O primeiro volume de “A Menina do Outro Lado“, lançado este ano pela editora DarkSide Books, encantou diversas leitoras e leitores através do texto e da arte minimalista de Nagabe, repletos de significados e discussões pertinentes ao nosso cotidiano. Na continuação da saga da garotinha Shiva e de seu mentor Sensei, acompanhamos o desenrolar da delicada e sombria trama que versa sobre intolerância e o medo que se tem o outro.
[CONTÉM LEVES SPOILERS DO VOLUME 1 DO MANGÁ]
1. A história de “A Menina do Outro Lado”
Shiva e Sensei são personagens que diferem um do outro apenas na aparência: ela, uma humana, precisa dos cuidados de Sensei, uma criatura animalesca e de enorme coração, por ainda ser criança. Os dois vivem isolados do chamado Mundo de Dentro, um reino cercado por muralhas que não faz contato com o mundo exterior por temer a maldição que, há milênios, em uma luta entre o Deus da Luz e o Deus das Trevas, condenou os seres das trevas a possuírem a mesma forma de Sensei e a vagarem sozinhos por toda a eternidade.
Se uma pessoa do mundo interior toca em um dos seres do exterior, automaticamente é amaldiçoada. O pavor toma conta daqueles que repassam a tradição, sem ao menos refletir se as condutas que tomam em nome do medo são corretas. Shiva é a única pessoa a encarar o desconhecido, em toda a sua forma aterradora, como algo normal; ela enxerga além das aparências e, com isso, nos ensina sobre respeito, tolerância e amor.
Sensei cuida da garota com muita preocupação e zelo e sua masculinidade é branda e cativante (ele cuida da casa e de Shiva com muita paciência e tem postura séria quando necessário, sem ser autoritário com a menina – afinal, ela ainda tem muito o que descobrir sobre como sobreviver, ainda mais em um mundo hostil). Os dois moram em uma casinha isolada na floresta e, algumas vezes, veem o que chamam de “forasteiros” passando pelas redondezas – ora soldados do Mundo de Dentro, ora criaturas parecidas com Sensei.
Leia também:
» [MANGÁ] A Menina do Outro Lado: uma fábula oriental sobre tolerância, acolhimento e pertencimento
» [QUADRINHOS] Refugiados: A resistência dos migrantes em um mundo adoecido
» [ANIMES/MANGÁS] Gintama: sororidade e opressão de gênero do Estado
2. Uma cena surpreendente (e apavorante)
Ao final do primeiro volume, após uma sequência de tirar o fôlego, em que Sensei precisa proteger Shiva dos guardas da realeza, vemos Shiva, já em segurança, ser abordada por uma criatura animalesca dentro de sua própria casa, e o pior: ser tocada por ela. Sensei enlouquece ao presenciar a cena, apavorado com a ideia de que a menina possa vir a ser amaldiçoada, e é neste exato momento que a sequência de “A Menina do Outro Lado” começa.
Descobre-se, então, que existem mais criaturas iguais a Sensei habitando um canto ermo da floresta. Os novos e misteriosos personagens querem a qualquer custo a alma de Shiva, mas será que Sensei estará disposto a travar uma batalha contra sua própria espécie?
3. Uma mitologia abrangente
No início de “A Menina do Outro Lado“, leitoras e leitores são introduzidos à lenda do Deus da Luz e do Deus das Trevas; no segundo volume, a mitologia se mantém e somos apresentados à figura misteriosa da mãe, um ser que vive nas profundezas de um lago e ainda não tem sua forma revelada, comunicando-se com seus filhos através de um som que Sensei define como uma canção. Ela tem toda a devoção das criaturas das trevas e, além disto, clama almas em seu nome. Aos poucos vamos descobrindo mais sobre a origem de Sensei e das criaturas amaldiçoadas. Será interessantíssimo ver o outro lado da mitologia da série, uma vez que acabamos estabelecendo um juízo de valor pelo o que fora mencionado pelos habitantes da fortaleza.
4. As simbologias em “A Menina do Outro Lado”
Além de irmos um pouco mais a fundo na origem das criaturas, fica subentendido que Shiva, nome do deus hindu da destruição e regeneração, também tem um passado cujas raízes são importantes para compreensão de toda a mitologia que envolve o mangá. Ao olhar-se no lago em que mora a mãe das criaturas sombrias, Shiva vê seu reflexo nas águas calmas e acolhedoras, o que em um jogo imagético pode determinar sua conexão com o local ou com a própria criatura. Outra leitura possível é a de que Shiva necessita de mais alguém em quem se espelhar, uma figura feminina como a da própria tia que tanto sonha em reencontrar, algo tão importante para entender seu passado e restabelecer as possíveis certezas de seu futuro.
A intolerância das pessoas do reino segue imperativa e continua nos contando sobre desrespeito, perseguição e o medo que sentem e ao qual sujeitam as criaturas desconhecidas. Por mais que haja a disparidade entre luz e sombras, bem e mal, o segundo volume consegue, aos poucos, revirar a psiquê das personagens e trabalhar as diversas simbologias de modo que tudo o que fora visto no primeiro volume transcenda e dê corpo a novos significados e perspectivas. É interessante perceber o poder que determinadas obras possuem de irem além de seu propósito de entretenimento e, por consequência, passarem uma mensagem fiel acerca do mundo e de nós mesmas – “A Menina do Outro Lado“, com toda certeza, é uma delas.
5. Uma edição primorosa
Seguindo o padrão DarkSide Books de qualidade (que tanto amamos!), o segundo volume da obra possui capa dura, título envernizado, miolo em preto e branco e algumas cenas extras ao final. O traço de Nagabe, extremamente minimalista, continua contando sua história muito além das palavras, nos permitindo diversas interpretações sobre os aspectos gráficos ali presentes.
***
Por fim, “A Menina do Outro Lado – volume 2” segue repleto de criatividade e relevância narrativa. Nele, a mitologia se expande, perguntas que perduravam são respondidas e outras, ainda, sobrevivem no cerne da narrativa dicotômica do mestre Nagabe (qualidades que nos permitem ansiar pelos demais volumes da coleção).
A Menina do Outro Lado (volume 2)
Autor: Nagabe
Tradutora: Renata Garcia
175 páginas
Compre aqui: Amazon – Loja da Darkside
O Delirium Nerd é integrante do programa de associados da Amazon e do Lomadee. Comprando através de qualquer um dos links acima, ganhamos uma pequena comissão e você ainda ajuda a manter o site no ar, além de ganhar nossa eterna gratidão por apoiar o nosso trabalho!
Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.