Na quarta-feira, 23 de novembro, fomos agraciadas com a mais nova produção de fantasia, terror e mistério da Netflix. Wednesday, ou Wandinha aqui no Brasil, já era aguardada pelo público desde o primeiro semestre de 2022 e chegou fazendo muito barulho, afinal, se tem uma coisa que o serviço de streaming adora é uma série teen que consegue atingir adolescentes e jovens adultos.
Wandinha, dirigida pelo renomado Tim Burton e protagonizada por Jenna Ortega, é uma dessas séries que presenteia o público mais velho com referências nostálgicas e permite uma identificação e pertencimento interessantes para os mais jovens. Assim como em O Mundo Sombrio de Sabrina, Wandinha tem elementos obscuros, romance e rebeldias juvenis. Mas não só de fórmula pronta vive Wandinha.
A trama adolescente de Wandinha, seus destaques e clichês
Somos convidadas a acompanhar diversas transformações na vida de Wandinha (Jenna Ortega). Ela precisou mudar de escola por motivos peculiares e pretende fazer o que for preciso para fugir do internato para jovens excluídos e diferentes (vampiros, lobisomens, sereias, e outros), Nevermore, onde foi matriculada por vontade dos pais.
Aqui já nos deparamos com a primeira grande referência da série: Edgar Allan Poe, colocado inclusive como um dos mais brilhantes estudantes de Nevermore, palavra significativa de seu poema “O Corvo“. Desde o primeiro episódio fica claro que o teor da série é leve, descontraído e jovem, com pitadas sombrias: colégio, pessoas desajustadas sofrendo bullying de populares, flerte jovem, amizades, mistérios a serem resolvidos, enfim, tudo o que um clichê adolescente da Netflix merece e reproduz.
Encarar Wandinha como uma série adolescente não é, de modo algum, uma forma de diminuir a trama. Significa que a produção consegue abranger o público juvenil e jovem adulto, principalmente por suas referências, e que não ignora completamente clichês e tropos para sua construção.
Problemas causados por sua relação com seus pais e sentimentos fazem parte da concepção da personagem e promovem reflexões interessantes e importantes, mostrando que até alguém que parece não se importar com a opinião dos outros também pode passar por conflitos nessa fase tão complexa que é a adolescência.
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Retomando a comparação com O Mundo Sombrio de Sabrina, Wandinha também completa 16 anos no tempo em que se passam os episódios e está tentando entender segredos familiares que a envolvem diretamente. Seja através dos conflitos românticos com dois garotos bem diferentes, um outcast e um normie, ou pela dinâmica das amizades da nova escola. Além disso, ela também tenta resolver um mistério que assombra Jericho, a cidade onde Nevermore está localizado. São problemas que demandam uma protagonista determinada e destemida.
Wandinha já revela sua personalidade e presença fortes desde o início: está disposta a enfrentar qualquer coisa para defender o irmão (Isaac Ordonez) e para sobreviver numa escola de pessoas que a encaram como ameaça. Essa fuga do estereótipo da personagem feminina que começa tímida e só depois fica confiante tem a ver, segundo os próprios criadores, Al Gough e Miles Millar, com o fato de terem filhas adolescentes e não quererem repetir essa construção. Nas palavras de Millar:
“Wandinha começa forte e continua assim. Ela é sem remorso, destemida, inteligente, esquisita – é muito raro ver uma personagem adolescente feminina tão segura de si.”
É interessante também ver o conflito entre Wandinha e Mortícia (Catherine Zeta-Jones), principalmente exposto nas críticas que faz a expectativa da mãe diante de sua entrada no internato. Wandinha afirma que não quer seguir o mesmo caminho dos pais, não quer ser uma dona de casa, nem mesmo ter filhos, e não aceita passivamente as escolhas impostas a ela.
A direção de Tim Burton em Wednesday
Um dos maiores destaques da série com certeza é a presença de Tim Burton por trás das câmeras. O diretor aceitou o projeto 4 dias depois de ter recebido o texto dos criadores, interessado principalmente em como a produção dava à Família Addams uma nova realidade, utilizando elementos que o fizeram lembrar de como se sentia na escola, com relação aos pais e como pessoa de modo geral.
Burton consegue fazer um tributo que enriquece o legado da família mais sombria do universo pop. Ele enaltece referências importantes e traz uma releitura inteligente para a protagonista ao criar camadas não apenas de deboche e seriedade, mas de sentimentos sinceros e conflituosos. Tudo isso nos remete aos tempos de escola, dos sofrimentos e das amizades que construímos.
O diretor também se identifica com a personagem e diz que Wandinha e ele têm a mesma visão de mundo, e conta: “Em 1976, fui a um baile de formatura do colégio. Foi o ano em que ‘Carrie’ saiu nos cinemas. Eu me senti como uma Carrie masculina naquele baile. Eu senti aquela sensação de ter que estar lá, mas não fazer parte disso. Esses sentimentos não deixam você, por mais que você queira que eles vão.”
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A performance de Jenna Ortega
Não há dúvidas de que a série demonstra seu potencial graças à atuação de Jenna Ortega. A atriz de 20 anos disse em algumas entrevistas o quanto se dedicou para interpretar uma Wandinha única, mesmo com medo da qualidade de sua atuação e assombrada por alguns arrependimentos do tipo “por que não fiz isso de outro jeito?” ou “deveria ter feito essa cena assim”. Fazer um papel tão renomado certamente tem suas dificuldades, mas acredito que todas concordamos que Jenna fez uma preciosidade.
Ortega, que já estava consolidando seu nome no cinema de horror por suas participações em X (2022) e Scream (2022), fez aulas de alemão, esgrima, arco e flecha, canoagem e violoncelo para aprimorar sua performance. A atriz conta que ela e Ricci não conversaram sobre a personagem porque ela queria criar algo especial, sem copiar o que Ricci já havia feito antes.
A Wandinha de Ortega parece extremamente relacionável, capaz de unir todas as pessoas que já se sentiram excluídas ou forçadas a fazer algo por um pertencimento momentâneo, nos lembrando de ser fiéis a nós mesmas, nossas esquisitices e sobriedades.
Os elementos da Família Addams
A Família Addams originalmente surgiu em formato de tirinhas publicadas na revista The New Yorker entre 1937 e 1988, criadas pelo estadunidense Charles Addams.
Uma das apostas dos criadores da série foi uma caracterização bem fiel aos personagens das tirinhas, o que implica, por exemplo, em um Gomez fora do padrão de beleza eurocêntrico, diferente do interpretado por Raúl Juliá nos filmes dos anos 90. O nome dos personagens também está majoritariamente presente no trabalho de Charles, como é o caso da diretora Weems (Gwendoline Christie).
Com as assimilações e adaptações da Família Addams ao longo dos anos, contando com séries, musicais e filmes, a interpretação de que a família seria uma retratação da estranheza gerada entre imigrantes latinos católicos num espaço presbiteriano, torna as coisas ainda mais interessantes. Por último, a escolha de Ortega para o papel de Wandinha não poderia ser melhor, já que a atriz tem ascendência latina.
O banquete de referências em Wandinha
A série é um deleite para quem gosta das outras produções que envolvem a Família Addams, a começar pela escolha de ter Christina Ricci no elenco. A atriz, que interpretou a personagem nos filmes dos anos 1990, curiosamente fazendo o papel de uma professora normal na série.
Temos várias menções ao filme Familia Addams 2 (1993), como o personagem Eugene (Moosa Mostafa), que lembra bastante o par romântico de Wandinha, Joel (David Krumholtz). Além disso, vemos a prática de arco e flecha, a referência a peregrinos e ao colonialismo tão odiado pela personagem, e o estalar de dedos que remete à clássica música da família.
Edgar Allan Poe, Carrie, a Estranha, uniformes que remetem a estampa clássica listrada de Beetlejuice, o uso de um ser sobrenatural para realizar seu plano sombrio como em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1993), e arquitetura gótica também fazem parte da lista de menções que constroem a aura sombria e hipnotizante da série.
Outras personagens femininas em destaque
Além de Wandinha, temos um elenco potente e personagens que prometem um bom desenvolvimento nas próximas temporadas (espero que a Netflix não nos decepcione), como Enid (Emma Myers) e Bianca (Joy Sunday). Enid divide o quarto com Wandinha e é visivelmente seu oposto: colorida, alegre, parece ser um pouco tímida, enquanto Bianca é a antagonista perfeita para Wandinha na escola, tão inteligente e determinada quanto ela, com um histórico familiar complexo.
Apostas para a próxima temporada de Wandinha
Os últimos minutos da série claramente nos fazem apostar em uma continuação. Talvez o conflito amoroso de Wandinha tenha se resolvido pelas ocorrências da trama, mas não significa que outros do gênero não surjam. Talvez Bianca e Enid ganhem mais evidência, principalmente a história familiar de Bianca e transformação de Enid.
Agora que Wandinha está mais integrada ao grupo e pôde perceber também o lado bom das amizades. Mas o que esperamos afirmar é a continuidade da celebração de jovens excluídos e seus poderes e qualidades, para que cada vez mais possamos ampliar as possibilidades de existência distantes do padrão.
Confira a playlist que preparamos com músicas inspiradas na Wandinha.
Referências:
- https://www.nytimes.com/2022/11/23/arts/television/jenna-ortega-wednesday-netflix.html
- https://collider.com/wednesday-series-tim-burton-production-comments/
- https://theface.com/culture/jenna-ortega-interview-by-olivia-rodrigo-wednesday-addams-family-reboot-netflix-tim-burton-christina-ricci-scream-flim-tv-vol-4-issue-13
- https://variety.com/2022/tv/news/wednesday-easter-eggs-tim-burton-addams-family-1235440691