A mostra Novos Olhares, da VII edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba é dedicada a longas-metragens que tenham maior radicalidade em suas propostas estéticas e que por isso flertam com o risco de caminhos desconhecidos.
Mãe Preta é o segundo longa do cineasta e fotógrafo Khalik Allah, que apesar de morar em Nova York, é filho de uma mulher de origem jamaicana. E é uma investigação sobre essa origem do mundo, ancorada nessa mãe negra que é geradora tanto do indivíduo Khalik, quanto do coletivo humanidade, que esse documentário se apoia.
Apesar da maternidade ser o fio condutor da narrativa, sendo o roteiro capitular dividido pelos três trimestres de uma gestação (uma mulher grávida é literalmente a imagem que ilustra essas divisões) a radicalidade semiótica, entre o que é visto na tela e o que é narrado por inúmeros personagens de forma disruptiva, acaba por colocar a espectadora numa alucinante espiral que, por vezes, parece mostrar a Jamaica como um lugar distante e exótico e outras parece querer apaziguar som (o que é narrado) e imagem (o que é visto).
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Apesar de tentar emular um olhar crítico sobre as contradições de um país que ainda atravessa os dilemas de um recente passado colonial, através dos mais diversos tipos e formatos de imagens, o diretor deixa escapar o forte patriarcalismo presente na construção dos simbolismos, que utiliza para amalgamar suas fontes. Uma mulher nua que é filmada de forma voyeurística aparece inúmeras vezes, sem qualquer função narrativa, com uma câmera que passeia pelo seu corpo geralmente quando, na narração em off, o discurso se refere à comida.
Na segunda parte de Mãe Preta, finalmente, aparecem os discursos que são os mais interessantes: os das mulheres que precisam se prostituir para sobreviver. Mas, novamente, as imagens vistas na tela, ao invés de criarem uma outra carga dramática para aquelas vidas, algumas vezes pareciam endossar um certo prazer do diretor em ver mulheres como seres passivos, imobilizados e desprovidos de qualquer agência e desejo.
Ao se documentar um recorte sócio-cultural, as escolhas são sempre políticas e acaba que, ao final do filme, saímos com um incômodo negativo acerca da intenção de fato por trás de cada escolha do diretor, que também assina a montagem, relativa às imagens e ao som que compõem o documentário.