X – A Marca da Morte: horror, juventude e cinema de verdade

X – A Marca da Morte: horror, juventude e cinema de verdade

De Não! Não Olhe! a O Predador: A Caçada, passando por Fresh e Crimes do Futuro, 2022 vem sendo um ótimo ano para o cinema de horror. Contudo, com exceção de O Predador, franquias e fórmulas antigas não tem ido tão bem assim com o público e a crítica. A legacy sequel da Netflix para O Massacre da Serra Elétrica conseguiu a proeza de atirar para todos os lados e não agradar ninguém.

Pânico 5 não foi exatamente amado pelos fãs dos filmes de Wes Craven, muito embora já tenha uma sequência confirmada. Uma tentativa de paródia em cima dos slashers tradicionais, em que jovens privilegiados enfrentam um assassino misterioso, Morte! Morte! Morte! até cativou uma parcela do público, mas não foi tão longe quanto poderia. Nesse estranho cenário, X – A Marca da Morte usa as fórmulas clássicas a seu favor e se firma como um dos melhores filmes de horror do ano.

Dirigido por Ti West, X – A Marca da Morte acompanha uma pequena equipe de cinema pornô que aluga um casebre no interior dos Estados Unidos para gravar um filme. Formada pelo produtor Wayne (Martin Henderson), o diretor/câmera RJ (Owen Campbell), a técnica de som Lorraine (Jenna Ortega) e os atores Maxine (Mia Goth), Bobby-Lynne (Brittany Snow) e Jackson (Kid Cudi), a equipe pretende terminar o filme em um espaço de poucos dias sem o conhecimento dos donos da propriedade.

O problema é que o casal de idosos Howard (Stephen Ure) e Pearl (também interpretada por Goth), responsáveis pela fazenda em que fica o casebre, moram logo ao lado e não são lá muito receptivos. O filme já conta com uma prequel, Pearl, ainda sem previsão de lançamento no Brasil, e uma sequência, MaXXXine, em fase de produção.

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Cena de X - A Marca da Morte
Em X, uma equipe de cinema pornô tenta concluir um filme num casebre sem o conhecimento dos proprietários | Imagem: Divulgação

O foco de X está no conflito entre a equipe e os donos da casa alugada para a realização do filme. Howard não vê com bons olhos o trabalho da equipe de Wayne. Já Pearl é atiçada pela beleza e pelas exibições de sensualidade dos jovens atores, o que se constitui em um problema para Howard.

A preocupação do dono da fazenda, porém, vai além do conservadorismo: segundo ele, Pearl é sensível e não pode ser exposta a certos tipos de coisas. Além disso, o despertar de Pearl faz com que ela tenha vontade de voltar a fazer sexo com o marido, que a rejeita com o argumento de que tem o coração fraco. A partir desse conflito entre sexualidade e velhice, X apresenta uma crítica à supervalorização da juventude.

Além do embate entre o jovem e o velho, X também joga luz sobre o confronto entre o antigo e o novo. O filme chegou aos cinemas pela A24, distribuidora conhecida por grandes títulos do chamado “pós-horror” ou “horror elevado”, como Hereditário, A Bruxa e Midsommar – O Mal Não Espera a Noite. Contudo, ao contrário de seus colegas de distribuidora, X não procura reinventar o gênero nem se colocar como algo superior a outros filmes de horror. Ti West dirige um excelente slasher, mas um slasher tradicional, com sangue, tripas, assassinatos inusitados e uma final girl.

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A dissonância entre os outros títulos da A24 e X provavelmente é um dos motivos pelos quais tanta gente ficou decepcionada com o filme. E essa decepção foi mais do que prevista por West. Por meio da obsessão de RJ com criar um filme pornô que seja Cinema com C maiúsculo, o diretor joga um shade no “horror elevado” e lembra que as fórmulas clássicas ainda podem assustar – e muito!

“Um dia, nós ficaremos velhos demais pra trepar”: idade e sexualidade em X

Em uma cena de X, a personagem Lorraine questiona os atores do filme dentro do filme a respeito de por que eles fazem o que fazem. Convencida a trabalhar como técnica de som pelo namorado, RJ, Lorraine não se sente confortável em um ambiente em que o sexo é tão banalizado. Maxine, Bobby-Lynne e Jackson explicam suas motivações para ela, fazendo breves discursos sobre como o trabalho sexual é libertador e como eles estão apenas dando às pessoas o que elas querem ver. Dá para concordar ou discordar com as várias coisas que os personagens dizem na cena. Mas o principal, aqui, é uma fala de Bobby-Lynne que dá o tom do filme como um todo: “Um dia, nós ficaremos velhos demais para trepar”.

Mia Goth como Pearl e Maxine
Pearl desenvolve uma obsessão por Maxine | Imagem: Divulgação

Wayne e sua equipe tem uma verdadeira obsessão pela própria juventude. Na mesma cena, o produtor conta que abandonou a esposa para ficar com Maxine, no melhor (ou pior) estilo “troquei por um modelo mais novo”. Em diversos momentos, os personagens se gabam de ainda serem jovens e, sempre que interagem com Howard ou Pearl, os tratam com condescendência.

Por sua vez, Howard e Pearl vivem um casamento casto, mas não exatamente por opção. Enquanto Howard tem medo de ceder aos avanços sexuais da esposa devido a um problema no coração, Pearl se sente sozinha e não desejada. Mesmo sem jamais tocar no assunto com estas palavras, o casal parece concordar com a afirmação de Bobby-Lynne de que chega uma idade em que as pessoas ficam velhas demais para o sexo.

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O medo que Howard tem de sofrer um infarto faz com que ele tenha aversão a qualquer coisa minimamente sexual. Já Pearl desenvolve uma obsessão por Maxine, que se parece com ela quando era mais jovem. Mas o que alimenta a obsessão de Pearl não é a vontade de ser jovem outra vez, mas a vontade de se sentir desejada. Ela sente saudade de um tempo em que “tinha idade para transar”. Quando a vontade é saciada, o encanto dela pela atriz passa rapidinho.

Cena de X - A Marca da Morte
Em X, não é a idade que torna alguém monstruoso | Imagem: Divulgação

Embora muitas vezes deslize num etarismo ao apresentar os personagens velhos como monstruosos, X deixa claro que não é o simples fato de envelhecer que mexe com a cabeça deles: o problema está naquilo que envelhecer significa na nossa sociedade. Os corpos velhos assustam porque todos os personagens do filme tem um verdadeiro pavor da passagem do tempo. Para eles, apenas a juventude importa. Pearl e Howard podem ser cruéis com os outros, mas são gentis entre si. Entre as várias mortes e sequências tensas do filme, sobre espaço para a ternura entre os dois. Isso é importante para marcar os personagens como asquerosos não pelo que eles são, mas pelo que fazem.

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Nesse sentido, também é importante notar que Pearl não é interpretada por uma atriz idosa, mas pela própria Mia Goth, que tem 29 anos. Stephen Ure, que faz o papel de Howard, tem 64, mas não está nem perto de ter a mesma aparência que seu personagem no filme. Ambos passaram por intensas sessões de maquiagem para viver o casal. Essa escolha não apenas faz com que a semelhança entre Pearl e Maxine seja inegável como também poupa atores realmente idosos de passar por uma certa desumanização. Mais do que isso, porém, a opção pela maquiagem deixa claro que não é a velhice em si que deve dar medo: o que assusta é uma certa representação do passar do tempo.

Cinema de verdade: Ti West sem tempo para o pós-horror

O velho, em X, não aparece só em contraposição com o jovem. O embate entre o velho e o novo também é central para o filme. Em um mundo em que as sessões de horror dos serviços de streaming são dominadas por filmes que preferem fingir que não são horror, Ti West revisita a fórmula clássica do slasher. O diretor tem uma opinião bem definida sobre essa história de horror elevado, e ele vai dar seus dois centavos sobre o assunto falando de pornografia.

Mia Goth como Maxine
Mia Goth como Maxine | Imagem: Dilvugação

se passa em um momento de virada para a chamada indústria de filmes adultos: a década de 70. Na época, pornôs como Garganta Profunda e O Diabo na Carne de Miss Jones estavam deixando o nicho e se estabelecendo no mainstream. No Brasil, as pornochanchadas ganhavam espaço nas salas de cinema tradicionais, com títulos como A Viúva Virgem e Como É Boa a Nossa Empregada.

Ao mesmo tempo em que acontecia essa popularização, uma nova tecnologia entrava no mercado: o home video. Formatos como VHS e Betamax permitiam que, pela primeira vez na vida, pessoas assistissem a filmes de maneira simples no conforto de casa. Bastava ter um aparelhinho de reprodução. Para a indústria pornográfica, era uma verdadeira mina de ouro. Ao mesmo tempo, a simplicidade e os baixos custos dos formatos permitia que amadores, principiantes e cineastas experimentais tivessem mais liberdade para produzir seus filmes. Foi uma revolução tecnológica bem parecida com o surgimento do digital.

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Nesse ponto de encontro entre a popularização e a legitimação como cinema de verdade, Wayne e RJ têm ideias bem diferentes a respeito do que estão fazendo. Contudo, isso não significa que eles não estejam do mesmo lado. Como produtor, o que Wayne quer é um filme de sexo explícito para vender para o máximo de pessoas possível. Já RJ tem a fantasia de não estar dirigindo um mero filme pornô, mas uma obra de arte. Na cabeça de RJ, ele não está fazendo um filme de gênero, mas cinema de verdade – o que quer que isso signifique. E, fantasias à parte, o filme de RJ atende completamente aos interesses de Wayne.

Cena de X - A Marca da Morte
RJ tem a ilusão de estar fazendo mais do que um pornô comum | Imagem: Divulgação

A posição de RJ não é muito diferente da de alguns diretores de terror atuais. É o caso de John Krasinski, por exemplo, que diz não ver seu filme de estreia, Um Lugar Silencioso, como um filme de terror. Ti West parece se perguntar por que, em um momento em que o horror está tão popular, tantos cineastas tentam se afastar do rótulo.

Mais do que isso, ele parece dizer que não importa o quão “elevado” ou profundo você quer que o seu filme seja: se ele está sendo produzido e distribuído como mais um filme de horror, ele é só mais um filme de horror. O comentário não é depreciativo: West tem um grande amor pelo gênero. O que ele não aguenta – ou parece não aguentar – é o complexo de superioridade de algumas produções que acabam jogando o horror todo para baixo para se promover como algo a mais.

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Mas X também reconhece que há um certo valor no novo. O filme experimenta com a edição e com os enquadramentos. É realmente bonito de se ver. Além disso, a trama é acompanhada pela voz de um televangelista que volta e meia aparece nas televisões da fazenda ou do posto de gasolina. O pastor fala o tempo todo de como os novos tempos são assustadores, de como há perigo em todo canto para a juventude nesse mundo de hoje.

Porém, no fim das contas, não é no novo que mora o mal em X. O novo está apenas fazendo o seu trabalho, seja reinventando a roda ou vivendo novas experiências. Dê uma chance a ele! Mas, também, tome cuidado para não desdenhar do que é antigo: o velho também pode dar muito medo.

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Tradutora, jornalista, escritora e doutoranda em Linguística, na área de Análise do Discurso. Gosta de cinema, de ficção científica, de cinema de ficção científica e de batata. Queria escrever quando crescesse e, agora que cresceu, continua querendo.
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