiu Invictus: “Eu sou o senhor do meu destino / Eu sou o capitão da minha alma”; Itaewon Class é sobre isso.

Ano: 2020

Episódios: 16 capítulos de uma hora cada

Onde assistir: Netflix com legendas em português

Escrito por:

23 Textos

Ket tem 23 anos, é formada em Letras - Língua e Literatura Portuguesa, pela UFAM. Nasceu e criou-se em Manaus, onde ainda mora. Não é capaz de conceber uma realidade em que as mulheres não sejam livres, uma vez que sua vida inteira viveu em um lar matriarcal. Gosta de histórias tristes, é fascinada pela cultura Sul-coreana e chora com animes.
Veja todos os textos
Follow Me :