Mandíbula: a monstruosidade entre as mulheres no romance de Mónica Ojeda

Mandíbula: a monstruosidade entre as mulheres no romance de Mónica Ojeda

Mandíbula, romance de Mónica Ojeda, nos mostra o medo e a monstruosidade entre as mulheres. A autora conduz as emoções das principais personagens, a estudante Fernanda e a professora Clara, revelando suas obsessões e terrores. Assim como nos apresenta relações traumáticas e de abusos tanto em ambiente escolar quanto em casa com suas mães; e entre amigas quando se reúnem em um quarto branco para jogos e rituais ao “Deus branco”:

“O Deus Branco não tem rosto nem forma, mas seu símbolo é uma mandíbula que mastiga todos os medos”, dizia ela no quarto branco do prédio. “Quem o vê e não está pronto para vê-lo, vai morrer, porque sua aparência é como a morte: tira a cor de todas as coisas.” (pág. 164)

O livro começa com uma cena perturbadora: a estudante Fernanda está com os pés e mãos amarrados, dolorida, bem como vulnerável, em um lugar desconhecido e, imediatamente, aparece a sua frente a professora de literatura, Miss Clara, sua sequestradora. Fernanda não sabe o motivo do sequestro, a princípio, nem nós. A tensão já aparece nos primeiros parágrafos.

Durante a leitura descobrimos que por trás do sequestro há uma história de abuso, de um grupo de adolescentes contra a professora. Em uma narrativa polifônica conhecemos as histórias de vida das meninas e de Clara. As personagens vivem em ambientes opressivos, o que leva ao desenvolvimento do horror. O medo e a violência são os vetores das relações entre as personagens.

Relações de erotismo e monstruosidade no romance Mandíbula

Fernanda e Annelise, sua melhor amiga, acreditam que sem o perigo a vida não tem sentido. As outras amigas aceitam passar por essas “brincadeiras” porque querem estar no grupo. A relação com o medo está sempre presente. Annelise chama o medo de Deus branco: o deus do horror, que não tem imagem, pois elas apenas sentem. Como se ele as mastigassem. Portanto, um romance perturbador que mostra o medo e a monstruosidade entre as mulheres e suas relações com suas mães.

“na verdade, um dos aspectos mais perturbadores da brancura é que ela é pura potência e está muito perto de se tornar qualquer outra coisa” (pág. 218)

A escritora equatoriana Mónica Ojeda
A escritora equatoriana Mónica Ojeda | Gianella Silva/Divulgação

Enquanto lidam com o medo, as adolescentes tentam compreender o mundo e sua complexidade, pela descoberta do corpo. Exploram seus corpos com jogos e desafios, desde toques à agressão física, no limiar da morte.

“Não finjam que não gostam disso”, disse Annelise uma tarde em que Analía ficou muito assustada porque Fernanda desmaiou durante o jogo de estrangulamento. “Só faz sentido se for perigoso”, disse-lhes. “Só é divertido se for perigoso.” (pág. 96)

A linguagem como lugar de conflito

Fernanda e Annelise são as mais populares do grupo, dessa forma influenciam as outras. Elas reúnem-se em um edifício abandonado e juntas exploram o medo indo até o limite, como andar na beira do prédio correndo o risco de caírem, contar histórias de terror e se machucarem fisicamente umas as outras. Sentem-se livres no que chamam de “exercícios de corda bamba”.

A narração polifônica e fragmentada demanda atenção, como se tivéssemos que resolver um mistério, e quem está por trás da trama¹. Fernanda narra a história, do mesmo modo que a professora Clara. As duas nos levam para uma teia de relações violentas. Há também diálogos entre Fernanda e sua amiga Annelise, sobre um amigo imaginário que tem o nome do seu irmão morto; outros entre a professora e Annelise; e de Fernanda com o psicanalista, onde aparece apenas suas falas; a dele, são reticências, logo um diálogo sob o ponto de vista da menina.

“A: Quero te contar a história do dia em que matei o meu amigo imaginário.

F: Essa é a minha história.

A: Ele se chamava Martín, como o meu irmão morto.

F: O Martín é o meu irmão morto.

A: Tínhamos ido à praia, mas não fazia sol.

F: Tinha sol. Estávamos na piscina do hotel e fazia muito calor.(cap. IV)

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As relações de mães e filhas no romance

A professora Clara foi diagnosticada com síndrome do pânico, pois sobreviveu ao assédio moral no colégio onde dava aula anteriormente. Teve uma relação desestruturada com a mãe, já falecida, e é obcecada por ela; tenta alcançá-la no modo de vestir e se posicionar, enfim, quer ser igual a mãe, que também era professora e, também por isso, se compara todo o tempo em relação ao modo de ensino. Seu medo é constante e pensa que todos a observam.

As alunas tornam-se sujeitos monstruosos nas relações com suas mães. Por exemplo: Fernanda causa medo em sua mãe, pois a filha presenciou a morte do irmão, que se afogou na sua frente. Após o acidente, que ela pensa que causou, passa a frequentar um psicanalista.

Não só Fernanda, mas também Annelise influencia as meninas. Ela é a mais perversa, escolhe suas vítimas e as manipula, a ponto de levar a professora ao limite, que termina sequestrando Fernanda.

A: E há muitas mais… centenas e milhares de meninas com algo que deu errado dentro delas. Garotas perigosas, como a Fernanda. Meninas que traem suas melhores amigas e que se enfiam na casa das suas professoras pra assustá-las.(cap. XXVI)

Por que Mandíbula é tão perturbador?

Mónica Ojeda leva para sua narrativa a teoria de Lovecraft, construindo uma atmosfera tal que permita a entrada do horror¹, primeiramente, por ser um ambiente opressivo e ameaçador. A instabilidade psicológica das personagens se junta a simbolismos, como o deus branco e a mandíbula, e isso definitivamente nos leva às zonas sombrias da mente humana e não há como voltar atrás.

A autora

Mónica Ojeda
Foto: El Cuaderno/Divulgação

A escritora equatoriana Mónica Ojeda nasceu em 1988 em Guayaquil. Em 2017 foi considerada uma das melhores escritoras latino-americanas de ficção. Seu primeiro romance, La desfiguración Silva, ganhou o Prémio ALBA Narrativa. Fonte: abc.es

Referência:

¹ PEZZÈ, Andrea. El sistema literario de Mónica Ojeda. Orillas, 9 (2020).


Mandíbula

Autora: Mónica Ojeda

Autêntica Contemporânea

304 páginas

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Escrito por:

Gabriela é carioca, pesquisadora na área de Saúde do Trabalhador e frigoríficos. É escritora, e revisora de textos.
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