“Arte, Informação e Acolhimento”, esse é o lema do “Projeto Boa Sorte”, criado por Gabriel Estrela. O jovem de Brasília, que convive desde 2010 com o vírus do HIV, decidiu compartilhar a sua história com outros para mudar a forma com que o vírus é visto e discutido no Brasil. Para ele, o mais importante para acabar com a epidemia do HIV é abrir o diálogo, principalmente com os jovens, que são os mais afetados, e é isso que o projeto tem feito desde o lançamento em 2015.
Hoje, além de uma página no Facebook que divulga informações e notícias sobre prevenção do vírus, Gabriel tem também um canal no Youtube onde intercala vídeos didáticos com vídeos sobre o seu dia-a-dia. No mais recente, ele lançou a campanha #AFormulaDaBoaSorte para ajudar as mães portadoras de HIV que não podem amamentar seus filhos.
O trabalho de Gabriel é super importante, afinal mesmo com todo debate que temos hoje em dia a respeito de opressões e minorias, raramente encontramos conteúdo feito por jovens LGBTs soropositivos. Por isso, decidimos entrevistá-lo e descobrir um pouco mais sobre o seu processo de criação e como tem sido o crescimento do projeto. Confira:
DN – Como surgiu a ideia de começar o projeto e como isso se desenvolveu em um canal?
Gabriel – Tudo começou da peça “Boa Sorte: O Musical”. Desde o início queria que houvesse todo um evento em volta da peça para falarmos de prevenção, sexualidade e HIV de forma intensa, imersiva. Aí começou o Projeto, primeiro divulgando sempre ações relacionadas à peça, depois ao ensaio fotográfico e, por fim, pra conseguir falar mais diretamente com o público, se transformou em um canal no Youtube também.
DN – Conhecemos o projeto através do vídeo que você fez em parceria com a Jout Jout. Como surgiu essa parceria?
Gabriel – Eu já tinha decidido uma data pra sair do segundo armário, contar pra todo mundo que vivia com HIV, e queria ajuda pra fazer isso. Já amava grandão a Júlia e decidi arriscar e enviar um e-mail pra ela: “Vamos falar de HIV?”. Ela topou, eu subi num avião e fui pro Rio, foi tudo MUITO rápido e acabou resultando em dois vídeos bem legais!
DN – Qual é o processo de criação dos vídeos, como você pensa no tema que será abordado em cada um?
Gabriel – Eu tenho uma lista de temas que considero importante, alguns que os Grãozinhos (nossos inscritos <3) pediram e outros elencados por mim mesmo. Também se algo acontece de repente, vai pra lista, mais em cima ou mais embaixo, como a chegada do dolutegravir e a falta de fórmula para os bebês de mães positivas…
Se cruzo com algum canal legal já fico louco pra fazer parceria e começo a pensar num tema que possa, de alguma forma, unir os dois canais… E vou assim, semana por semana sentindo o que pode ser mais relevante no momento.
DN – Quais são os maiores mitos sobre HIV que você já ouviu por aí?
Gabriel – Ainda há uma culpabilização MUITO grande da pessoa que vive com HIV. Dizer que alguém que vive com HIV quer transmitir o vírus de propósito, que é promíscua, que não se deve confiar… São tabus enormes que estigmatizam demais a gente e precisam ser impedidos. Até o bom e velho “não pode dividir talher” eu ainda ouço, acredita?
DN – Como tem sido o feedback do canal? Os comentários estão sendo mais positivos ou negativos?
Gabriel – Sempre muito positivos e construtivos! Mesmo as críticas são sempre no sentido de me ajudar a produzir um conteúdo cada vez com mais qualidade e eu fico muito grato a isso! Acho que ainda somos pequenos demais para os haters nos encontrarem.
DN – Há ainda hoje muito preconceito para falar sobre HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis ou você acha que isso está melhorando? Se tem ainda preconceito você considera que ele está ligado com as pessoas LGBTs?
Gabriel – Há ainda muito preconceito, com certeza, sexo ainda é um assunto difícil. Todo mundo gosta, nossa linguagem está completamente marcada por ele, a publicidade, o cinema, a moda, nossas relações de poder… E ainda assim, quando é pra falar dele, todos tremem. Tudo que o envolve: relações de gênero, prazer, orientação sexual, afeto, doenças… Tudo isso ainda é muito difícil pra muita gente.
Nesse sentido, acho que quando a gente fala de gays, lésbicas, bissexuais, quando falamos de feminismo, de transsexualidade, não-binariedade… Tudo isso levanta muita repulsa justamente porque toca a nossa vida de forma muito intensa e completa. Falar sobre sexo é repensar tudo o que vivemos – não é fácil e nem todos estão dispostos a isso.
DN – Você já colaborou com mulheres incríveis como a Helen, do Hel Mother e a Jéssica, do Canal das Bee. Tem mais alguma youtuber que você gostaria de colaborar no futuro?
Gabriel – Ah, eu fiz recentemente uma entrevista com a Regina Volpato e ela é uma mulher incrível que eu fiquei muito feliz de conhecer melhor! Quero demais trazê-la pra um Colab lá no canal e a própria Júlia também (porque já fui no canal dela duas vezes, mas ainda preciso trazê-la). E também as drags (que não são mulheres, mas que usam a arte pra questionar o que é feminino e o que é masculino, e eu acho isso importantíssimo) como Lorelay Fox e a Rita Von Huty, do Tempero Drag.
Agora, tô louco MEISHMO é pra conhecer e colaborar com a Cátia Damasceno do “Mulheres Bem Resolvidas”. Ela é uma mulher mais velha e é IMPORTANTÍSSIMO falarmos sobre saúde sexual com elas! Fora isso, sou super aberto, quero conhecer, trabalhar junto, quanto mais gente a gente alcançar, MELHOR! <3
DN – E por último, tem alguma mensagem específica que você gostaria de dizer para as mulheres em relação à proteção e prevenção de DSTs?
Gabriel – É muito injusto dizer que vocês devam se impor, dizer não, porque na verdade somos nós, homens, que temos de aprender a respeitar esse segundo corpo com que nos relacionamos, entendo isso… Mas, enquanto isso não acontece, acho que vale a pena lembrar que negar a vocês o direito à prevenção também é violência!
Já recebi até relatos de “homens” que retiraram o preservativo feminino da mulher na hora do sexo. Não aceitem isso! Qualquer homem que queira transar com vocês sem o preservativo deve conversar e ponderar sobre isso com vocês. Nessa relação quem mais corre risco são vocês, meninas, ao receber a penetração (fisiologicamente, em comparação com o homem que penetra, seja a vagina ou o ânus). Minha mãe sempre me ensinou: se um não quer, dois não brincam.
https://www.youtube.com/watch?v=tmNewLZxYVQ