Ao nos depararmos com o título do novo livro de Brit Bennett, pensamos, automaticamente, ser uma história unicamente sobre maternidade e seus diversos aspectos. Puro engano. Apesar de retratar aspectos da maternidade, já que tal condição é relacionada, puramente, ao ser mulher, As Mães consegue ir muito além do que aparenta.
Inclusive, e talvez até principalmente, em relação ao aspecto da raça. Logo de início percebemos que, mais do que qualquer coisa, a história do livro se trata de uma história sobre raça, sendo que a diferença crucial na construção da trama está no fato da autora ser não apenas uma mulher, mas – e principalmente – uma mulher negra.
É sempre refrescante ver, a propósito, seja em um livro, em um filme ou mesmo em um relato, a forma como os aspectos – por mais sutis que sejam – ligados a uma determinada etnia ou raça, orientação sexual ou a um determinado gênero, são tratados e construídos quando feito pelos próprios representantes do (s) grupo (s) objetivado (s) na narrativa. Não apenas a dor, mas a própria vivência de tais grupos é, claramente, melhor tratada e explorada quando feita por aqueles que a vivenciam em sua totalidade.
“De certa forma o racismo sutil era pior, porque sempre a fazia se sentir maluca. Toda hora se via na dúvida: será que foi mesmo racista? Será que foi paranoia minha?”
Em As Mães, através do olhar de Bennett, vemos não apenas o aspecto racial negro, adotado com maior fidelidade pelo fato de a própria autora pertencer a tal grupo étnico-social, mas, também a universalidade que a condição – ocidental – do ser mulher traz consigo.
Como exemplo de tal condição temos o aborto. Este é a todo momento tratado no livro, seja em voz alta ou em sussurros, sendo fácil para nós – mulheres feministas – nos questionarmos juntamente com as protagonistas quanto a esse assunto.
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Tal tratamento dado ao tema, porém, não é tão “simples” pelo fato de o próprio pano de fundo da intrincada narrativa de Bennett ser não apenas uma comunidade afro-americana, mas uma comunidade religiosa, em que o papel controlado, subalterno e puritano da mulher é reforçado insistentemente, mesmo assim, e em conjunto com as conexões, talvez eternas, decorrentes do tema, nos são apresentados questionamentos raciais, classicistas, sociais, religiosos e, até mesmo relacionados à saúde mental de uma pessoa.
“Até tentamos amar o mundo. Nós o limpamos, esfregamos os pisos de seus hospitais e passamos suas camisas a ferro, suamos em suas cozinhas e servimos almoço para seus estudantes, cuidamos de seus doentes e embalamos seus bebês. Mas o mundo não nos quis, por isso nós o deixamos (…)”
É difícil definir o que o livro de Bennett nos propõe em uma única linha de pensamento. Ao longo de suas 254 páginas, somos levadas a extremos de dor e alegria em poucos parágrafos, sendo forçadas a adentrar e tentar, de todas as formas possíveis, entender a história das mulheres narradas.
As Mães é um livro de mulheres, considerando aqui as personagens, e para mulheres, com uma mensagem tão universal e íntima, especialmente às mulheres negras, que sua leitura nos vem fácil e leve, mesmo que os temas trazidos por ele não tragam as mesmas características.
Não é a toa, portanto, que o livro já tem adaptação garantida para o cinema pelos estúdios Warner Bros.,vindo a ser produzido pela atriz e produtora Kerry Washington, além de, como confirmado pela própria Bennett, ter produção executiva e escrita do roteiro pela autora em pessoa.
Ousamos dizer, por fim, que tal obra conseguirá se conectar com diversas – se não todas – as mulheres, já que a narrativa é construída de forma a adentrar em nosso âmago e de lá retirar a mais pura identificação, assim, mesmo que não tenhamos vivido as situações em questão, sentimos como se houvéssemos.
Nós somos as protagonistas e as protagonistas somos nós, não sabemos mais onde terminamos e onde elas começam. Ao fim da leitura, porém, saímos com a impressão, ou talvez tímida certeza, de que nós, também, somos As Mães.
As Mães
Autora: Brit Bennett
256 páginas
Este livro foi cedido pela editora para resenha