Duas histórias narradas em quadrinhos biográficos a partir das memórias daqueles que vivenciaram as dificuldades da guerra, ditadura, fascismo e violência, tanto dentro como fora do ambiente doméstico.
1) O melhor que podíamos fazer, de Thi Bui
A autora, Thi Bui, narra os fatos com base nos depoimentos dos pais e irmãos, uma vez que ela era muito jovem quando a família imigrou para os Estados Unidos e guardou poucas lembranças da época em que viviam na Ásia. A partir dos diálogos com os pais, ela relata a infância deles, assim como dos avós e irmãos, bem como as lutas, dificuldades e esforços.
Os pais dela eram muito estudiosos, o que fez uma grande diferença em suas vidas e nas de seus filhos, que também foram esforçados e dedicados aos estudos. Ela descreve também a chegada aos Estados Unidos, a difícil adaptação e as marcas do passado que os tornaram um tanto diferentes dos outros norte-americanos que não vivenciaram o mesmo que eles.
Memórias em quadrinhos: Guerra da Indochina e Guerra do Vietnã
A obra também fornece várias informações sobre as Guerras da Indochina (1946-1954) e a Guerra do Vietnã (1955-1975), principalmente do ponto de vista dos civis, que são sempre os mais prejudicados por conflitos desse tipo. Os pais e avós da autora viveram parte de suas vidas fugindo da violência e da miséria provocadas por essas guerras.
Em um trecho, o pai de Thi Bui diz o seguinte: “Bom, agora sabe como foi minha vida. E porque eu não podia ser alguém…normal.”
Mesmo assim, ele ainda foi um excelente pai, considerando as circunstâncias de sua vida.
“O Melhor que Podíamos Fazer” desperta reflexões sobre empatia, altruísmo e perdão
Esta HQ é uma reflexão sobre a família e as experiências que moldam e definem quem somos hoje. Aborda também a empatia e o altruísmo diante do sofrimento alheio, especialmente no contexto terrível dos imigrantes que fogem de seus países de origem devido ao caos da guerra.
O Melhor que Podíamos Fazer explora como nossos pais e avós, as pessoas que nos criaram, fizeram o possível dentro de todas as limitações que enfrentaram: emocionais, financeiras, educacionais, políticas, entre outras. Embora o passado não justifique os erros do presente, ele certamente explica muito e pode transformar completamente nosso relacionamento com alguém próximo quando conhecemos sua história.
2) Regresso ao Éden, de Paco Roca
Nesta graphic novel, Paco Roca narra a história de suas avós, bisavós, tias, primos e outros parentes, tendo como ponto de partida uma foto tirada em 1946, durante um domingo de praia em Nazareth, Valência (Espanha). A obra descreve a vida de seus familiares durante o período em que Franco estava no poder, de 1936 a 1975, revelando como o governo fascista e ditatorial levou grande parte da população espanhola à fome e à miséria.
As lutas das mulheres fora e dentro de casa em “Regresso ao Éden”
Regresso ao Éden também representa a luta das mulheres pela sobrevivência, enquanto eram responsáveis por cuidar de seus esposos, pais, irmãos e filhos, além de realizar o trabalho doméstico. Enquanto os maridos trabalhavam e deixavam o restante sob sua responsabilidade, incluindo a educação dos filhos, frequentemente atribuíam qualquer erro às mães.
Elas tinham que gerenciar tudo com o dinheiro limitado que seus maridos traziam para casa. A violência física e psicológica que essas mulheres enfrentavam dentro de casa representa uma triste realidade que ainda persiste atualmente.
A dureza dos eventos narrados é emocionante e desconfortável. No entanto, é uma história real que precisa ser contada, pois reflete aspectos de nossa própria realidade.
Os personagens e situações descritos em Regresso ao Éden, como a filha ingênua, o pai autoritário, a mãe sofredora e submissa, os filhos ingratos e a sogra narcisista, representam muitas famílias. A belíssima arte contribui para transmitir as emoções presentes na HQ, mesmo sem a necessidade de cenas explícitas ou pesadas.
Lições do passado para o presente: por que essas HQs são tão importantes?
Quando lemos histórias como essas, não apenas adquirimos um amplo conhecimento sobre vários conflitos que ocorreram no século XXI, mas também refletimos sobre como o ser humano enfrenta, de maneiras diversas, situações tão terríveis.
Ao olharmos para o passado, também somos levadas a refletir sobre o presente: muitas questões persistem décadas após as guerras retratadas nessas HQs. Nos perguntamos por que isso acontece repetidamente, por que ainda não aprendemos? Talvez ainda não tenhamos absorvido todas as lições necessárias. Enquanto essa aprendizagem não se concretizar, as tragédias narradas nessas duas obras continuarão a se repetir.
No entanto, não devemos abandonar nossos esforços para melhorar a nós mesmos e o mundo ao nosso redor. Conhecer o passado nos incentiva a ser mais altruístas, empáticos e conscientes da importância de sempre considerar o que é melhor para o coletivo. Esses são elementos que podem nos auxiliar a transformar o presente. Talvez essa seja a principal lição das duas HQs.
