Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã tornou-se best-seller pelo New York Times e foi considerado o melhor livro de 2022 pela Amazon. É a quinta obra para adultos da escritora coreana-americana Gabrielle Zevin e será adaptado para filme, com roteiro da própria autora.
Era uma vez a amizade de Sadie e Sam
O livro começa com um encontro casual de universitários no metrô, mas a história se desenrola nos anos 80, com Sadie, uma menina de onze anos, triste e esfomeada no hospital. Sua irmã mais velha, Alice, tem câncer, e nas primeiras páginas somos apresentados às angústias das irmãs Green.
Na sala de jogos, Sadie conhece Sam, praticamente da mesma idade, jogando Mario. Samson está em recuperação com o pé quebrado em mais de vinte lugares.
Isso não significa que foi uma relação fácil. Da infância à vida adulta, eles se afastam e se reconectam na faculdade. Ambos em universidades de elite, o encontro no metrô os reúne.
Pouco depois, nasce uma parceria que resulta em um jogo de sucesso e a empresa Unfair Games. Entre palavras ditas e subtexto, experienciam amor profundo, ressentimento, inveja, saudade, ciúme, buscando e fugindo simultaneamente.
Playmates – parceiros de jogo e de desenvolvimento
“Eu acho que você devia considerar… a raridade que é achar um parceiro de jogo.”
A história é sobre a rica relação dos dois amigos, mergulhando nos temas de amor, arte, tempo e video game. A trama alterna pontos de vista, explorando sentimentos e perspectivas. Em meio aos atritos, não há um certo ou errado absoluto. A intimidade com os personagens revela que eventos ocorreram de maneira inevitável.
“Você imaginaria que mulheres gostariam de se juntar quando não havia muitas delas, mas elas nunca se juntavam. Era como se ser uma mulher fosse uma doença que você não queria pegar.
Enquanto você não se associasse com outras mulheres, você poderia deixar implícito para a maioria, os homens: eu não sou como essas outras.”
Observamos em Sadie a busca por validação, sua genialidade, autocobrança e depressão no cenário machista dos games dos anos 90. Mais que uma mulher nesse contexto, Sadie é essencialmente uma artista atormentada pelo desejo de superação.
“Mas esse era Sam – ele aprendeu a tolerar o às vezes doloroso presente vivendo no futuro.”
NPCs Complexos
“Não existe jogo sem NPCs*. Só tem um herói, vagando por aí sem ninguém para falar e nada para fazer.”
* Non Playable Characters, os personagens não jogáveis de um jogo
A humanidade nos protagonistas de Zevin se reflete também nos coadjuvantes. Marx, amigo de Sam, é coreano-japonês, apaixonado por teatro e otimista. Ele produz o primeiro jogo e gerencia a Unfair Games.
Dov, ex-namorado e professor de Sadie, é explicitamente abusivo, mas não cai na armadilha de ser um mero artifício para desenvolver Sadie ou a trama. Seu personagem é construído em camadas que também o tornam mais real e sua relação com os protagonistas, verossímil.
Dessa forma, as personagens ao longo da história são cruciais para dar vida à trama, conectadas pela paixão por video games.
Uma carta de amor gamer
“O que é um jogo?” disse Marx. “É amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã. É a possibilidade de renascimento infinito, redenção infinita.
A ideia de que se você continuar jogando, você pode ganhar. Nenhuma perda é permanente, porque nada é permanente, nunca.”
O livro é uma declaração amorosa aos video games, explorando desde a concepção até a monetização. Mesmo quem não joga é seduzido pela paixão das personagens, entendendo a arte por trás de jogar e criar games.
O primeiro jogo de Sadie, EmilyBlaster, mistura poesia de Emily Dickinson e Space Invaders. Sua perspectiva única, como mulher, enriquece a produção, divergindo do discurso vigente na sala de game design na faculdade.
Em alguns capítulos, a autora experimenta diferentes formatos de texto, aproximando-nos dos jogos. Há narração dentro de um jogo, pontos de vista separados de Sadie e Sam, explorando o desenvolvimento de um mesmo jogo, e brincadeiras com a perspectiva de NPCs. Gabrielle Zevin envolve os leitores nos bastidores e na paixão pela criação de video games.
Os trinta anos que decorrem em Amanhã, Amanhã e Ainda Outro Amanhã
“O tempo é matematicamente explicável; era o coração – a parte do cérebro representada pelo coração – que era o mistério.”
A história extensa de Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã adiciona o ingrediente essencial para falar de humanidade: tempo. Explora a perspectiva individual, como mágoas, luto e amadurecimento, e a contextual, abordando questões da vida nas décadas de 90 e 2000, discussões raciais e o impacto de eventos como a queda das torres gêmeas.
O acerto do livro é compreender que tudo, desde personagens até jogos desenvolvidos, é contextual. Lugares, eventos e períodos são importantes, e a exploração da linha do tempo, indo e voltando, torna a história envolvente.