No dia 28 de abril, The Handmaid’s Tale retornou para sua aguardada 4ª temporada, disponível atualmente no Brasil pelo streaming Paramount+. Dois anos separam os novos episódios de onde as espectadoras foram deixadas: crianças e Marthas seguindo em direção à liberdade e June (interpretada por Elisabeth Moss) baleada.
Pelos trailers, novamente a promessa de uma revolução, mas será que dessa vez a série se libertará do desejo de manter mais tempo de tela e tortura para enfim entregar o que público deseja?
Com algumas repetições de fórmula e contextos esperados, é difícil responder desde já. Contudo, é inegável que o final do terceiro episódio emociona, sobretudo para quem leu o livro de Margaret Atwood, “O Conto da Aia”.
AVISO: o texto abaixo contém spoilers e pode conter gatilhos
“Pigs”: os porcos estão em Gilead
“Sarah. Ellie. Brianna. Alma. Janine. Moira. June”. Quem leu o livro de Margaret Atwood sabe a importância dessa sequência de nomes.
Nomes, pessoas, mulheres. O único indício de suas vidas antes de Gilead: a marca de suas próprias histórias antes de serem escravizadas como aias.
Os três primeiros episódios da 4ª temporada de The Handmaid’s Tale, então, focam nelas, as sobreviventes em uma tentativa de fuga. Quando June é baleada, suas companheiras auxiliam-na e conduzem-na a um local em segurança, onde poderão esperar o momento certo para sua fuga. No primeiro episódio, desse modo, a série nos introduz ao comandante e à esposa Keyes, casal que abriga as aias fugitivas em sua fazenda e cuidam para que June se recupere. Os porcos, no entanto, estão em todos os lugares.
“É difícil ser bom em Gilead”. June profere uma fala semelhante. Afinal, o que define o bem e o mal? E mais do que isso, como ser bom em um regime de violência, onde os seres humanos, se não são porcos no sentido pejorativo, são corpos a serem abatidos? E esta não é a primeira vez que a moralidade é discutida na série da Hulu.
Serena (interpretada por Yvonne Strahovski) talvez tenha sido a primeira esposa cuja dualidade foi abordada, mas certamente não foi a única. Em Gilead, as mulheres não possuem voz, apenas status que mascaram sua igual submissão, assim como as violências a que são submetidas.
A Senhora Keyes (interpretada por McKenna Grace), por exemplo, é uma criança dada em casamento e estuprada. Estuprada por seu marido e estuprada por outros homens. A desculpa? A necessidade de gestar. A realidade? Status nenhum compra a liberdade das mulheres em Gilead.
Reação violenta na 4ª temporada de The Handmaid’s Tale
Também as aias, contudo, não são planas. Possuem nuances, particularidades e personalidades anuladas pelo manto vermelho. E não sofrem passivamente.
Um ponto que já se vinha apontando acerca de The Handmaid’s Tale era a conduta violenta de June. Isto porque, gradativamente, ela foi reagindo à violência que sofria também de forma mais grave. Uma morte, uma ameaça a uma criança, outra morte, outra morte e assim em diante. Novamente, como ela fala, “é difícil ser bom em Gilead”. E sobreviver possui seus custos.
Quando um anjo aparece na fazenda, é difícil para as aias resistir ao impulso de reagir a ele com a mesma moeda que seus delitos foram pagos. Pontapés, tortura, sangue. O quão prazeroso lhes parece depositar em um único homem todas as dores pelas quais passaram? Todas esperam ter essa chance de reparação e June sabe desse desejo, por isso entrega a faca a quem tem a necessidade de usar a violência como resposta.
Como em outras resenhas já foi mencionado, no entanto: até onde vai o limite dessa justiça feita pelas próprias mãos? Qual a fronteira dessa cadeia de violência? Pode ela acabar com um simples atravessar das fronteiras?
O mundo lá fora: como The Handmaid’s Tale oferece julgamento aos crimes de Gilead
A quarta temporada também mostra o que ocorre no Canadá. De um lado, há as crianças e as Marthas libertas. De outro, Serena e Fred Waterford (interpretado por Joseph Fiennes) estão detidos e se preparam para serem julgados por seus crimes.
Para quem não se recorda, Serena acredita que a detenção de Fred pode ser uma saída para reaver a guarda da bebê Nicole. Entretanto, ainda se vê uma Serena iludida, influenciada demais por tudo o que viveu e, acima de tudo, em negação. É difícil para esta mulher admitir que seu marido não é a perfeita imagem que, mesmo após os atos de violência contra ela, ela construiu. É difícil admitir que o poder sempre esteve acima da relação e que ela era apenas uma peça no jogo que ele controlava.
Concomitantemente, Serena também possui condutas reprováveis. Ela compactuou para que outras mulheres fossem estupradas e a própria bebê Nicole nasce desse processo, embora seja filha da relação consensual entre June e Nick (interpretado por Max Minghella). Serena, contudo, não enxerga seus atos. Enxerga apenas o papel de mãe que é impedida de cumprir através da filha que não pode ter.
Se antes Serena e Fred eram aliados, cada vez mais vemos ambos em lados opostos de uma disputa: a sobrevivência individual diante do julgamento de Gilead. The Handmaid’s Tale, todavia, ainda guarda surpresas para o destino das personagens, inclusive uma bastante inesperada.
O preço da liberdade
É interessante ver também os desdobramentos das ações de June no mundo exterior. Afinal, nunca houve um plano a ser seguido. O Mayday continua um movimento obscuro. Não se sabe quem está por trás dele, nem o que será feito do futuro. June age por impulso, não por uma estratégia – e ainda que agora aja coletivamente, não consegue ver além de seus próximos atos.
Os três primeiros episódios mostram que June possui um olhar mais coletivo que nas temporadas anteriores. Agora, então, ela se une a outras aias, a outras Marthas, a outras esposas e encabeça esse movimento revolucionário.
Como as escolhas que ela fez, no entanto, afetam aqueles que também estão com ela, ainda que fora da trincheira de Gilead? Acompanhamos, assim, Luke (O-T Fagbenle), Moira (Samira Wiley), Rita (Amanda Brugel), Emily (Alexis Bledel) e todas as crianças resgatadas de Gilead.
É importante que The Handmaid’s Tale traga esse núcleo para mostrar que a resposta nunca será fácil. Assim como o totalitarismo não se instaura do dia para a noite, a saída não se faz num passe de mágica. Quando June libertou crianças e Marthas, não pensou que elas eram parte de uma cultura. Aquelas crianças tinham famílias, desconheciam os atos de seus pais e os amavam. Elas não viram o antes, apenas o depois. E como explicar a elas que os atos de outros justificavam serem entregues a pessoas que nunca conheceram ou reconheceram como seus familiares?
Como Luke bem aponta, June fez suas escolhas. Ela pensou por ela sem pensar neles. Talvez suas escolhas fossem as únicas possíveis, mas não se pode ignorar que ela escolheu reagir e, para mágoa deles, também permanecer em Gilead.
“The Crossing”: The Handmaid’s Tale finalmente trará a revolução?
Tudo, enfim, é sobre escolhas. A escolha de apoiar um regime baseado na violência, a escolha de cometer um crime e de ser cúmplice dele, a escolha de lutar e de fugir e a escolha de quem salvar, inclusive a si. June, em diversos momentos, foi confrontada pelo poder de decisão – e para a angústia do público, sempre optou por ficar, mas a 4ª temporada de The Handmaid’s Tale promete fazer diferente.
De início, tudo nos leva a crer que fórmulas serão repetidas. June, com seu plano de salvação e de vingança, põe novamente a segurança de outras mulheres em risco. E por suas decisões, é capturada por Gilead. Mais cenas de tortura, portanto, levam a crer que o processo conduzirá ao seu retorno como aia. Afinal, como tia Lydia expõe (Ann Dowd), nenhuma vida pode ser desperdiçada; todas possuem seu papel a cumprir, seja nas camas de comandantes, seja nas colônias.
Embora resista a oferecer informações sobre suas companheiras, as táticas, também nada inovadoras, tocam em seu ponto fraco: a filha Hannah (Jordana Blake). Desta vez, entretanto, uma surpresa. A rejeição de Hannah parece mostrar a June que talvez ela não consiga salvar quem ama do modo como imaginava. Um regime como Gilead depende da aceitação dos indivíduos também. E assim como as crianças que June ajudou a libertar, Hannah confia em Gilead, o único lar de que ela se lembra. Aos olhos da menina, June é o inimigo e por isso ela a repele.
Quando a oportunidade surge, por fim, June corre junto às mulheres com quem compartilhou tantas dores, em um final que mescla angústia e emoção. “Sarah. Ellie. Brianna. Alma. Janine. Moira. June”. Quem sobreviverá para contar suas histórias?
Revisão por Gabriela Prado.